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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quarta-feira, 11 de maio de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - X

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - IX

OS PREPARATIVOS

[...] é duro ter que contar isso, mas houve até preparativo para o golpe, da chegada dos homens do exército até a tomada da prefeitura [...]

A SEGUNDA-FEIRA AINDA NÃO havia amanhecido e o coronel Salustiano já tinha saído de casa. Pegou uma estrada vicinal e cortando caminho pelo mato, para não ser visto na cidade, saiu perto de Parnamirim e ficou aguardando o comboio passar em direção à Nossa Senhora das Dores.

Por volta das quatro horas da manhã, já se avistava ao longe um clarão. Eram as viaturas se aproximando. O coração do coronel batia acelerado. Sua expectativa era enorme. Com cerca de 15 minutos já se avistavam os faróis dos veículos na estrada. O coronel sinalizou conforme o manual de instruções, e o carro, que puxava o comboio, parou. Era o mesmo Jeep em que o capitão Duarte havia chegado na sua fazenda. O capitão desceu e cumprimentou o coronel.

-    Bom-dia coronel Salustiano, estamos prontos para a missão.

-    Bom-dia capitão, eu vou seguindo adiante pra mostrar onde acamparemos.

O coronel entrou no seu Jeep e seguiu em direção à Nossa Senhora das Dores. Ao se aproximar da clareira que havia escolhido, o coronel apagou as luzes do seu veículo, para não ser notado, muito embora a barra do dia já aparecesse no horizonte. Todos os carros do comboio fizeram a mesma coisa e estacionaram em círculo ocupando boa parte do terreno.

O capitão deu as ordens necessárias para armarem as barracas e se distanciou junto com o coronel, para traçarem a estratégia da tomada da prefeitura e a prisão dos subversivos.

Tudo combinado, o coronel se despediu e saiu em direção a sua casa. Havia chegado o grande dia. Ao chegar em casa, o dia já havia nascido e Victória Régia preparava o café da manhã. O coronel se aproximou, olhou pra ela e disse:

- Vá pro seu quarto e me espera, quero fazer umas ousadias com você antes de tomar café.

Victória Régia, que conhecia os hábitos do coronel, pois não seria a primeira vez, sorriu, afastou as panelas que estavam sobre a trempe do fogo e foi correndo pro seu quarto. O coronel se certificou que todos ainda dormiam e foi sorrateiramente comer Victória Régia.

[...] Você se lembra quando eu falei que tinha a história do dia que D. Emengarda pegou o coronel Salú saindo do quarto de Victória Régia apenas de cueca? Pois esta foi a história [...]

D. Emengarda acordou e notou que o coronel já havia levantado, como de costume, mais cedo. Ela sabia que aquela segunda- feira seria decisiva na vida do coronel e que ele estava ansioso há dias e por isso não dormia direito nem tampouco a procurava na cama para uma safadeza por menor que fosse, mas como a ansiedade era grande, ela atribuíra aos acontecimentos. Levantou, vestiu um robe por cima da camisola e foi providenciar as coisas do dia-a-dia. Foi até a cozinha falar com Victória Régia e notou algo de diferente. As panelas estavam afastadas da trempe e o fogo aceso. Era sinal que ela já havia levantado. Mas onde estava Victória? D. Emengarda saiu até a porta e gritou o seu nome.

O coronel deu um pulo, saiu de cima de Victória e num ato instintivo correu apressado do quarto, apenas de cuecas. D. Emengarda gritou:

- Epa... Pode parar aí, coronel Salustiano. O que o senhor está fazendo de cueca dentro do quarto de Victória? Trate de se explicar direitinho, porque hoje eu mato um nesta casa.

O coronel tinha que ser rápido na resposta, afinal ele conhecia bem a mulher que tinha e sabia que estava numa enrascada.

-    Calma... Eu pedi pra Victória pregar um botão que segura meu suspensório... Ou você esqueceu que a partir de hoje, eu sou o prefeito da cidade? E veja lá o que você fica pensando... Eu sou um homem de respeito...

D. Emengarda saiu num rompante e como uma víbora entrou no quarto de Victória, já disposta e agarrá-la pelos cabelos e dá uma boa surra com o facão que empunhava.

Victória Régia estava sentada na cama. Segurava as calças do coronel com uma mão e com a outra uma agulha sem linha, pois com o nervosismo da situação, não tinha dado tempo de enfiar a linha na agulha.

D. Emengarda arrebatou as calças do coronel num ímpeto raivoso e disse:

-    Vá já pra cozinha fazer o café.

E olhando raivosamente para o coronel disse:

-    Vista a calça, dessa vez eu vou fazer de conta que acreditei na sua calça sem botão. Na próxima, eu arranco seus ovos e dou pros porcos comer.

Saiu sem mais dizer uma palavra. Recolheu-se ao seu quarto e não saiu de lá até que o coronel foi para a cidade.

