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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 30 de agosto de 2020

NAIR DE TEFÉ, UMA SINGULAR PRIMEIRA-DAMA

Nair de Tefé

CONSUELO PONDÉ DE SENA

Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Membro da Academia de Letras da Bahia

“A única coisa que gosta da cozinha é a comida”  - Nair de Teffé






Na galeria das primeiras damas do País, uma se destaca pela ousadia e irreverência - Nair de Tefé, a primeira caricaturista brasileira.
Filha do almirante Antônio Luis Von Ploonholtz e de D. Maria Luísa Dodsworth, Nair de Tefé nasceu a 10 de junho de 1886 à rua Mata - Cavalos, hoje Riachuelo, em prédio demolido durante a administração do prefeito Pereira Passos. Era seu pai prestigiosa figura do Império que, pelos relevantes serviços prestados à pátria, recebeu o título de Barão de Tefé. Sua mãe, Maria Luiza, era a caçula do casal Jorge-Maria Leocádia Dodsworth, ele um escocês inteligente e culto, que havia se radicado no Rio de Janeiro, logo após a independência.

Com, apenas, um ano e meio de idade Nair viajou com os pais para a França. Muito viva e graciosa, chamava atenção de tantos quantos a observavam. A medida em que se desenvolvia, mais interessante se tornava, encantando as pessoas das relações dos Tefés que proclamavam, alto e bom som, seus indiscutíveis e inúmeros atrativos.

Aos sete anos revelou o seu talento para a caricatura ao desenhar madame Carrière, amiga de sua mãe, de quem queria vingar-se por ter que abandonar suas bonecas, seus livros de história, e seus lápis, toda vez que aquela senhora visitava sua família, visto que sempre revelava gostar muito da menina. Foi naquela oportunidade que Nair manifestou seu talento para a caricatura.
Seis meses depois dessa proeza, iniciava os estudos na Fidèle Compagne de Jesus, em Nice, onde permaneceu até os nove anos de idade, quando a matricularam no colégio 'Sainte Ursule' dirigido por piedosas freiras. Ali aconteceu outro fato marcante de sua vida. Foi quando fez a caricatura da professora, tendo o desenho passado de mão em mão até chegar às mãos da caricaturada, o que lhe custou o isolamento num quarto escuro e um dia inteiro sem qualquer espécie de refeição.

Apesar de a caricatura ser para ela um atrativo irresistível, Nair se aplicava, com interesse, ao estudo dos idiomas, à música, à história natural, às ciências físicas, tudo em obediência aos desejos paternos. Mal havia completado quinze anos, já apresentava o traço de caricaturista-vigoroso, pessoal e irreverente. Além disso, possuía o segredo de descobrir nas pessoas o traço cómico da máscara ou das atitudes
.
Caricatura de autoria de
Nair de Tefé, assinado com
 o pseudônimo de Rian


Tão fortemente se impressionou o Barão de Tefé com a vocação da filha que, em 1901, conduziu-a à professora de pintura, Louise Laumot, pedindo-lhe que aproveitasse melhor o seu talento. Com aquela mestra aprendeu Naira pintura, a ponto de produzir sugestivos óleos. Em 1905, passou a estudar na Academia Julian, nas proximidades dos Campos Elisios, não lhe arrefecendo, contudo, o entusiasmo inato da exímia caricaturista que era.


Aos dezenove anos Nair desabrochou. Mulher culta, que falava corretamente vários idiomas estrangeiros, sabia sentar-se ao piano e interpretar clássicos, declamava, com muita graça e personalidade e conversava sobre vários assuntos com muito talento e vivacidade
Com efeito, bastava ver qualquer pessoa uma só vez para representá-la caricaturalmente no papel. Em Lausanne traçou a caricatura da rainha Olga, da Grécia e do seu filho; em Paris as dos marqueses de Arcicollar e o conde Penemacor, da Espanha, trabalhos que foram apreciados o aprovados por famosos artistas europeus.

Era uma bela mulher: Rosto de boneca, com seus cabelos louros, bouclés de modo bizarro, com os olhos de faiança azul, com sua cútis de finíssimo biscuit, conforme foi descrita na revista Fon Fon.

