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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sábado, 14 de maio de 2022

INTERROGATÓRIO DE LUCAS DA FEIRA - II

LACERDA, é advogado e estudioso sobre Cangaço e cangaceiros, principalmente Lucas da Feira. Vendo postagem do Blog Santanópolis, publicada no dia 5 de maio deste mês SOBRE LUCAS DA FEIRA, enviou como colaboração, o interrogatório de Lucas da Feira dos seus arquivos.

INTERROGATÓRIO DE LUCAS DA FEIRA - I

- Perguntou-lhe si sabe quem deu as cutiladas no crioulo Manoel João?

- Respondeu que foram elle e seu companheiro Nicoláo, porque receiavam desse individuo.

- Perguntou-lhe sei tem noticia dos tiros dados no capitão Gregório do Nascimento?

- Respondeu que fora elle e seus companheiros, porque Gregório também os perseguia.

- Perguntou se tem noticia dos tiros dado em Manoel das Chagas e qual o motivo?

- Respondeu que foi elle por ver que esse homem merecia e assim quis quebrar-lhe as pernas.

- Perguntou-lhe mais, porque?

- Respondeu que por ter promettido pical-o em postas, assim elle respondente quis ensinal-o.

- Perguntou si tem noticia do roubo feito a José Dionysio, morador nas Campas?

- Respondeu que fora feito por seus companheiros Nicolau e Manoel, estando elle também presente.

- Perguntou o que roubaram nessa occasião?

- Respondeu que três colheres de prata.

- Perguntou-lhe si teve noticia do roubo feito a Vicente de tal, das Campas?

- Respondeu que fora elle o autor do roubo, tendo somente roubado uma calça e uma jaqueta.

- Perguntou mais si tem noticia dos cinco tiros dados em Gregório José de Almeida, no caminho de São José?

- Respondeu que foram dados por elle e seus companheiros, por um insulto que o dito lhes fizera.

- Perguntou si além dessas mortes e furtos sobre que tem respondido, lembra-se de ter feito mais alguma cousa?

- Respondeu que perante o Juiz Municipal já fora também conduzido e interrogado sobre alguns outros factos, como fosse o roubo da egreja das Brotas, e os tiros no Alferes Agostinho, em Joaquim Ferreira da costa e outros feitos a um homem chamado Sampaio Pinheiro e o vaqueiro de Aprigio Pires Gomes.

- Perguntou-lhe mais si durante a estada nos matos raptou algumas mulheres e sei tem lembrança do numero?

- Respondeu ter com effeito raptado algumas em numero de cinco ou seis, tendo, porém, outras ido voluntariamente para sua companhia.

- Perguntou si não matou alguma destas raparigas que levou para a sua companhia?

- Respondeu negativamente.

- Perguntou se em algum encontro, que elle respondente teve com pessoas que o perseguiam, levou alguns tiros e si tem lembrança do numero?

- Respondeu ter contado até cem e que felizmente escapou, tendo levado outros muitos que dahi em diante deixou de contar.

- Perguntou se não guardou em alguma parte ou em poder de qualquer pessoa dinheiro e outros objectos que tivesse tomado nas estradas?

- Respondeu que tudo quanto tinha era somente alguma roupa e outras miudezas que existiam no rancho em que foi preso, nada tendo guardado em parte alguma.

E nada mais respondeu nem lhe foi perguntado.

Por esta forma houve o Juiz por findo este interrogatório, mandando lavrar este termo, em que assignou com o curador do réo, depois de lido por mim Manoel José de Araújo Patrício, escrivão que escrivi - Innocencio Marques de Araújo Góes - O curador, Manoel Pereira de Azevedo.

Do interrogatório que acabamos de transcrever, vê-se quanto foi flagellada a Feira de Sant’Anna, principalmente depois do anno de 1840, quando o celebre salteador organisou sua quadrilha.

A prisão de Lucas teve os seus prodromos a 23 de Janeiro de 1848.

Narremos o facto que deve ter alguma importância para os nossos leitores.

Achando-se foragido o official de justiça do fórum feirense, de nome José Pereira Cazumbá, porque praticara um homicídio, pensou de obter o indulto, offerecendo-se para prender o salteador Lucas.

Acceita a proposta pelas autoridades com o accrescimo de que o governo compromettia-se a dar a Cazumbá, além do indulto mais quatro contos em dinheiro, foram affixados editaes neste sentido nos lugares mais públicos da Feira e publicados pela imprensa.

Na capella de N. S. dos Humildes, três legoas ao Sul da Feira de Sant’Anna, realisou-se uma festa, e para ella dirigiu se Lucas em procura, talvez, de alguma presa.

