ALIMENTAÇÃO NO
SÉCULO XIX
Para entendermos a
importância da pecuária, gostaríamos de nos transportar no tempo e o tipo de
alimentação existente.
Um dos maiores
benefícios das grandes navegações foi a globalização, principalmente de
vegetais e animais.
Na Idade Média a
humanidade correu o risco de extermínio por falta de alimentos conhecidos,
principalmente na Europa. O exíguo conhecimento de variedades e o aumento da
população levariam regiões se encontrar com a escassez.
A Ásia, África e as
Américas multiplicaram as possibilidade alimentares.
O Brasil rico em
suas florestas, fez com que os indígenas pudessem viver no sistema de coletores
de caça abundante, frutas, peixe e tubérculos, como a mandioca. Logo com a
chegada dos europeus, a difusão de frutas e animais de outras plagas, os
costumes e hábitos das outras regiões, preponderam para parte da população mais
rica.
Como vimos na
segunda parte, havia uma descriminação alimentar. Os escravos e os indígenas,
parte maior da população, o jesuíta
Fernão Cardim calculou a população em Salvador em três mil portugueses, quatro
mil negros e oito mil índios catequizados. Não estimou a população mestiça,
formada por mamelucos, mulatos cafuzos e mulatas que lá viviam. Fim do século
XVI[[1]], não contou com os
índios não catequizados, tinham acesso restrito aos alimentos estrangeiros. Uma
verdadeira corrida na plantação de frutas estrangeiras. Até hoje há uma
hegemonia destas frutas sobre as locais, os donos da terra para evitar o
consumo das frutas pelos escravos criou lendas sobre a ingestão de alimentos:
“chupar manga no vento dava congestão”; “banana com leite fazia mal” e outras
estórias. Os alimentos derivados de animais, também eram escassos, não só as
carnes, também o leite e seus derivados, eram controlados.
Debret conta que
produtores de leite, acrescentavam um pouco de água para render, o escravo que
transportava, por sua vez “batizava” colocando um copo de água no latão, o dono
da padaria também adicionava sua parte. Alguns produtores, famosos pala
qualidade do leite passou a colocar cadeado na vasilha (ver figura 1 – parte
1).
O aumento da
população estrangeira, escravos alforriados e mestiços, fez com que o mercado
passasse a exigir cada vez mais, os alimentos estrangeiros e aí o desenvolvimento
da pecuária, principalmente a bovina deu um salto quantitativo.
Em Salvador, os
Beneditinos tinham a maior horta da cidade, cultivada na encosta do convento
São Bento, até o rio das tripas onde foi localizado o primeiro matadouro de
gado de Salvador.
História da salga
de carne, Charque, Carne do Sertão e Carne do Sol: Na região andina da América do
Sul, na era pré-colombiana, já havia um
preparo de carne desidratada, com características de liofilizada, graças às condições atmosféricas do altiplano; os cortes utilizados eram de lhama ou outro
gado, e denominava-se charqui.
