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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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segunda-feira, 11 de abril de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - VII

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.


AS MUDANÇAS

[...] Eu não gosto muito de falar disso, mas a su­posta revolução de 31 de março de 1964, que na verdade não passou da implantação da ditadura militar, foi o período negro da vida no Brasil nos últimos tempos, mas como faz parte da nossa his­tória, vamos aos fatos [...]

CUBA JÁ HAVIA FEITO a sua revolução de esquerda em 1959. A implantação de um regime comunista na América Central inco­modava muito aos Estados Unidos. A ascensão de Fidel Castro ao poder preocupava bastante, pois seria muito fácil fazer com que os países latinos americanos copiassem o novo modelo imposto por ele, uma vez que se respiravam mudanças estruturais e políticas nesses países.

Com o discurso da Candelária, João Goulart acelerou a revolta dos militares contra o seu regime, uma vez que já estavam articu­lando na caserna um levante, movido por diversas insatisfações e dentre uma delas, os baixos salários das forças armadas.

A 31 de março de 1964, o primeiro e o segundo exército se movimentaram para depor o presidente.

João Goulart se exila no Uruguai e uma junta de governo se instala na República.

O Supremo Comando Revolucionário, que assumiu o poder em 1964, decretou através do ato Institucional n°1 a escolha de um novo presidente para o Congresso Nacional, que deveria go­vernar até 31 de janeiro de 1966. O escolhido, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, teve seu mandato prorrogado até 15 de março de 1967. O Ato Ins­titucional n°1 permitia também a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão durante dez anos e a cassação de mandatos parlamentares.

Castelo Branco pregava o respeito à Constituição de 1964. No entanto, durante o seu governo, foram criados vários instrumen­tos de controle, como o Serviço Nacional de Informações (SNI) órgão de inteligência ligado às Forças Armadas - e uma lei de greve que, na prática, impedia a realização de greves de qualquer natureza. Outros atos institucionais estabeleceram eleições indire­tas para o governo estadual, que por seu turno nomeava os prefei­tos das capitais. Milhares de pessoas ligadas ao governo deposto foram punidas, centenas de sindicatos sofreram intervenções. To­dos os partidos políticos existentes foram extintos; em seu lugar, o governo criou dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Are­na), que reunia os partidários do novo regime; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), única oposição permitida pelos militares, que pretendiam dessa forma manter as “aparências par­lamentares” do movimento de 64.

Assim, inicia-se a mudança também na cidade de Nossa Se­nhora das Dores. O prefeito Gilberto foi deposto e preso, acusado de subversão da ordem e estocar armamento pesado para uma su­posta revolução armada na região. O novo delegado também foi preso acusado de chefiar uma célula comunista que funcionava no Centro Paroquial. O padre José teve a sua prisão decretada, mas fugiu da cidade. Os jovens que estavam envolvidos em trabalhos sociais foram dedurados por um puxa-saco do sistema, e alguns deles foram presos. Instalou-se na cidade o terrorismo de direita chefiado e comandado nada menos do que pelo coronel Salustiano, que assumiu a Prefeitura de Nossa Senhora das Dores por de­creto. A ele foram dados todos os poderes para governar, inclusive fazer a caça aos comunistas.

Coronel Salustiano iniciou seu governo com mão de ferro. Mandou colocar o delegado Gilberto numa prisão improvisada, um antigo deposito de fumo. Era um lugar sujo, e mal cheiroso, cheio de insetos e ratos. O ex-prefeito foi colocado numa cela cha­mada de abaixadinho, onde ele mal podia ficar em pé. Dentro des­se deposito de fumo desativado, havia uma prensa que fora usada como aparelho de torturas.

[...] Não se assuste caro leitor; vou detalhar como foi que tudo aconteceu, da revolução até a tomada da prefeitura e por que o coronel Salú assumiu o comando da cidade [...]

Dias depois da tal chamada “revolução” coronel Salú fora chamado às pressas à capital. No telegrama que recebera dizia que era urgente para tratar de assunto da segurança nacional e cuja reunião era extremamente sigilosa. Após ler o telegrama, o coronel o queimou e enterrou suas cinzas. Disse à D. Emengarda que iria a Recife tratar de um financiamento junto ao banco, pois estava necessitando de fazer algumas mudanças na fazenda. Colocou algumas roupas na mala, entrou no Jeep logo cedo e partiu para Recife.

