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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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segunda-feira, 2 de maio de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - IX

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - VIII
 

AS DECISÕES

[...] Por incrível que pareça, eu tenho que contar como tudo foi arrumado para a implantação do novo governo ditatorial dentro da cidade. O que foi providenciado para que as coisas acontecessem [...]

    O CORONEL LEMBROU QUE 70 homens do exército chegariam à cidade na segunda-feira e como já era quinta-feira, teria que correr pra tomar as providências. O primeiro passo seria arrumar alojamento para 70 homens, mas como ele não havia tomado posse como prefeito da revolução, não tinha poderes para determinar nada ainda. Provisoriamente alojaria o batalhão numa clareira perto da entrada da cidade, onde ele poderia, junto com o comandante, discutir as decisões a serem tomadas, sem que percebessem ainda que ele estivesse por trás do comando e da tomada da prefeitura.

No sábado, o prefeito Gilberto havia marcado a inauguração da escola municipal. Um prédio grande com capacidade para acolher 270 jovens.

O coronel foi visitar o prédio para avaliar se lá poderia ser instalado o comando.

Entrou e deu de cara com o prefeito inspecionando as obras. O clima ficou tenso. O prefeito Gilberto mandou um assessor perguntar ao coronel o que ele fazia lá dentro da escola municipal. O coronel de pronto respondeu:

-    Diga ao seu prefeito que estou fiscalizando pra onde está indo o dinheiro do povo. E que ele inaugure esta escola mesmo no sábado, pois vou precisar dela na semana que vem.

O prefeito Gilberto ouviu o recado e não entendeu nada, mas mesmo assim teve que soltar a sua farpa.

-    Aqui nesta cidade se trabalha olhando para o povo.

O coronel retrucou já saindo do prédio:

-    Trabalhava prefeito... Trabalhava.

Entrou no Jeep e saiu convicto de que seria lá a instalação da guarnição do exercito que chegaria na segunda-feira.

Ao chegar à delegacia, o coronel encontrou o delegado reunido com alguns jovens. Pediu licença e entrou.

O delegado testava um mimeógrafo a álcool que acabara de chegar. Estava rodando um estêncil onde havia um manifesto popular a ser distribuído durante a inauguração da escola municipal, conclamando a classe estudantil para uma passeata em protesto ao Ato Institucional n°. 1, e falando de liberdades democráticas.

Falava também da necessidade da implantação imediata de um Grémio Estudantil na nova escola, cuja finalidade era politizar os jovens e dar a eles uma consciência cidadã.

Por cima da mesa do delegado, havia um exemplar do clássico comunista O capital de Karl Marx.

Todos pararam o que estavam fazendo, olharam para o coronel e o delegado falou:

-    Bom-dia coronel, em que posso ajudar o senhor?

-    Nada não delegado, o senhor já ajudou.

Virou e saiu da delegacia sem dizer mais uma palavra sequer. Tanto o delegado como os jovens também não entenderam nada e prosseguiram na sua tarefa.

O coronel sabia que a sua missão não ia ser muito fácil e nem tão pouco simpática, mas ele tinha que cumpri-la, afinal de contas ele era o prefeito da revolução.

Onde colocar os presos políticos se a única cadeia da cidade era pequena e só tinha uma sela?

Onde e como construir aparelhos de torturas, de acordo com o manual que recebera, se ele nunca havia visto um?

À tarde, o coronel saiu para encontrar um local adequado pra transformar em prisão, quando de repente se lembrou de um velho barracão que já havia sido uma fábrica de charutos e um depósito de secagem e beneficiamento de fumo. Foi até lá sozinho, e constatou que poderia ser naquele local a prisão dos comunistas, a partir da próxima semana. Viu também uma prensa de charutos e lembrou que de acordo com os desenhos do manual de tortura, aquilo poderia servir. Era só esperar o pessoal do exército chegar e fazer as adaptações necessárias. Descobriu que havia no local, pequenos espaços, tipo cubículo, que poderiam servir de celas, já tinham até grades. Era onde guardavam os produtos já prontos para embarcarem. O barracão cheirava a fumo e este cheiro se misturava ao odor de urina de rato. Ali seria o local ideal para prender comunistas e subversivos.

