Hugo Navarro da Silva |
Edelvito Campelo, com sua vasta experiência no trato de assuntos legais, costumava dizer que o brasileiro
tem a mística da lei só para desobedece-la. É que no Brasil cuida-se da lei como capaz de
tudo resolver, abandonando velhas regras para a criação de novas ao sabor dos
acontecimentos, muitas das quais estão em vigor a entupir repertórios e a criar
problemas. É o casuísmo, de que tanto falam os noticiários, que leva o país não
poucas vezes a andar aos trancos e barrancos, conduzindo juízes e outros
profissionais do direito ao desespero dentro do emaranhado legal existente, a teia
de aranha de que falava Rabelais, repetido por Balzac e até pelo brasileiro
Mons. José da Cunha Coutinho, que pega insetos pequenos, insignificantes, mas
deixa passar os corpos maiores.
O grande e esquecido Ruy Barbosa lembrava provérbio italiano
traduzido como “feita a lei, aventada a trapaça”, expressão que já estava na
antiga e boa linguagem portuguesa, segundo o Bluteau, na forma de “feita a lei,
cuidada a malícia”.
Na verdade somos escravos da lei, criada, não se sabe
quando, para garantia da paz social, mas, principalmente, para a segurança do mando nas mãos dos poderosos.
Cícero chegou a dizer que temos que ser escravos da lei para
garantia da nossa liberdade, o que não deixa de ser interessante. Cícero era
grande orador político.
Verdade é que a palavra lei encerra, nos diversos sentidos
que lhe são atribuídos, uma contradição. Lei significa o que está escrito, mas
há leis costumeiras e aplicadas, ainda hoje, na Inglaterra, valendo como se
estivessem em letras votadas por eleitos representantes do povo e leis
inventadas pela população.
O mundo é complexo devido à mais importante criação divina.
Cada ser humano, família, ciência, tribo, quadrilha de malfeitores, clubes e
quejandas manifestações da sociedade costumam ter suas leis próprias, assim
como as nações. As leis são parte da criação do universo, que sem elas em pouco
tempo se transformaria em caos e sempre houve crentes de que, pairando sobre as
fraquezas e desgraças humanas, há um código de direito natural esperando que um
dia o homem tome juízo e chegue lá.
Há leis em tudo e em todos. O povo costuma criar suas leis,
que ganham corpo na linguagem, na literatura, no folclore, às vezes nos hábitos
das pessoas, como a lei do cão, a das selvas, a de talião ou da retaliação (que
está na Bíblia), a do menor esforço e tantas outras que andam por aí afora.
Administrador municipal, ainda no tempo da intendência, em
São José das Itapororocas pendurou pelos pés, em árvore, na praça principal,
sujeito que pretendeu gozar dos favores de certa dama sem o devido
consentimento. Esfolou o audacioso a
chibatadas. Chamado, pelo intendente a prestar conta do feito, que provocara
escândalo e falatório, disse que apenas
aplicara o que manda a lei. E o que manda a lei, perguntaram-lhe, ao que
respondeu cheio de convencimento: “castigai os que erram”. Foi demitido.
Outro, soldado do antigo II-18-RI, no tempo da Segunda Grande
Guerra, nordestino, de baixa estatura, conhecido por Sola, andava nas ruas
desta cidade mal-ajambrado, com sinais de embriaguez, gritando que tudo com ele
se resolvia na lei de Sola. Inquirido
sobre qual era a lei de Sola, respondia: “a lei de Sola é capar”, brandindo
enorme faca de açougueiro que sacava das costas.
A lei, assim, oferece
infinitos aspectos. Uma, entretanto, a mais odiosa de todas, a de Lynch, porque
pode vitimar culpados e inocentes, retorna, agora, aos noticiários. A lei de Lynch
significa falta de polícia. E falta de polícia nada mais é do que a ausência de
governo.
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