Ao regressar ao Brasil, no apogeu da sua mocidade e beleza, passou a divulgar seus "portrait-charges", que se tornaram famosos no Rio de Janeiro, assinando-os sob o pseudónimo de Rian, trabalhos que a tornaram conhecida de todos. Com efeito, seus estudos expostos na vitrine da Chapeiam Watson, na Av. Rio Branco, esquina com Ouvidor, atraíram a atenção do tantos quantos por ali passavam.

Ao mesmo tempo, passou Nair a participar das reuniões elegantes, do Rio e de Petrópolis, das festas de caridade, em cujas ocasiões declamava e cantava com graça e talento, impondo-se à admiração dos assistentes.

Em 8 de dezembro de 1913, casa-se com o circunspecto presidente da República, Mal. Hermes da Fonseca, viúvo de D. Orsina da Fonseca, que contava 58 anos de idade, enquanto a noiva tinha apenas 28 anos. Além de viúvo, possuía o presidente sete filhos nascidos do primeiro matrimônio, que não lhe aprovaram o casamento com apenas um ano de viuvez, motivo pelo qual não compareceram às ruidosas bodas do pai.

O comentado romance com o presidente fora objeto de muitas críticas, não só pela diferença de idade, dos consortes, mas pelo fato de ser a noiva alta, bonita e exuberante, enquanto o noivo era baixinho, calvo e bigodudo.


Consta que para "amansar" o marido, Nair procurou adotar comportamento mais discreto, compatível com sua posição de primeira-dama, chegando inclusive, a renunciar a arte da caricatura. Recolhendo-se à vida palaciana, ficou na história do Palácio do Catete como cuidadosa e eficiente dona de casa, além de uma dama desembaraçada e possuidora de singular presença de espírito.

Favorecida por forte personalidade e singular desenvoltura, possuía a bela jovem inflexível capacidade de decisão. Tão destemida que embora sabendo que iria enfrentar os comentários da sociedade da época, abriu as portas do Palácio do Catete, sede do governo federal, para que, num dos seus salões fosse executado o "maxixe", ritmo marginal àquela época, possibilitando ainda fosse soado o Cortajaca, lançado pela não menos irreverente compositora, Chiquinha Gonzaga
.
Vale mencionar que, consoante definição do folclorista Câmara Cascudo, corta-jaca é uma "dança ginástica", solta, com coreografia individual como nos frevos do Recife. Dançavam-na no Rio de Janeiro, Bahia, etc. Segundo o mesmo autor, denominou também, "uma espécie de tanguinho", composto por Chiquinha Gonzaga, em 1897, que teria sido dançado em todo o país por mais de uma dezena de anos.

Contra tal fato também se posicionou o Cardeal Arcoverde, chefe da Igreja Católica na capital da República, em janeiro de 1914. Este arcebispo do Rio de Janeiro considerava o maxixe uma dança altamente licenciosa e sensual, além de sugerir o próprio ato amoroso. Todavia, a conhecida irreverência carioca deu ao fato um tratamento compatível com o espírito gozador daquela gente, divertindo-se com o espírito jovem e avançado da primeira dama.

Indignado com tal situação, o baiano Rui Barbosa, senador da República que, em 1910, perdera a disputa presidencial para o marido de Nair de Tefé, verberou contra o episódio em indignado discurso pronunciado no Senado: (...) "aqueles que deveriam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que eu ouvia falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba'.

Desabrisada, reagiu Nair de Tefé com menoscabo à crítica do ilustre baiano, divulgando impiedosa caricatura de Rui.

"Certas mocinhas" retrucou o grande baiano, "se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios".

Nair não se melindrou com aquele desabafo, pois, era pouco mais que uma trêfega adolescente quando seus desenhos passaram a circular na imprensa carioca e parisiense, sob o pseudónimo de Rian - Nair ao contrário, mas também alusão ao verbo rir.

Por isso, gostava de narrar suas peraltices nos salões da sociedade carioca, onde algumas damas dela se afastavam receosas de serem caricaturizadas.

Além do temperamento, a educação liberal recebida em casa de seus pais, o Almirante Antônio Luís Von Hoonholtz e Maria Louise Dodworth, gente de mentalidade superaberta, contribuíra para o seu desembaraço, incomum àquela época, temporada passada na Bélgica, na Itália e na França, onde chegara bebé e vivera até os 17 anos.

