Tempos houve, e não muito distantes, em que armamento fazia
parte de facções políticas. Era armamento pesado, oriundo de furtos de arsenais
e depósitos das forças públicas dos estados e do comércio ilegal de armas e
munições. No nordeste a posse de fuzis tornou-se coisa corriqueira. A luta
contra Lampião e outros cangaceiros e contra a Coluna Prestes facilitou a difusão
de armamento nos sertões, onde cresceu o fenômeno do coronelismo caracterizado
por chefes políticos que mantinham e faziam crescer força e prestígio baseados
em verdadeiros exércitos “armados até os dentes”. Alguns
dos chefes se tornaram famosos e passaram a fazer parte da história pela
respeitabilidade, firmeza de atitudes e honradez e pelo poder quase despótico,
que exerciam nos seus “domínios”, onde só vingavam juiz de direito, delegado de
polícia e qualquer outra autoridade de governo se cumprissem suas ordens e
fossem de seu agrado.
Lira Neto e outros historiadores contam, em livros, a saga
do Pe. Cícero Romão, no Ceará, que escreveu carta a Luiz Carlos Prestes pedindo
a rendição do líder da Coluna, deu título de capitão a Lampião, provocou
pronunciamentos indignados de Ruy Barbosa, chamou Getúlio Vargas de “mensageiro
de satanás”, derrotou tropas do governo e
sitiou a cidade de Fortaleza com
forças comandas por Floro Bartolomeu e outros, provocando a decretação de
estado de sítio, no Ceará, pelo presidente Hermes da Fonseca. Leonardo Mota,
pesquisador do folclore nordestino, que mereceu crônica elogiosa de Raquel de
Queiroz, fez conhecida, no país, frase de jagunço do Pe. Cícero: “Eu, por meu
Padim, vou inté o inferno, quanto mais pro sumitério, que é coisa sagrada”.
A Bahia teve seus chefes sertanejos, despóticos e valentes,
cuja história deveria ser contada. O fenômeno, próprio da política de época
conturbada, gerou fatos gravíssimos como os da expulsão de juízes, promotores,
delegados e agentes da receita pública sob foguetório, impropérios e tiroteio,
alguns montados de costas em burros brabos.
A jagunçada, usada como força política, nunca contaminou
Feira de Santana, provavelmente por sua proximidade com a capital do Estado
(território dividido entre o recôncavo e o sertão) o que não impediu que suas facções mantivessem
as necessárias provisões de armas e balas.
O episódio do “quebra-pote”, envolvendo o Cel. João Mendes
da Costa, que aqui foi intendente e conselheiro municipal, ilustra o fato. Ameaçado por mata-mosquitos e
forças estaduais da quebra de pote de sua casa, no tempo da luta contra a febre
amarela, que era desgraça nacional, o Cel. João Mendes desafiou os governos do
Estado e da União reagindo armado.
Reuniu gente, devidamente municiada, que ocupou a Praça Fróis da Mota em
tal quantidade que a força pública teve que desistir da luta temendo morticínio.
Zeca Martins (Zeca-Bucetinha), certa ocasião foi preso.
Tratava-se de clara perseguição política. A notícia nem havia terminado de
circular quando grupo partidário, reunido
às pressas, atacou a cadeia a tiros de
fuzil e rifles-44. A cadeia funcionava,
com a delegacia de polícia e quartel da força pública, em imóvel onde hoje está
o prédio do INSS, na Rua Sales Barbosa. Tamanho foi o tiroteio que pôs em fuga
soldados e carcereiro. Zeca, libertado à força de bala, foi carregado, em
ruidosa passeata, pelas ruas da cidade.
Surge, agora, a notícia da enorme quantidade de armas e
munições desviadas, entre 2.000 e 2.010, no Rio de Janeiro, de organizações
policiais e das próprias Forças Armadas, demonstrando a inutilidade quase
ridícula da campanha de desarmamento, que anda por aí, cujo marketing é maior
do que a eficiência.
Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi
aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para
o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia
semanalmente a matéria produzida
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