No Brasil, o início da produção do charque foi
no Nordeste, cuja ocupação do
seu interior no fim do século XVII, depois da Guerra dos
Bárbaros, se intensificou com a implantação das estâncias
de gado. O charque era produzido, assim como no Altiplano Andino, para a
manutenção da carne. Basicamente, servia para a alimentação dos escravos que
trabalhavam no Ciclo da
cana-de-açúcar.3
Os mercados produtores de carne bovina eram os
estados de Ceará, Rio Grande
do Norte e Paraíba. Pernambuco e Bahia eram os
mercados consumidores. Com a desvalorização do rebanho durante o transporte
para abate nos mercados consumidores, os produtores começaram a abater os
animais e conservar a carne em sal, nos locais mais próximos aos portos,
como Aracati, no Ceará, e nas salinas de Mossoró. Gado e sal foram os negócios que renderam lucros
para suas capitanias produtoras.4
Porém, com a seca iniciada em 1777, conhecida como
a Seca dos
três setes, que se prolongou com estiagens até 1779, a
produção de charque no nordeste se tornou inviável devido à morte dos rebanhos
das fazendas produtoras, o que provocou uma crise econômica e social na região.4 5 Assim, o estado do Rio Grande do Sul, que naquela altura já tinha um enorme rebanho,
passou a liderar a produção de carne,5 no mesmo período em que foi assinado o Tratado de
Santo Ildefonso, que permitia uma trégua na luta entre espanhóis e
portugueses, possibilitando investimentos econômicos na região, até então
exclusivamente criadora de gado, através das estâncias.6
Em 1780, na cidade de Pelotas, foi construída a
primeira charqueada de que se tem
registro, por José Pinto
Martins, refugiado da seca cearense.6 Pouco depois, numerosos outros
estabelecimentos foram construídos, e o charque passou a ser exportado ao
Nordeste, iniciando-se o Ciclo do charque em Pelotas.7
No século XIX, o charque era utilizado como
alimento dos escravos da cafeicultura em todo o Brasil (o outro alimento
utilizado era o bacalhau) e nas regiões que adotavam o sistema escravista, como
o Caribe (principalmente Cuba). Era também
utilizado pelas camadas pobres da população livre, por ser barato e dispensar
refrigeração. O charque era quase exclusivamente produzido pelo Brasil, com concorrência
do Uruguai e da Argentina.6 8 Até o final
do ciclo do Charque, o Rio Grande do Sul era o maior produtor de charque do
Brasil.[2]
Mais
adiante voltaremos a escrever sobre charque, com o advento do Frigorífico
MAFRISA em Feira de Santana.
Inicialmente, o
gado comercializado em Feira de Santana, vinha dos centros produtores diretos
para abate, mas aí foi criado na região, fazendas de terminação, promovendo uma
pecuária produtora de grande valia.
Na época o semiárido
ainda não conhecia terras para as vegetações adequadas a bovinocultura, e a
água era escassa, na caatinga a terra percolava (não segurava água nos
barreiros). Com exceção de uns poucos olhos d’água existentes e alguns córregos
e rios. Então as grandes fazendas de gado foram localizadas nas matas, na
região da Serra do Orobó, Rui Barbosa, Itaberaba e principalmente Mundo Novo.
Outra parte que desenvolveu a pecuária foi, Conquista, Poções, Caitité.
O gado continuava
vindo do Piauí, Goiás e Minas Gerais, principalmente, poucos iam para abate, a
maioria era adquirida por fazendeiros das novas regiões.
Nas fazendas desta
região passou-se também a produzir grandes boiadas, sempre trazendo para a
“feira de gado”.
Poppino registra: Em 1860, tal como
nos tempos coloniais, era costume dos boiadeiros das Províncias limítrofes, de
Minas Gerais, Goiás e Piauí, levar sua tropa até Feira de Santana. Logo depois
de 1860, porém, essa prática se modificou, porque o gado, exausto pelas longas
distâncias percorridas, não poderia concorrer com os animais provenientes das
pastagens do centro da Bahia, Nas terras férteis de Conquista, Poções, Caitité
e Iguaçu, na zona sul da Província e em Mundo Novo, Jacobina e Rui Barbosa
(Orobó), a oeste de Feira de Santana, os criadores começaram a estabelecer
fazendas de solta, para engorda do gado das Províncias vizinhas. Vendendo os
animais para esses fazendeiros, os criadores de Minas Gerais, Goiás e Piauí
puderam reduzir pela metade o caminho percorrido, enquanto, por outro lado,
recebiam ofertas que se aproximavam dos preços de Feira de Santana. Em 1870,
boiadas vindas do Piauí ainda apareciam, periodicamente, em Feira de Santana,
porém, na década seguinte, já representariam casos esporádicos[[3]] Gado das outras Províncias ainda se
vendia em Feira de Santana, na maioria das vezes engordado nos pastos da região
central da Bahia, antes da caminhada para a feira[[4]].
