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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 26 de março de 2017

PERFIL DE GASTÃO CLÓVIS DE SOUZA GUIMARÃES SOBRINHO

Gastão Clóvis de
Souza Guimarães
Sobrinho
O farmacêutico Bernardo Carleani de Oliveira Guimarães e D Arminda Cândida de Souza Guimarães, residentes na cidade de Belmonte, no sul deste Estado, tiveram seis filhos. O segundo, nascido a 11 de abril de 1891, foi Gastão Clóvis de Souza Guimarães.
Em 1893, a família mudou-se para Salvador, onde Gastão foi batizado e teve como padrinho o Professor João Florêncio Gomes, diretor do Colégio São José, onde mais tarde ele completou o curso primário. Fora aluno interno e gratuito. Foi seu colega e amigo o jovem Mário Pessoa Baiense da Silva, que mais tarde ordenou-se Sacerdote e veio servir em Feira de Santana, exatamente ao lado do seu amigo de infância Gastão Guimarães.
Em 1899, com oito anos de idade, o garoto Gastão Guimarães aproveitava o período de férias para ganhar algum dinheiro, dobrando jornais e arrumando-os em sacolas de lona dos “Correios” para serem levados ao interior pelo antigo sistema de transportes.
Impossibilitado de comprar brinquedos pela pobreza dos seus pais, supria a falta colecionando besouros dourados nos pés de “Maria Preta” e acompanhando, por horas a fio, o trabalho das aranhas tecendo suas redes. Era sua inclinação para o mundo da biologia e que mais tarde o inspirou em muitas de suas poesias.
Antes de completar os quinze anos, fez o vestibular para a Faculdade de Medicina da Bahia, comparecendo ao concurso de calças curtas, porque os seus pais não lhe puderam comprar uma calça comprida. O que lhe faltou pela pobreza, sobrou pela inteligência: foi aprovado entre os primeiros colocados. Como de costume, não foram pequenas as dificuldades financeiras para chegar à Colação de Grau, o que aconteceu, em 27 de dezembro de 1912, na Faculdade Federal de Medicina da Bahia, onde o jovem Gastão defendeu a tese “Esterilidade Provocada”.
Durante o tempo de estudante foi um grande desportista: praticava a natação, remo e futebol, sendo nas três modalidade titular no Esporte Clube Vitória, quando ainda não existia o profissionalismo. Foram muitos os troféus ganhos em diversas competições, muitos dos quais guardou e exibia com orgulho, do eterno torcedor do Vitória que foi.
Doze anos depois,
residindo em Feira de Santana, fundou e organizou o time “Cruz Vermelha” e com ele competiu no campeonato intermunicipal de Futebol. Naquele torneio ganhou uma medalha de bronze, que doou à Sociedade Filarmônica Vitória, e uma Taça que sempre guardou carinhosamente.
Concluído os seus estudos de medicina, no final de 1912, em 06 de fevereiro de 1913, veio descansar na então Vila de Tanquinho, a convite do Sr. Roque de Oliveira, velho amigo do seu pai. Foi aí que conheceu a jovem Palmira de Oliveira Freitas, filha do casal Emiliano Moreira de Freitas e Emília Lima de Oliveira Freitas, também residentes em Tanquinho. Em 27 de abril, do mesmo ano, ficou noivo, casando-se com ela, 08 anos depois.
Em 1916, ainda noivo, fixou residência em Feira de Santana, adotando a cidade como seu berço pelo coração, visto que jamais trocou de domicílio.
No dia 03 de dezembro de 1921, casa-se com D. Palmira, de cujo enlace, nasceram quatro filhos: Arminda Emília, Clementina Otília, Olga Noemia e Wenceslau Unapetinga, que ficaram conhecidos pelos carinhosos apelidos de Minda, ltan, Niá e Una, os quais tiveram esmerada educação e exemplar comportamento na sociedade feirense, tendo ainda viva, a nossa colega, das escolas de Profª Margarida Brito, e Normal Rural de Feira de Santana, a queridíssima Niá, que é hoje a mais completa enciclopédia humana da história de Feira de Santana.