A reunião seria da sede do Comando Militar.

No dia seguinte, lá estava o coronel no Comando Militar. Entrou, se apresentou e foi levado a uma sala de espera. Meia hora depois foi convidado a entrar no gabinete do General Comandante.

-    Bom dia, coronel Salustiano.

Falou o General. Sujeito sisudo, alto, gordo e com um charuto na boca. Parecia mais um General da SS Nazista da década de 1940.

-    Bom-dia Sr. General.

Respondeu respeitosamente o coronel Salú.

-    Sente-se coronel.

-    Obrigado.

-    Coronel. Vamos direto ao assunto, pois tenho outras pessoas para atender.

O coronel sentou-se e estava nervoso, pois nem imaginava o que viria adiante.

-    Coronel Salustiano. O senhor tem prestado relevantes ser-viços ao seu antigo partido UDN, hoje com a sua totalidade na ARENA.

-    Sim, senhor.

-    Pois bem, coronel, vou lhe dar uma missão muito importante para as causas revolucionárias.

-    Uma missão?

-    Sim, coronel, uma missão de extrema importância. Na verdade é uma ordem.

Aí o coronel percebeu a responsabilidade.

-    Pode falar General, estou pronto para servir.

-    Coronel Salustiano, o senhor será nomeado, ainda esta semana, prefeito da sua cidade. Como é mesmo o nome da sua cidade?

-    Nossa Senhora das Dores, General, fica bem perto de Parnamirim, no oeste do estado.

-    Pois bem, Coronel Salustiano. Ao senhor serão dados poderes de governar a sua cidade e também poderes para servir à revolução.

-    Aqui estão escritos tudo aquilo que o senhor poderá fazer em nome da revolução, mas, por favor, faça com que tudo seja cumprido à risca sem nenhum deslize.

-    Sim, senhor.

-    Agora vá. Leia atentamente tudo e qualquer dúvida, me procure. O senhor contará com o meu apoio e a cobertura do Exército Brasileiro.

Quando estava se despedindo, o General disse:

-    Estarei mandando para sua cidade, na próxima segunda-feira, um destacamento do Exército com um efetivo de 70 homens. Providencie para que tenham alojamento e comida.

-    Sim, senhor.

Respondeu o coronel já na saída da porta.

Coronel Salú saiu de dentro daquela sala extremamente suado, e morrendo de curiosidade para ler o tal documento.

Lá fora estavam dois correligionários do mesmo partido, ARENA, que o esperavam para saber qual fora a pauta da reunião.

O coronel os informou, guardou o documento, seguiu paro o hotel que ficava na praia de Boa Viagem, fechou sua conta e saiu apressado de volta à sua cidade.

Durante todo o percurso teve vontade de abrir o documento, mas pra não perder tempo, acelerou apressado pra chagar em casa.

Quando entrou na cidade, já havia anoitecido. Caía uma chuva fraca e ventava muito. Não havia ninguém na praça nem nas ruas. Apenas o Zeca's Drink 's estava aberto, mas com pouca frequência, apenas os bêbados de sempre.

Coronel Salú desceu do carro, correu pra dentro do bar e seu Zeca o olhou curioso.

-    Tudo bem, coronel?

-    Tudo bem, seu Zeca. Coloca uma cachaça pra mim, mas não coloca muito, é só pra esquentar um pouco.

Seu Zeca colocou aproximadamente três dedos de cachaça num copo e perguntou:

-    Estava viajando, coronel?

-    Estava sim, seu Zeca, estava na capital.

-    E foi tudo bem por lá?

-    Foi melhor do que o senhor possa imaginar...

-    E a política na capital, como está?

-    Está como a daqui vai ficar...

-    Como?

-    Fervendo, seu Zeca... Fervendo.

O coronel pagou a conta, se despediu do pessoal, parou na porta do bar, deu uma cuspida no passeio, colocou o chapéu e saiu.

Deu uma volta em torno da praça, mesmo debaixo da chuva fina que caía, contemplou aquilo que seria governado por ele dentro em pouco, entrou no Jeep e foi pra fazenda.

No bar do seu Zeca, todos observaram aquele comportamento. Comentaram coisas evasivas e sem nexo, fizeram conjecturas a respeito, mas nem sonhavam com o que estava pra acontecer.

E assim passou a noite. 

    


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