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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 10 de julho de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XXI

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - XX


EMFIM... O PADRE VOLTOU
 

[...] Cidade pequena tem dessas coisas. As pessoas se apegam facilmente às outras. Com o padre José não seria diferente. Toda a comunidade já estava sentindo sua falta [...]

D. EMENGARDA SAIU COM o coronel e Esmeraldina logo depois que o padre foi embora. Foram pra cidade tratar de anunciar para os amigos a volta do padre José. O coronel deixou D. Emengarda e a filha na casa do Dr. Silas e foi até ao canteiro de obras da nova caixa d'água.

D. Emengarda entrou na casa e foi logo visitando Dr. Silas que ainda estava muito doente.

D. Carmem sentou-se do outro lado da cama onde estava deitado Dr. Silas e perguntou a D. Emengarda:

-    Como estão todos?

-    Estamos indo como Deus quer. E Dr. Silas, como está reagindo?

-    Está sempre assim... Não conversa, come pouco, dorme o tempo inteiro... Mas tenho esperança que ele vai ficar bom, sempre foi um homem forte.

-    Com fé em Deus ele vai ficar bom. Por falar em fé em Deus, eu vim trazer uma boa notícia.

-    Fala logo!

Disse Esmeraldina.

-    O padre José está voltando pra nossa igreja!

D. Carmem se levantou de alegria.

-    Meu Deus! Isso é a melhor notícia que recebo nesses últimos dias. Ele escreveu? Telefonou? Onde ele está?

-    Calma... Na verdade ele sempre esteve aqui.

-    Esteve aqui, como?

-    Padre José não tinha dinheiro pra fugir, então resolveu se esconder perto do açude, numa casa abandonada e em ruínas. Ficou lá esse tempo todo. Está diferente com uma barba enorme e bem mais magro.

-    Então acho melhor ir buscá-lo e trazer logo pra cidade.

-    Tenha calma D. Carmem. Salustiano vai conversar com o capitão e verificar se o padre ainda corre o risco de ser preso. Só depois de termos garantias de que nada vai acontecer com ele é que podemos trazer de volta pra nossa paróquia.

-    Então vamos lá levar alguns mantimentos pra ele enquanto isso não acontece.

-    Não, D. Carmem, a senhora não entende... Não podemos levantar suspeitas de que sabemos de alguma coisa. Temos que permanecer caladas e sem demonstrar qualquer alegria. A senhora sabe, até alegria é proibida pelo regime.

-    A senhora está certa. Vamos trabalhar em silêncio pela volta do padre José. Assim que tiver alguma notícia, me fala, vamos fazer uma festa linda pra comemorar a volta do padre e as suas celebrações... Estou morrendo de saudades das nossas missas.

O coronel Salustiano só conseguiu falar com o capitão Duarte na quarta-feira. Eram mais ou menos umas 05 horas da tarde quando o capitão entrou no gabinete do prefeito. Entrou sem se anunciar e sem bater à porta. Simplesmente entrou.

O prefeito estava lendo um documento que teria que assinar, autorizando a compra de mais material para a construção da caixa d'água.

O capitão entrou sisudo como sempre, e se sentou de imediato.

-    Soube que o prefeito andou me procurando... É alguma coisa urgente?

O coronel ainda assustado com aquela entrada repentina procurou ganhar tempo. Foi até ao armário pegou uma licoreira e um copinho, serviu um licor ao capitão e falou:

-    Esse é especial. É um licor de jenipapo que ganhei de um correligionário no São João passado. Experimente.

O capitão virou de vez o licor. Nem saboreou.

-     Vamos logo ao assunto, coronel. O que o senhor quer comigo de tão urgente?

O coronel, se sentindo do tamanho de uma formiga, prestes a ser pisado pela bota do tirano, esfregou as mãos e disse:

-     Eu gostaria de saber se a nossa comunidade vai ficar sem as missas dominicais... Estão me cobrando a volta do padre José.

