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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sexta-feira, 23 de setembro de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - XXVI - último capítulo

POLÍTICA DE ANTÃO - XXV
 

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

ÚLTIMO CAPÍTULO

[...] No começo da nossa história teve um persona­gem chamado padre Osório. Foi pároco até o ano de 1958, quando faleceu de tuberculose. A ele, de­dico este último capítulo [...]

PADRE OSÓRIO. UM HOMEM simples e humilde que coman­dou a paróquia de Nossa Senhora das Dores com muita alegria. Era natural de Caruaru, embora tivesse passado boa parte da sua vida na Arquidiocese de Salvador, na Bahia, onde se ordenou. Ti­nha a mania de beber leite de cabra todos os dias, e por causa dessa mania, havia sempre na sua porta, alguém com um balde de leite para lhe ofertar.

Poeta romântico escrevia poesias todos os dias, mas nunca deixava alguém ler. Diziam até que ele devia estar escondendo um amor ou uma paixão mal resolvida nos seus tempos de jovem. Era de estatura mediana, tinha os olhos esverdeados e os cabelos bem pretos. Carregava no olhar um mistério que nunca ninguém desvendou.

Amante de um bom licor, não se furtava em oferecer a quem chegava à sua casa ou de aceitar um trago a quem lhe oferecesse.

Nunca se embriagou.

Guloso, como a maioria dos sacerdotes, era um glutão à mesa. Adorava ser convidado para qualquer almoço, pois era a garantia de um bom jantar também.

Nunca se soube de um domingo que o padre tenha feito suas refeições em casa, exceto quando adoeceu.

Com o passar dos anos, padre Osório foi se transformando num património da cidade.

Quase tudo que arrecadava no ofertório da igreja, ele gastava com os pobres da região, ou comprava presentes sempre que tinha a oportunidade de ir à Recife. Amante de bons perfumes, não economizava para comprar grandes marcas da época. Geralmente eram perfumes importa­dos. Quem sabia desses hábitos desconfiava muito qual seria a uti­lidade deles.

Tinha a mania de conversar com as pessoas sempre colocando uma das mãos no ombro do interlocutor. E quando esse interlocu­tor era uma mulher ele afagava os ombros dela e isso incomodava muito alguns homens casados quando viam suas mulheres sendo afagadas pelo padre.

Suas missas eram sempre bem frequentadas. Tinha a mania de fazer longas homilias. Era um orador sem par. Nunca ninguém saiu de uma missa dele criticando sua pregação.

Dos votos que todo sacerdote faz quando se ordena, o único que ele não cumpriu foi o da castidade. Os votos de obediência e pobreza ele cumpriu à risca, tanto que morreu pobre. Nunca con­seguiu juntar um centavo sequer.

Mas vamos falar da castidade.

Comentava-se que Padre Osório era um comedor de primeira linhagem. Sempre muito discreto, ele não pulava cerca, ele passava por baixo pra que ninguém percebesse.

Contam que no batizado de Deoclécio, filho mais velho do co­ronel Salú, padre Osório estava sentado na varanda após ministrar o sacramento, quando uma senhora, amiga de D. Emengarda se aproximou dele e se insinuando:

-    O que um homem bonito e fogoso como o senhor faz escon­dido por trás dessa batina?

O que o padre respondeu sem pestanejar:

-     Escondo o que muitas mulheres gostariam de descobrir...

E saiu sorrindo, deixando aquela mulher extremamente curiosa.

Um belo dia, o padre estava ministrando a confissão auricular e eis que essa senhora ajoelhou-se, fez o sinal da cruz e disse:

-     Padre, dá-me a sua santa bênção porque pequei.

-     Quais foram os seus pecados, minha filha.

-    Padre, eu estou curiosa pra saber o que o senhor esconde dentro dessa batina.

          O padre reconheceu a voz e num ato instintivo levou aquela senhora para trás do altar, mas não sem antes dispensar as que estavam na fila e fechar a porta da igreja.

          Isso virou rotina no templo, mas tudo era feito de forma discreta.

          A mulher de seu Potó era uma beata convicta. Gostava tanto de se confessar que fazia isso todos os dias e todos os dias ia pagar a penitencia atrás do altar. Conta-se na cidade que o filho que ela teve era do padre e não do Seu Potó, dono da padaria. Na verdade, o rapaz era a cara do padre Osório.

          A fama do padre comedor se espalhou. Mulher não gosta muito de guardar segredo e logo quase todas as mulheres da cidade sabiam da fama de que o padre era bom de trepada. Era uma rapidinha, mas tinha o efeito de uma noitada.

        Mas, infelizmente o padre adoeceu. Contraiu uma tuberculose que só veio ser descoberta, quando o padre já estava mal.

             Foi um pânico entre as mulheres da cidade e ninguém entendia o porquê de cada mulher estar procurando tratamento para a doença do padre.

        Até as não católicas estavam procurando se tratar, pois o padre havia penetrado em outras religiões.

        No dia 17 de julho de 1958, às onze horas da manhã, padre Osório faleceu. Estava magro, pálido e escarrava muito sangue.

        Seu sepultamento se deu no dia seguinte. Por infelicidade, não houve missa de corpo presente, pois não havia na cidade um celebrante.

        O corpo foi velado dentro da igreja Matriz, e para que seu sepultamento ocorresse dentro da normalidade, alguns comerciantes tiveram que pedir ajuda para os moradores e comprar um caixão para o padre. Ele não deixou absolutamente nada de bens materiais. Deixou uma lição de vida, a esperança de dias melhores, algumas mulheres com saudades, alguns homens desconfiados e uma certeza muita grande de que vários cornos nasceram naquela cidade.

        Fica a nossa homenagem a quem iniciou tudo, e quando vocês forem visitar a cidade de Nossa Senhora das Dores, não deixem de ir ver o túmulo do padre Osório.

        Até hoje, muita mulher fogosa vai em busca de um consolo e muito corno vai pra sentir raiva.

FIM

Esta série "POLÍTICA DE ANTÃO", é parte do livro ERA UMA VEZ NO NORDESTE.


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