Enquanto tudo isso acontecia na fazenda do coronel, os homens do exército montaram o acampamento e estavam a postos para a missão do dia.

A camuflagem estava pronta no acampamento de tal forma que poucas pessoas podiam perceber o que estava acontecendo.

Na cidade, estava tudo normal. Os estudantes indo para as escolas, o comércio aos poucos estava abrindo. Tudo transcorria dentro da normalidade.

O coronel de posse da sua documentação se encontrou com o capitão e checaram os passos a serem tomados.

Resolveram entrar na cidade num ar de intimidação, mas não sem antes tomarem as providências de cercar todas as saídas. Vários homens foram deslocados para pontos estratégicos de forma que fugir ficou praticamente impossível. O máximo que poderiam fazer era se esconder.

O capitão deu as ordens e saíram em direção à cidade.

O coronel Salú seguiu atrás do carro do capitão e o resto do comboio acompanhou. Foi uma entrada sorrateira e acompanhada por alguns curiosos.

O Jeep do capitão parou à porta da prefeitura, seguido do Jeep do coronel Salustiano. Entraram apressados direto para o gabinete do prefeito e dois soldados montaram guarda na porta da prefeitura. Estavam armados com metralhadora. O outro Jeep com um tenente comandando parou à porta de delegacia, onde também desceram apressados e dois soldados montaram guarda. E assim foram ocupando os espaços públicos.

Na praça, uma pequena multidão tentava se agrupar, mas foi logo dispersada pelos soldados. Alguns tentaram ir para o bar do seu Zeca, e logo os soldados fecharam o bar e colocaram seu Zeca dentro de uma viatura. Aos poucos, o comércio que mal se abriu foi fechando suas portas. As pessoas se recolheram às suas casas na expectativa de saber o que estava ocorrendo.

As escolas suspenderam as aulas e o silêncio tomou conta da cidade. Apenas se ouvia os carros do exército passando pelas ruas ou então os passos cadenciados dos saldados marchando em busca de cumprir suas missões.

Seu Zeca, que acabou de ser liberado do seu cativeiro dentro de uma viatura, foi caminhando para casa a tempo de assistir à cena do prefeito Gilberto, saindo algemado de dentro da prefeitura e entrando no Jeep do capitão Duarte. O Jeep do coronel Salustiano permaneceu na prefeitura.

Em seguida, o delegado saiu algemado e entrou em outra viatura que seguiu o mesmo caminho. Foram todos para o antigo armazém de fumo.

Alguns estudantes estavam por entre um pelotão, todos algemados e seguiam a pé para o mesmo local onde foram o prefeito Gilberto e o delegado.

Aos poucos, as janelas se fecharam e a cidade ficou num silêncio mortal. Ninguém queria falar nem comentar nada. Estavam todos com medo. A tarde, alguns soldados saíram colando cartazes nos postes e paredes de órgãos públicos com os seguintes dizeres.

“Por ordem do Excelentíssimo Sr. Comandante da 7ª Região Militar, ficam todos obrigados a cumprir temporariamente ao toque de recolher a partir das 21 horas, imposto pelo governo da revolução. Qualquer cidadão que desobedecer esta ordem sofrerá sanções previstas nas leis de exceção.

“Fica também proibido qualquer tipo de manifestação popular bem como reuniões em qualquer domicílio ou lugar público”.

Conforme cada morador fosse lendo, iam se indignando com a situação, mas estavam em regime de exceção. Nada mais poderia ser feito a não ser cumprir, mesmo sendo contra, as determinações impostas, sob pena de sofrer represálias.

O coronel Salustiano passou o dia inteiro sentado na cadeira do prefeito sem saber o que fazer e qual ordem iria cumprir.

À tardinha, o capitão Duarte entra porta adentro e flagra o coronel cochilando em sua cadeira.

-    Coronel Salustiano, o senhor sabe que não há tempo para dormir, enquanto houver um subversivo à solta. Portanto, trate de cumprir à risca o que consta no manual.

-    Mas capitão Duarte, o senhor não voltou e fiquei à espera das ordens.

-    Ora, coronel, quer dizer que o senhor só fará alguma coisa pelo seu município se eu estiver presente?

-    Não, capitão, mas hoje é o primeiro dia, eu ainda não sei ao certo o que fazer.

-    Coronel, eu quero que o senhor exonere todos os secretários e componha o seu gabinete o mais rápido possível. Não vou ficar aqui pro resto da vida. Convoque uma reunião da Câmara de Vereadores para esta terça-feira, existem alguns vereadores que serão presos também.

-    Sim, senhor capitão, vou providenciar isso agora mesmo.

O coronel solicitou da telefonista da companhia telefónica uma ligação para o vereador Anacleto Capanico, determinou uma reunião para o dia seguinte, fechou a sua sala, despediu-se do pessoal e foi pra casa.

Havia sido um dia difícil. 


 

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