Seus netos, todos filhos de Arminda e seu marido Dr. Humberto de Alencar, são o Dr. Hélder Loiola Guimarães de Alencar, Hélvia Maria de Alencar Magalhães, Gastão Clóvis de Souza Guimarães Neto e Mariluna Cristina da Silva Guimarães, alguns dos quais deram ao nobre patriarca muitos bisnetos e alguns trinetos e tetranetos.
Em 1920, ainda solteiro, deixou visível a sua excelente formação profissional, atendendo, com denodada dedicação, a todos os variolosos durante a grande epidemia de varíola que assolou a região e, principalmente, este município.
Foi o principal médico da Santa Casa de Misericórdia, aonde atendia pobres e desvalidos, vindos de qualquer lugar, sem esperar quaisquer recompensas.
A década de 30 iniciou com mais dois ou três médicos, e lhe permitiu algum tempo para dedicar-se ao eu segundo sacerdócio: o ensino. Assim, em 1932, foi nomeado professor de português da Escola Normal Rural de Feira de Santana. Pouco tempo depois, já liderava, pelo respeito e admiração, todos os seus colegas de magistério. Ali foi fundador do Grêmio Castro Alves, da Associação Rádio Escolar, em 1934 foi médico e professor do Ginásio Santanópolis[1], da Associação Lítero Musical, da Caixa Escolar Dr. Liderico Cruz, da Biblioteca para alunos e professores, da Cooperativa Escolar, do Clube Agrícola, do Clube Recreativo, e das Bandas Marcial, masculina e feminina. Instituiu ainda o culto diário à Bandeira Nacional, e as belas aulas ao ar livre. (Este culto ao Pavilhão Nacional o levou a escrever vários poemas sobre a Bandeira Brasileira). O amor e o carinho que dedicava aos seus discípulos, impeliam-no a criar movimentos que lhos trouxessem benefícios educativos. As suas aulas de Literatura eram emocionantes, e sempre acabavam com os aplausos ao Mestre. Nenhum aluno, por mais rebelde que fosse, faltava à sua aula. (durante as aulas, tinha por costume declamar poesias e falar sobre lendas literária.., era simplesmente maravilhoso).
Nos anos de 1934 e 35 houve, na região, uma epidemia da peste bubônica e pneumônica e não havia vacinas. Mesmo assim, cumpria o seu juramento de médico, e jamais se negou a atender um doente e muitas vezes levou, quase à força, amigos que tinham contato com doentes para receberem vacinas em Salvador, como fez com o seu amigo de infância, e colega de magistério, Padre Mário Pessoa.
A esta altura, já não era só o caridoso e competente médico, ou o magnífico professor da Escola Normal; era, também um ídolo do povo de Feira e Região. Tanto que, na semana de 20 a 27 de dezembro de 1937, o povo comemorou, com 7 dias de festa, o jubileu de prata da sua formatura em medicina: Manifestações calorosas, de crianças na praça da Matriz, manifestação das sociedades religiosas na Igreja Matriz, manifestação dos alunos na Escola Normal, manifestação dos amigos e clientes na Praça da Matriz, Missa em Ação de Graças na mesma Igreja, culminando com um churrasco, oferecido pelo povo e para todo o povo da Cidade e região. Esse churrasco aconteceu no último dia das comemorações, dia 27, quando todos os fazendeiros queriam contribuir com um boi. Daí a quantidade de carne que foi oferecida ao público. O churrasco aconteceu na chácara da sua amiga D. Guilhermina Motta (D. Lolô). (a casa de residêcia da chácara ainda existe e fica quase no final da Brasília, onde reside o seu neto, Renato Motta, pai da nossa amiga e confreira Lígia Mota).
