Hugo Navarro da Silva |
A cidade do Rio de Janeiro já foi o paraíso neste país de
eternas carências, dificuldades e roubalheiras. Famosa por sua geografia
privilegiada, ali residiam oportunidades, corria o dinheiro e a certeza de notoriedade
e glória. Artistas de todo o país só faziam fama e fortuna no Rio, onde o rádio
e o teatro alcançaram grande desenvolvimento. Era supremo desejo de nordestinos
fazer, pelo menos, uma visita ao Rio e voltar para casa falando das belezas e
conquistas de cidade maravilhosa, desenvolvida, moderna, elegante, cheia de
novidades e vícios da civilização. Muitas vezes resolviam enfrentar todas as
dificuldades para vencer na famosa metrópole. Artistas, políticos, jogadores de
futebol, profissionais de todas as áreas buscavam o Rio para crescer na vida.
Afinal de contas o Rio de Janeiro era a capital do país, onde se concentravam o
poder e parte considerável da riqueza nacional. O Rio, entretanto, desenvolveu,
com o progresso, intensa marginalidade e fama de principal sede do vigarismo brasileiro, a malandragem, que se tornou
famosa e imitada, dando origem a histórias como a do “vendedor de bondes”,
de que teriam sido vítimas ricos
fazendeiros de Minas, e a da “mentira carioca”, expressão que tomou todo
o país com o sentido de peta, fábula,
patranha, lenda, ardil, cascata, poçoca,
embuste e fraude. O Marquês de Maricá
disse, em suas “Máximas”, que “A mentira, infelizmente, é mais social do que a
verdade; a civilidade a enobrece e recomenda” e Luiz da Câmara Cascudo reconhece
que “Todos os países têm figuras clássicas e locais de mentirosos”.
Tão forte se tornou a “mentira carioca”, que ingressou na
música popular em samba de Patrício Teixeira, preto, pobre, um dos primeiros no
Brasil a gravar em disco e a figurar entre as atrações do rádio. Fez sucesso entre
os anos dez e trinta, aprendeu a tocar sozinho, foi professor de violão de
Aurora Miranda e Nara Leão e autor de livros. O samba falava do “tal, que de
natal e natal, toma abrideira e diz que é água mineral. Nesta mentira carioca eu
quero crer, mas...”
O samba fez sucesso,
como anos mais tarde o conjunto “Golden Boys” ao lançar, na “jovem guarda”, o samba-rock
“Mentira Carioca”: “Saiba que ser carioca/ é ter um jeitinho de quem nada quer/
é passar a vida pensando em mulher/ é trabalhar pouco para não se cansar.”
Há dificuldades de toda ordem para atanazar a vida do povo
brasileiro. A da segurança pública é uma das mais graves e preocupantes.
Ninguém dela escapa. No Rio de Janeiro alcança proporções tais que ninguém sabe
o limite entre a ação do governo e a de bandidos armados, ligados ao tráfico de
drogas. Lá inventou-se, como solução, gigantesca operação de guerra, a invasão
de conjuntos de favelas, com pífios resultados mas com hino e hasteamento de
bandeira, exageros de ordem política um
tanto ou quanto ridículos, e a instalação, pela polícia, de chamadas “bases
comunitárias” para o estabelecimento
do que está sendo chamado de “clima de
paz entre os moradores”. O crime, propriamente dito, seus chefes e toda a máquina criminosa simplesmente mudaram-se para território vizinho, onde continuam
a agir e a aterrorizar livremente toda a cidade.
Em Feira de Santana, cuja
ameaça de governo paralelo de criminosos passou das cogitações para se
apresentar como séria possibilidade que já se verifica em vários locais
considerados perigosos, os territórios de notórias quadrilhas, o governo do
Estado, às vésperas das eleições, resolveu imitar o Rio de Janeiro e fez com
que a polícia ocupasse o bairro Jorge Américo com cem homens armados, para inaugurar “salvadora” base comunitária,
espécie de satisfação que o poder público dá
ao eleitorado. Não sabemos se na inauguração haverá hino e bandeira, mas
povo tem a certeza de que a base comunitária não passa de outra grossa “mentira
carioca”. É a TRI-VIA da Segurança.
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