A FESTEJADA VOLTA AO PASSADO
O passado não torna. A afirmativa é velha, mas suscita dúvidas. Há quem deteste, por vários motivos, o passado. Getúlio Vargas, quando presidente, afirmou, em discurso, que olhar para o passado é cacoete perigoso “pois quem muito olha para trás acaba torcendo o pescoço.”
Passado, em Portugal, já foi sinônimo de defunto, quem passou deste mundo ao outro. Apesar da advertência do profeta Isaias de que não devemos lembrar coisas passadas, nem nos preocupar com acontecimentos antigos, segundo exegetas referindo-se à passagem do Mar Vermelho e a destruição do exército egípcio, que seriam superadas pelos sucessos do novo êxodo, ninguém pode negar o valor dos estudos históricos e das diversas ciências que lhes servem de suporte e rumo.
Sobre o novo êxodo não há unanimidade de entendimento. Para alguns é a vida espiritual e santa a que nos levará o fim do mundo, próximo, de que o dilúvio, enfrentado por Noé, foi apenas ensaio. Para outros são os novos rumos ditados, à humanidade, pelo cristianismo. Recentemente, para muitos, não passa de era, iniciante, da absoluta, perpétua e incontestável inocência e impunidade de chefes de governo e seus auxiliares imediato se a conseqüente e fatal incriminação de ocupantes de cargos inferiores, condenados publicamente quando surgem feias lesões ao erário, com o que tudo fica devidamente explicado e satisfeito o povo. A notável providência por certo vem da monarquia de outros tempos, em que o rei, de origem divina, jamais poderia incorrer em deslizes.
Feira de Santana, no que concerne à volta ao passado, é feliz. O povo desta cidade já penou, na luta da sobrevivência, no trem e no vapor da Cachoeira, em busca de seus interesses na capital do Estado. Tão importante era o vapor da Cachoeira, para os feirenses, que chegou a fazer parte do anedotário, da música popular e dos jornais, que publicavam, regularmente, os horários do fluvial e único meio de transporte que ligava o povo desta terra a Salvador, fazendo crescer o prestígio da pensão de D. Tuti, do Hotel Colombo e do jogo do bicho, grandes marcas da heroica cidade do Paraguassu.
Com assombro e satisfação gerais, no governo de Francisco de Góes Calmon, recebemos a primeira rodovia que nos ligou à capital. Era a antiga estrada de boiadas, melhorada, que deu lugar ao surgimento das marinetes, que faziam a ligação Feira-Salvador, quando tudo corria bem, em quatro horas de tombos e sustos, poeira vermelha no verão e lamaçal, se chovia, com parada obrigatória em São Sebastião do Passé, para refeições e outras naturais necessidades humanas, provando que o sertanejo é forte. Não há notícia da morte de viajantes após comer em São Sebastião e de ter utilizado as espantosas instalações sanitárias de seus restaurantes. Em um deles, no almoço, Euclides Mascarenhas, funcionário da Prefeitura de Feira, saboreou barata pensando que era folha de louro de feijoada. Veio, depois, o automotriz, carro ferroviário dotado de motor a diesel, que proporcionava, em cinco horas, viagem mais tranquila e mais limpa, quando não quebrava, deixando os passageiros a passar fome e sede à espera de socorro.
A reforma da rodovia, com asfalto (era no tempo do Fluminense de Feira), provocou enormes alegrias, que se multiplicaram com a famosa duplicação da chamada BR-324, demorada e confusa, mas sem denúncias, processos e, muito menos, prisões.
Todo o drama, entretanto, voltou. Quem tem compromisso em Salvador, agora, tem que viajar de véspera, como antigamente, levando comida, água e coragem, pedindo a Deus que lhe permita engarrafar perto de posto de gasolina para o desafogo das exigências corporais.
E ainda há quem diga que o passado não volta!
Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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