O LEITO DE PROCUSTO

Procusto era ladrão. Ninguém se preocupe! Ladrão da lenda! Não andou em guerras, nem se notabilizou por amores perigosos.  Simples assaltante de estradas, não participou de governo. Capturado por Teseu, o Herói do Labirinto, Procusto foi morto em famosa cama na qual dava fim às suas vítimas, que tinham que ficar do  comprimento do leito. O que sobrava, cabeça ou pés, era decepado. Se o infeliz não alcançavam tamanho, tinha o corpo esticado, por mecanismo, até alcançar a medida desejada. Um grande sujeito.

Há quem diga que Procusto mantinha, na verdade, duas camas, de comprimento diferente, afim de que ninguém delas pudesse escapar vivo.

Seu legado ao mundo, a cama dos suplícios, pelo menos na parte de esticar, arrebentando ossos, músculos e articulações, foi usada, em tempos não heróicos, com objetivo legítimo e perfeitamente defensável,  porque piedoso, o de salvar almas carcomidas e esfoladas pelas heresias dos eternos tormentos dos Infernos, que ultimamente vêm perdendo prestígio, força e influência. Não há estatísticas. Mas não foram poucos os retirados das garras de Satanás pelo santo leito esticador.

A piedosa dádiva do bandido Procusto à humanidade não se limitou, apenas, à tarefa de salvar almas caídas em pecado. Tem sido motivo de inspiração literária.

Emílio de Menezes, que andou a satirizar grandes e pequenos, a respeito de mulher gorda, que ao sentar-se esmagou banco, afirmou que pela primeira vez tinha visto banco quebrar por excesso de fundos e ficou famoso ao dizer a cantora lírica, que esbravejava, em bonde, á procura de assento: “atriz atroz, atrás há três”, é autor de famoso soneto intitulado “Noite de Insônia”  no qual, falando de amores, lamenta que “Este leito que é meu, é teu, que é nosso leito”, “Mudou-se, para mim, em leito de Procusto!...”

No decorrer do tempo “leito de Procusto” passou a ter, portanto, sentido diverso do primitivo. É expressão usada como significado de dificuldade, encrenca, aperto, embaraço, agrura, “camisa de onze varas”, que no dizer de João Ribeiro era a vestimenta usada pelos condenados à forca, túnica branca que lhes cobria o corpo até os pés, tal como aparece na estátua de Tiradentes, no Rio de Janeiro, e que Lucas da Feira vestiu, nesta vila, ao ser  encaminhado desta para melhor.  A crendice popular meteu em “leito de Procusto” o Pa. Cícero Romão de Souza depois da chegada, ao Sítio Dantas, do “Boi Mansinho”. O bicho, presente de Delmiro Gouveia, foi havido por milagreiro. Até sua urina e fezes, ingeridas ou passadas no corpo, curavam todas as doenças. Passou a ser objeto de homenagens e festas religiosas. Teve que ser sacrificado supostamente por ordem de Floro Bartolomeu, braço direito do Padre, em público, na porta da cadeia de Juazeiro. Em “leitos de Procusto” andaram metidos Joaquim Sílvério dos Reis e Calabar, ilustres traidores nacionais, e Benedict Arnold,  que teria traído os revolucionários norte-americanos.

A política partidária encerra, provavelmente, o mais rico filão de exemplos de frequentadores do “leito de Procusto”. A Bahia enche-se de “procustianos”. Políticos originalmente ligados ao poder, adesistas de primeira e última hora, engajados, asseclas, prosélitos e adeptos, que afirmam participar  das decisões governamentais e agora recorrem à Justiça (que anda mal das pernas) contra as mais importantes das inovações do governo neste Estado, a “Via Bahia” e seus apreciados pedágios, não há dúvidas,  estão em “leito de Procusto”. Correm o risco de amputações.

Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte". Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida