Hugo Navarro da Silva |
Ambrose Bierce, jornalista e aventureiro, que esteve no Rio
Grande do Sul em época conturbada e retratou,
para jornal norte-americano, o presidente daquele Estado, Júlio de Castilhos,
como inventor de ditadura seletiva,
baseada na fraude e na violência, escreveu que morte era palavra pouco usada na
língua inglesa, porque havia provérbio proibitivo.
Na morte, dizia velho adágio português, “ninguém finge, nem
é pobre”. Filha da noite e irmã do sono, na Europa, em tempos idos, era representada
por mulher de vestimenta semeada de estrelas negras, além de exibir asas
igualmente negras.
Provavelmente mais realista, a arte do antigo Egito mostrava
a morte na forma de moça de venda nos olhos e sem orelhas, para indicar que na sua ação predatória não distinguia
pessoas e não ouvia razões e apelos. Salvo pela ausência de orelhas, a
representação artística da morte, no Egito, mostra semelhanças com a da
moderna, da Justiça, que também exibe
os olhos vendados, mas tem condições de ouvir. E, ouvindo, não mata,
geralmente, mas atravanca, o que é uma forma nem sempre suave de matar.
Por força da religião, durante muito tempo incutiu-se, no povo,
a certeza de que a morte existia para castigo dos pecados. Essa crença não
prosperou e foi abandonada diante de fatos incontestáveis como o da morte de
Abel, o filho de Adão, segundo a Bíblia o primeiro homem a morrer sobre a
Terra, ao qual nenhum pecado é atribuído, assim como o do perecimento de
criancinhas, todas longe das torpezas da vida.
O nosso povo, sempre extraordinariamente criativo, diante do
fato inelutável da morte, principalmente no nordeste, inventou a morte bonita,
tranquila (morrer como passarinho), a morte feia, a morrida e a matada, entre
outras. Médico célebre, figura da História desta cidade, Fernando São Paulo
falou de “defunto cadáver” em “Linguagem Médica Popular do Brasil”.
Sempre objeto de belas frases de poetas e pensadores em
todos os tempos, a morte, entretanto, nunca deixou de ser grave preocupação,
latente ou manifesta, de todo vivente, natural atitude de quem se preocupa com
o futuro, seja a vida vista como prisão capaz de deformar o ser humano e
leva-lo à perdição de que somente se salva por sua união com Deus, ou,
simplesmente, como um despenhar-se no esquecimento do nada. A esperança de boa
vida após a morte, entretanto, fortalecida por crenças diversas, permanece
forte, porque o homem sempre procura vantagem. Essa esperança recebeu reforço, recentemente,
quando foi dito, no rádio em entrevista, que o sujeito morre mas continua a
fazer, no além, tudo o que fazia em vida. A crença é velha e, o reforço,
alentador. O assunto, abordado no programa de Tanúrio Brito, surgiu a respeito
de obras pictóricas, mediúnicas, que seriam exibidas, nesta cidade, todas com
assinatura de mestres de escolas famosas. No princípio os livros psicografados
despertaram a atenção e provocaram disputas sobre direitos autorais. O assunto,
entretanto, morreu. As pinturas, tarefa, ao que parece, mais fácil, além da concorrência com os vivos, sempre à procura
de fugidios compradores de arte, leva ao perigo da repetição do que aconteceu
no conto de Edgard Alan Poe, “O
Estranho Caso do Sr. Valdemar”, sujeito
que depois de morto continuou, por vários dias, a dar palpites, movido, entretanto,
pela hipnose, na época novidade que fez
furor até entre médicos, mas que também desapareceu, não sem passar, antes, por
mambembes palcos e picadeiros de circo de terceira classe e levar pessoas a
vidas passadas, em que todo mundo foi nobre e honesto. Ninguém fez parte de
mensalões e de outras roubalheiras antigas.
A política, ao que tudo indica, sobre certas pessoas age como
a hipnose do Sr. Valdemar.
Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi
aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para
o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia
semanalmente a matéria produzida
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