Na sexta-feira, logo pela manhã, coronel Salustiano entra no bar do seu Zeca e encontra o prefeito Gilberto e o delegado, sentados em uma mesa conversando.

Seu Zeca ficou agitado e foi logo atender o coronel.

-    Bom-dia, coronel, em que posso servir o senhor.

-    Bom-dia, Seu Zeca. Pelo visto, o comité político continua sendo aqui. Me dá uma cerveja.

-    O senhor vai querer mais alguma coisa?

-    Não seu Zeca, aqui não há espaço pra mais ninguém. Seu estabelecimento anda muito mal frequentado nesses últimos tempos.

-    Que é isso coronel, aqui sempre foi o lugar frequentado pelas melhores pessoas da cidade.

-    Estou vendo, seu Zeca, mas trate de melhorar seu bar e feche a minha conta. Semana que vem eu volto pra tomar uma cerveja mais gelada do que esta.

O coronel sorriu e seu Zeca o acompanhou até a porta. O prefeito e o delegado acompanharam apenas com um olhar e continuaram sua conversa reservada.

Dali, o coronel foi pra casa ler mais uma vez as instruções que lhe foram dadas e que teria que cumpri-las de qualquer maneira.

No sábado, houve a inauguração da escola com hasteamento da bandeira do Município e uma bandeira da instituição escolar. Mais tarde, o coronel ficou sabendo que não hastearam a bandeira nacional.

Os panfletos que estavam sendo rodados no mimeógrafo foram distribuídos à população presente ao evento e no seu discurso, o então prefeito Gilberto prometeu reformas na educação do município, tanto para os alunos do curso ginasial como para os alunos do curso científico.

No domingo, a rotina da cidade foi a de sempre, tudo calmo e tranquilo até que um Jeep do Batalhão de Infantaria entrou pela praça por volta das 14 horas, parou no ponto mais movimentado naquele momento, o bar do Seu Zeca. Desceu um capitão jovem, fardado e sisudo. Todos ficaram acompanhando seus passos. Seu Zeca veio logo receber o militar.

-    Boa tarde, coronel...

O militar rebateu de imediato.

-    Capitão, senhor. Capitão Duarte.

-    Pois não, capitão Duarte, em que posso ajudar?

-    Onde fica o mictório?

-    Ali capitão, pode ir, está desocupado.

O capitão foi ao mictório e deu um sinal para que seu Zeca o seguisse. Entraram no mictório e o capitão perguntou:

-    Onde fica a fazenda de um tal coronel Salustiano?

-    O senhor pode seguir esta rua sempre em frente e quando chegar numa casa de farinha pode dobrar à direta e seguir adiante uns quatro quilómetros. Depois é só perguntar que todo mundo sabe onde fica. O senhor é parente dele? É amigo da família?

O capitão abriu a porta e saiu.

-    Obrigado pela informação.

Disse ao sair.

Todos os presentes ficaram acompanhando o capitão se afastar e correram em direção de Seu Zeca para saber o que estava acontecendo. Seu Zeca, como sempre, tinha uma história pra inventar.

-    Acho que o capitão Duarte está na cidade procurando o coronel Salustiano.

-    E o que ele te disse? - Perguntou alguém.

-    Disse que estava secretamente na cidade por isso me chamou lá pra dentro do mictório. Me fez um monte de pergunta sobre o coronel e eu disse que não sabia de nada. Eu acredito que ele veio prender o coronel.

O burburinho se formou logo. Muitas histórias saíram naquele momento, disseram até que deveria ter sido o prefeito Gilberto que mandou prender o coronel por causa da briga deles durante a campanha.

O resto do domingo você já sabe... Foi fofoca até altas horas da noite. 

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