O capitão se levantou, andou de um lado para o outro, mãos atrás das costas e respondeu:

-     Sabe coronel, acho que o senhor tem razão, vamos dar a eles um momento de fé. Vamos acalmar essa agitação subversiva, dando a eles não só pão e circo... Vamos dar fé... Muita fé. É isso. Vamos trazer um padre pra cidade. Mas antes esse padre terá que passar por mim.

Coronel Salú suava muito e mesmo assim perguntou:

-     Posso chamar de volta padre José?

-     Mas claro que sim. Acho que isso já está acertado entre vocês. No domingo pela manhã, ele esteve na sua fazenda. Não foi isso coronel?

Nessa hora, o coronel sentiu o peso da bota esmagando seu corpo.

-     Foi, sim, capitão. Ele esteve comigo e eu disse que iria conversar com o senhor antes de tomar qualquer decisão sobre a sua volta.

-     Coronel Salustiano. Entenda que eu sabia desde quando cheguei aqui que o padre estava escondido, esse tempo todo, numa casa abandonada perto do açude, e saiba também que o senhor foi visto por lá sábado passado.

-     Mas eu não sabia que o padre estava naquela casa. Só soube que o padre estava na cidade, quando ele esteve em minha casa no domingo.

-     Pois bem, coronel. Diga a esse padrezinho comunista de merda, que me procure o mais rápido possível. Quero ter uma conversa com esse bosta antes dele assumir a sua paróquia. Até mais.

Saiu da sala apressado e quando o prefeito enxugava o suor, o capitão voltou.

-     Ah! Esqueci de um detalhe, coronel. Fala para a sua senhora, que pode tratar de fazer a tal festa que ela tanto quer.

E saiu.

O coronel não entendia como as coisas funcionavam, só percebia que cada passo seu e da sua família era descrito para o capitão. Não havia a menor privacidade. Alguém era o informante. Mas quem?

Coronel Salustiano saiu apressado. A tarde estava caindo e ele foi direto até a casa do padre José. Parou o Jeep perto da cerca. Um facho de luz de fifó aparecia por entre as várias fretas da porta e da janela.

Padre José abriu logo a porta.

-     Escutei seu carro chegando, coronel. E então? Conseguiu falar com o capitão?

-     Consegui, sim. Acabei de falar com ele agorinha mesmo.

-     E aí? Quais são a novidades?

-     Vamos falar baixo. Aqui na cidade tem alguma coisa que escuta tudo o que eu falo.

-     Como assim?

-     O capitão sabe tudo o que eu faço e aonde vou. Sabe tudo.

-     Então quer dizer que ele...

-     Sabia de tudo. Sabe que o senhor está escondido aqui desde o dia que fingiu fugir. Sabe que eu estive aqui no sábado. Sabe que o senhor esteve na minha casa no domingo. Sabe que Emengarda está feliz... Sabe. Sabe.

-     Então estão seguindo o senhor.

-     Padre José... Esses infelizes estão por toda parte.

-     E então. Vão me prender?

-     Se tivesse que prender o senhor já teria feito isso há muito tempo. O capitão permitiu a sua volta, mas não sem antes ter uma conversinha de pé de orelha... O senhor sabe...

-     Entendo. E quando será essa conversinha?

-     Vou marcar para amanhã, quinta-feira. Assim, dá tempo de fazer uma festa bem bonita no domingo.

-     Eu não ofereço nada pro senhor, porque não tenho nada. Só tenho um chá de hortelã. Se o senhor aceita posso servir...

-     Não padre. Deixa pra me oferecer alguma coisa quando o senhor estiver na sua casa paroquial.

-     O coronel se levantou, colocou o chapéu e saiu, mas não sem antes olhar para os lados e verificar se estava sendo seguido. Como estava escuro demais, não deu pra ver absolutamente nada.

-     Na quinta-feira pela manhã, o coronel falou com o capitão e no mesmo dia, o padre teve a sua entrevista com o capitão. O que conversaram ficou sendo um segredo.

-     E assim, a volta do padre foi confirmada para a missa do domingo.


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