O encerramento das comemorações se deu na sede da filarmônica Vitória, com uma festa dançante, que varou a noite. Nunca houve outra prova de carinho do povo a outra personalidade. Aquela foi a maior homenagem, registrada, a um homem em Feira de Santana, desde a criação da Vila até os dias atuais. Foi uma festa espontânea de um povo ao seu benfeitor.
É oportuno lembrar, que anos atrás, ele fora eleito, Orador Perpétuo da Sociedade Filarmônica Vitória.
Em 1938, com a morte do Prof. Miguel Ribeiro, Dr. Gastão Guimarães foi nomeado Diretor da Escola Normal Rural de Feira de Santana. Ali onde sempre fora líder, era agora o comandante. Não deixou a cátedra de Literatura. Ali lecionou, enquanto viveu.
E muito pequeno o espaço de uma crônica, para se analisar todos os ângulos de uma vida que foi trilhada nos exclusivos caminhos da virtude. São unânimes as opiniões, tanto dos que privaram da sua intimidade, quanto dos que conheceram-no de perto: a sua vida foi imaculada. Eram tantas as suas boas qualidades, que podemos afirmar que jamais praticou uma má ação. Nunca transigiu, com os seus nobres princípios. Conseguia ser respeitado e admirado, com a mesma intensidade, por alunos, por amigos e pelo povo de um modo geral.
Não gostava da evidência, e detestava a mentira. Embora fosse um homem de caráter forte, tinha a tranquilidade de um filósofo. Jamais ficou indiferente ao sofrimento alheio, especialmente dos oprimidos, dos desamparados, e dos desesperados. Sentia no coração a dor dos seus pacientes. Suas mãos eram sempre abertas e generosas a todos os necessitados. Por outro lado, tinha na gratidão a sua principal qualidade. Nunca dizia o que dava ou fazia pelos outros. Viveu a maior parte de sua vida, curando enfermos, ensinando e estudando. Muitas vezes, além de examinar um doente necessitado, ainda lhe dava, às escondidas, o dinheiro para os medicamentos. Foi incomparável na sua modéstia.
Na sua biblioteca destacavam-se os livros de Literatura, Medicina e Espanhol. Adorava a poesia, e gostava, entre outros, de Gregório de Mattos, e Castro Alves. Deixou um livro com mais de 70 poemas em prosa e verso, escrito de próprio punho, que em breve será publicado. No Ginásio Santanópolis, onde serviu com o costumeiro carinho, foi professor de Espanhol.
Como jornalista, dirigiu, junto com Martiniano Carneiro, a Folha da Feira. Como médico, foi Presidente da Associação Baiana de Medicina, seção de Feira de Santana.
O grande amor ao seu lar, aos amigos, aos doentes, aos discípulos, aos pobres, aos aflitos, foi sempre a razão de ser de sua vida. E o amor aos livros foi a força propulsora da sua genialidade.
Gastão Guimarães foi um homem de atitudes definidas, que podem ser discutidas, mas devem ser respeitadas. Jamais aceitou ingressar na política partidária. Convidado, em várias oportunidades, para ocupar o cargo de Intendente ou de Prefeito, nunca aceitou sob a alegação do seu dever para com seus discípulos e seus doentes.
Sua vida foi composta de páginas grandiosas. Foi esposo exemplar e pai extremoso: filho boníssimo e amigo leal, verdadeiro exemplo de dignidade e cidadania. Curvava-se aos humildes, mas não se dobrava, aos arrogantes e pretensiosos.
Altivo e generoso, sempre foi, desde a sua mocidade, desprendido dos bens materiais, e a sua generosidade tornou-se proverbial no coração do povo de Feira de Santana.  
Católico, tinha uma alma cristã cheia de sabedoria e conhecimento da fé que enleva e dignifica o ser humano. Todas as primeiras sextas-feiras do mês fazia uma palestra na Capela de São Vicente de Paula, a qual se localizava na rua Cons. Franco. Ninguém escapava da argúcia da sua inteligência, de verdadeiro gênio.