PEQUENOS ANIMAIS
Vimos a dificuldade
da criação de bovinos no semiárido, principalmente na caatinga. Dificuldade de
vegetação, o capim colonhão conhecido também como colonião, originário da
África, veio como cama dos escravos nos porões dos barcos negreiros [[5]].
Precisava de umidade, o que restringia seus habitat às “matas”. Ainda
desconhecida vegetações adequadas para a região, a falta de barreiros, fez com
que frutificassem a criação de caprinos e ovinos. A pratica dessa criação era
em regime de áreas abertas, sem cercas e sem propriedades definidas. Os donos
da criação anualmente faziam o “rodeio”, reunindo todas as reses para
determinar os nascidos e marcar as propriedades dos animais. No início do
século XX, com o conhecimento de gramíneas das outras colônias portuguesas, principalmente
d´África: além do colonhão já referido, guiné, gordura, angola e angolinha e
outros e também a melhoria das tecnologias de novas gramíneas e advento de
máquinas, tornaram terras antes inapropriadas para o gado vacum em boas fazendas,
Estas terras “novas”, provocaram vários conflitos, entre grandes proprietários
e pequenos criadores. Também tivemos choque das atividades, gado vacum versos
caprinos e ovinos.
Duas grandes contendas fizeram com que
houvesse interferência jurídica e governamental na tentativa de apaziguar o
campo, adiante falaremos mais detalhadamente sobre o assunto.
Na caatinga de Ipirá e Riachão de Jacuípe,
havia grande concentração de ovinos e principalmente de caprinos. Decorrente da
atividade desenvolveu-se em Ipirá o artesanato de beneficiamento do couro,
principalmente das peles do caprino. Celas, arreios, bornais, botas e traje do
vaqueiro: gibão, casaco fechado com cordões de couro; peitoral é seguro por uma
alça que passa pelo pescoço; perneiras para as pernas; luvas, só nas costas da
mão; botinas; jaleco e chapéu.
Quase toda a produção destes artigos de
couro era trazida para a “feira de gado” de segunda-feira em Feira de Santana.
O porco era criado solto nas casas das
roças e também nos arredores da cidade. A carne de porco era a segunda mais
consumida, mas o principal produto do suíno era a banha, não existia gordura
vegetal. Porco (alimento usado por
camponeses, já que o boi é sempre do patrão).[6]
As aves criadas soltas, denominadas
“galinhas de quintal”, eram caras, gerando uma piada do Barão de Itararé:
“pobre quando come frango, um dos dois está doente”.
Cada vez mais Feira de Santana se
tornava o centro comercial, capitaneado pela “feira de gado”. O comércio que empana o imaginário tem suas
raízes no boi, filho econômico e
social da cana que tanto elaborou o panorama simbólico da mente brasileira. O
abordado radicaliza já que “em certo sentido, a história de Feira de Santana
pode ser considerada como história da pecuária da Bahia (POPPINO) 1968, P. 54).
[7]
[1]
Matoso, Kátia M. de Queiroz “Bahia século XIX – uma província do Império” p.119
[2]
Wikpédia – a enciclopédia livre – item CHARQUE
[3]
Bahia, presidente, “Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Bahia
pelo Exmo. Sr. Barão de São Lourenço em 6 de março de 1870” (Salvador, 1870),
pp.11-12. cit. Poppino, R.E.
[4]
Rollie E. Poppino “História da Pecuária da Região de Feira de Santana”.
[5]
Os escravos eram jogados no porão em cima dos capins, faziam suas necessidades:
fezes vômitos urina... Quando o navio aportava havia a limpeza, jogando o capim
com os excrementos nas encostas, estes excrementos serviam de adubos preservando
os vegetais. N.A.
[6]
Senna. Ronaldo – “Feira dos Encantados” p.62
[7]
Idem, p. 62
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