Um poeta escreveu que a vida é trapaceira. O povo, desde cedo, entendeu que a existência é feita de subidas e descidas, tranquilidade e tropeços em que comunidades e pessoas passam de cavalo a burro, mas às vezes mudam de burro a cavalo.
É atribuída a Cícero a afirmativa de que “podes ir a Roma de jumento, já que comeste o cavalo”, dirigida, certamente, a algum estróina, talvez inspirada na fábula em que valente e orgulhoso ginete de batalha, depois de muitas guerras foi levado a fazer trabalhos de burro de carga. Quando estourou nova guerra pediu ao dono que se alistasse na infantaria. Se queria guerra, que a fizesse a pé.
Um ditado resume a inconstância da vida humana: “Quando a roda está girando, ora uma parte fica em cima, ora outra”, referindo-se às variações a que estão sujeitas pessoas e comunidades, que passam instantes de felicidade inevitavelmente alternadas com outros, de provações, sofrimento e intranquilidade, demonstração da única certeza da vida, a de que nada é certo.
O mundo foi feito assim. Nascimento e morte, dia e noite, subidas e descidas, saúde e doença, alegria e tristeza, maré baixa e alta, paz e guerra, vitórias e derrotas, sorte e azar, euforia e tristeza, ganhos e perdas, riqueza e pobreza, crença e descrença.
Esta cidade, que tem experimentado incontáveis fases de alegrias, vexames e incômodos constrangimentos, nunca presenciou tamanha transformação como a que a assaltou, em menos de vinte e quatro horas, afetando toda a sua rotina de relativa tranquilidade e muito trabalho, provocando danos e prejuízos jamais imaginados.
No dia 31 de janeiro políticos ligados ao governo do Estado reuniram-se, em audiência pública, para resolver, imediatamente, o problema do prometido aeroporto de Feira. Foi espetáculo maravilhoso. Descobriu-se que aeroporto, agora, precisa de audiência pública e choveram promessas de modernização, ampliações, licitações, desapropriações, equipamentos, vôos diários e verbas em profusão para a gigantesca obra, além de garantias de outras maravilhas para quando o aeroporto alcançar a meta de oito mil embarques por mês. O povo, em êxtase, viu o memorável acontecimento como verdadeiro espetáculo pirotécnico, muito mais empolgante que o de Copacabana, no Ano Novo, embora certo de que tudo não passava de fantasia eleitoreira, festival de quimeras e mentiras. O evento, entretanto, foi executado com aspecto de seriedade. Até um senador, que segundo alguns não faz parte dos arquivados, já que o Senado se transformou, ultimamente, em arquivo de imprestáveis, deu conotação de coisa séria à retumbante “audiência”.
No dia imediato, entretanto, cerca do meio-dia, súbita e inesperadamente Feira entrou em estado de choque. Houve generalizadas correrias, boatos e notícias de arrastões, assaltos, tiroteios e mortes, em várias partes da cidade, provocando pânico e criando verdadeira situação de desespero, nas ruas, que ficaram desertas,suspensão do transporte coletivo e fechamento total do comércio, escolas e repartições públicas. O pânico se agravou quando autoridades pediram à população que evitasse sair de casa e noticiou-se que o Complexo Policial havia trancado seus portões. A intranquilidade e o desespero, atribuídos à greve da Polícia Militar, resultaram em irrecuperáveis prejuízos para muitos. O fato mostra a instabilidade da vida, mas, sobretudo, a verdade da assertiva de Ovídio, usada por Ruy Barbosa, na monumental “Réplica”, fruto da discussão do projeto de Código Civil de 1916, de que Ruy foi relator: “Tanto é fácil aos discípulos sobrepujar algumas vezes aos mestres que os precederam”.
No caso da greve da PM, os discípulos estão a demonstrar que tiveram bons mestres. Sempre se colhe o que se planta.
Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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