Cazumbá, acompanhado de Manoel Gomes, montou guarda no lugar chamado Pedra do Descanso, por onde, fatalmente, Lucas teria que passar de volta da festa.

Na segunda-feira 24, cerca de 6 horas da manhã, surge o salteador felizmente desacompanhado.

Manoel Gomes esmorece e treme, caindo-lhe a arma das mãos; mas na emboscada detona uma outra arma, cujo projectil aloja se certeiro no braço do salteador - foi a arma de Cazumbá, o official de justiça pronunciado que necessitava de liberdade.

Passada a primeira impressão, causada pelo susto de que o salteador não fosse altacal-os em seu esconderijo, sahiram elles e foram examinar o lugar onde estava Lucas quando recebeu o tiro.

O salteador havia de facto desapparecido, mas ali se achava o clavinote de seu uso e um rasteiro de sangue pela estrada afora.

Nessas averiguações estavam os dois, Cazumbá e Gomes, quando por ali passou o dr. Leovegildo de Amorim Filgueiras, juiz municipal e delegado do Termo, acompanhado de outros para effectuarem uma medição de terás.

Sciente de tudo, a dita autoridade poz a força publica em movimento para a captura do bandido, cujo paradeiro haviam de descobrir pelos vestígios de sangue, deixados na estrada e no mato.

Infelizmente assim não aconteceu porque a força de policia, os Inspectores de Quarteirão e o povo que os acompanhava, andaram todo dia e nos seguintes debalde, porque os vestígios desappareceram.

Quando o desanimo já começava a invadir aquelle troço de homens ávidos pela prisão do malvado crioulo, surgiu entre elles uma lembrança providencial.

Benedicto da Tapera, suspeitado como um de seus confidentes e intermediários, havia de lhes dizer qualquer cousa.

Sem demora seguiram para a casa do mesmo e gratificaram-n’o, ameaçando-o ao mesmo tempo de matal-o se não disesse onde estava Lucas.

Nestas condições, Benedicto confessou o paradeiro do salteador.

Na manha do dia 28 de Janeiro, o bandido, que tanto aterrorisou as populações daquella zona no período de vinte annos, estava entregue á justiça para responder por tantos crimes que praticara.

Condemnado à força pelo tribunal do Jury que se reuniu a 1º de Março do mesmo anno, foi executado a 26 de Setembro de 1849, no Campo do Gado, em presença de uma multidão que exultava pelo goso da tranqüilidade aspirada com o desapparecimento do bandido que a ameaçara por tantos annos.

Às 10 horas da manhã, daquelle dia, foi o salteador retirado da prisão e revestido de uma túnica branca.

Posto o baraço ao pescoço, em cuja extremidade segurava o carrasco, começou a percorrer as ruas da Feira, ladeado por dois franciscanos e o vigário da Freguezia padre José Tavares da Silva, e acompanhado das autoridades locaes, força publica e enorme massa popular da villa e de muitos logares que viera para esse fim.

De espaço a espaço paravam, os franciscanos resavam, os sinos dobravam e o official de justiça Marcellino Marques da Silva apregoava em altas vozes a morte do condemnado.

Ao meio dia chegou o cortejo fúnebre ao Campo do Gado, lugar em que estava armado o instrumento do supplicio.

Guindado ao plano superior da força, acompanhado de seu carrasco, Joaquim Correia, rapaz branco de 20 annos de edade, que espontaneamente se offerecera para aquelle reprovável mister, por ter o réprobo assassinado barbaramente seu pai Francisco Correia, elle, Lucas, acenando com a mão que lhe restava, pois a outra tinha sido operada em conseqüência dos tiros recebidos quando foi preso, disse: “Espere!”

Divagou o olhar acovardado por aquella multidão, e com voz fraca e arrastada declinou estas ultimas palavras:

“Sei que muitos dentre vós estão contentes de me verem assim acabar; eu peço perdão a Deus e a todos que perdoem”.

Dito isto o carrasco atira-o ao espaço: desce pela corda; arrima-se aos hombro do condemnado e mantém-lhe a bocca fechada. Os membros do suppliciado controhem-se, seguindo-se a mieção e o exhalar do ultimo suspiro.

Morto! Foi o brado uniforme, abafado e fúnebre sahido dos lábios da multidão.

Effectivamente o condemnado tornara-se cadáver; a Feira exaltava pela volta de sua tranqüilidade; a justiça desafrontara-se, e a sociedade; quanto a nós que escrevemos estas linhas desapaixonadamente, devia ter se enlutado por esse assassinato cobarde praticado na pessoa de um facínora, é verdade, mas no entanto criminoso porque a sociedade não soube educa-lo.


 

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