A sua residência não era apenas um ponto acadêmico, para onde convergiam discípulos, mestres, poetas e estudiosos diversos: ali também se acolhiam mestras que vinham exercer aqui o magistério, e sempre se tornavam hóspedes, a exemplo da Professora Carmita Góes que de hóspede passou a integrar a família, até o fim da vida, tratada por todos os filhos do casal por “minha Dinda”. E oportuno lembrar que o Dr. Gastão deixou quase 300 afilhados e cerca de 700 compadres em Feira de Santana e Distritos vizinhos.
Gastão Guimarães era médico, mestre, Jornalista, poeta, desmedidamente humanitário. Durante toda a sua vida médica trabalhou gratuitamente na Santa Casa de Misericórdia. O seu amor pelos humildes e sofredores ele externa em quase todos os seus poemas, e também na sua maravilhosa poesia intitulada Subúrbios Que sofrem, como diz na última estrofe:
Em noite fria, do frio leito,
Da pobre moça de riso langue
A tosse colhe, dentro do peito.
Rosas vermelhas, rosas de sangue
Flores da febre que consome,
Flores de frio, flores de fome...
Como poeta, cantou o seu amor pela pátria com a poesia “Origem Divina da Bandeira Brasileira”, a qual foi musicada, em, 3 vozes, por a também poeta e musicista, Georgina de Melo Erismann. Escreveu ainda Cidade Adormecida, Norte de J. Jocê e Olhos Praianos, estas duas últimas musicadas pelo Professor Estevão Moura. Beletrista tradicional, todas as suas poesias foram, rigorosamente, metrificadas, tendo no soneto alexandrino “Eu”, a perfeição poética de um gênio modesto, idealista e humilde que assim se descreve:
Penso, às vezes, em mim, na pequenez suprema
Em que vivo no mundo, isolado, esquecido
E sinto na minhalma o sonho renascido
De passar, sem temor, de uma extrema a outra
extrema.
Ante mim se ergue, o lúcido dilema:
- Ser orgulhoso e grande, hostil e desabrido
Ou ser pequeno e bom, leal, despercebido Mas, torte, vertical, sonhador sem algema.
Não pude ser na vida o que a seiva é na planta.
A seiva que subiu das humildades do humo
A trama original dos frutos sumarentos.
Sou apenas, no mundo, o pó que se levanta
Turbulente ou sutil, impalpável, sem rumo
Irisado, porém, ao sol do sofrimento.
Vemos nesta maravilhosa poesia, a sua personificada modéstia e o seu notável idealismo, além da incomparável dignidade de um homem, transfigurada no requinte do seu estilo e apoteose do seu pensamento.
Para resumirmos a vida do Dr. Gastão Guimarães, devemos sintetizá-la nas três qualidades básicas que presidiram a sua vida: Bondade, Caráter e Talento.
O dia 24 de agosto de 1954 surpreendeu a Bahia com o falecimento do Dr. Gastão Clóvis de Souza Guimarães, exatamente há cinquenta anos passados. O seu sepultamento, proporcional ao número de habitantes, teve o maior acompanhamento, jamais visto na história de Feira de Santana. Todas as classes se fizeram presentes: A Escola Normal, o Ginásio Santanópolis e o Asilo N S de Lourdes acompanharam o cortejo fúnebre em fila dupla, enquanto as autoridades seguiam junto ao caixáo, seguidas por enorme multidão, onde uma grande maioria de gente humilde acompanhava chorando o corpo inerte daquele que foi o seu grande benfeitor. Na verdade, Dr. Gastão Guimaráes deixou, 2 viúvas: D. Palmira e a Cidade de Feira de Santana, deixando na orfandade o povo pobre e necessitado da Região.


Fonte: Ferreira, Antônio Moreira - Diretor da Biblioteca IHGS - Escritor. Revista Inst. Hist. Geogr. de Feira de Santana a. l, n. 1 , p.135-140 2004




[1] Nota do Blog.

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