Findo o mandato do Mal. Hermes, em 15 de novembro de D M, foi ele eleito senador pelo Rio Grande do Sul, seu Estado Natal, cargo que renunciou por não lhe interessar manter-se no País. O casal retirou-se para a Europa, de onde regressou ao Brasil a 4 de novembro de 1920. Ao retomar ao Brasil, envolveu-se, o Marechal, na política, sendo responsabilizado pela situação criada em Pernambuco. Fechado o Clube Militar que ele presidia, foi recolhido à prisão como responsável por esses tumultos e pela Revolta de 5 de julho em Copacabana e no Realengo. Denunciado e pronunciado pela justiça, a voltou para sua casa em Petrópolis onde faleceu em 1923.

Embora contasse 51 anos, Nair permaneceu viúva até o fim da vida, "fiel" à memória do esposo inesquecido, a quem se referia sempre como "o marechal".

Aliás, no tempo em que o violão não ora escutado em ambientes requintados, sendo o instrumento associado a boémia plebeia, ela própria, Nair de Tefé, dedilhava o seu instrumento, para espanto o comentário malicioso da sociedade do Rio de Janeiro.

Mulher de têmpera, dominava o marido, tido o havido como intransigente. Tão rigoroso que, em 1907, como Ministro da Guerra do governo Afonso Pena, proibira que as bandas militares tocassem o maxixe.

Tendo exercido o poder de 1910 a 1914, Hermes da Fonseca foi, certamente, o mais ridicularizado de todos os governantes do País, vítima das chacotas da opinião pública e da imprensa brasileira, conforme amplo anedotário sobre a sua pessoa, apelidado de Dudu, a quem se atribuía azar ou urucubaca.

Câmara Cascudo em seu Dicionário Folclore Brasileiro assevera que o termo urucubaca, com tais sentidos, teria surgido precisamente em 1914, no Rio de Janeiro, quando Hermes da Fonseca concluiu o seu governo, sendo-lhe aplicado para escarnecê-lo.

A partir do casamento com o presidente da República a vida daquela fascinante dama foi muito agitada não lhe faltando energia para atender aos inúmeros compromissos sociais.

Entretanto, esse fato, como talvez tantos outros, inofensivos e ingénuos, deu margem a um sem número de críticas e comentários maliciosos. De igual modo, os passeios a cavalo - o esporte de sua preferência - eram censurados com malícia. A irreverência dos caricaturistas não a poupou nem ao Marechal que, superiormente, jamais tomou qualquer atitude contra eles, nem deles se queixou publicamente.

Eleito senador pelo Rio Grande do Sul, seu estado Natal, o Mal. Hermes renunciou ao mandato, em 15 de novembro de 1914.
O casal retirou-se para a Europa, de onde regressou após permanência de cinco anos, chegando ao Brasil a 4 de novembro de 1920. O Marechal, contudo, envolveu-se, mais uma vez, na política, sendo responsabilizado pela situação criada em Pernambuco. Fecharam-lhe o Clube Militar, do qual era presidente, e recolheram-no à prisão como responsável por esses tumultos e pela Revolta de 5 de julho em Copacabana e no Realengo. Denunciado e pronunciado pela justiça, pouco tempo teria de vida. Ao deixar a prisão, voltou para a casa de Petrópolis, onde veio a falecer em 10 de setembro de 1923. Nair de Tefé contava então 37 anos de idade; tendo permanecido viúva até o fim da vida, 'fiel' à memória do esposo querido, a quem se referia sempre como o 'marechal'.
Após a morte do esposo, continuou a viver naquela cidade serrana, em companhia dos velhos pais. Conta-se que, todas as tardes, saía em sua charrete para passear pelas ruas de Petrópolis, ao lado do Barão de Tefé, até que, no dia 7 de fevereiro de 1931, morreu-lhe o estremecido genitor.

Nos anos 30 construíra o cinema Rian, na Av. N. Sa de Copacabana, que teve que vender posteriormente para vencer dificuldades financeiras.

Três anos depois da morte do Barão de Tefé, a 8 de novembro de 1934, falece a baronesa, deixando a filha única sozinha em meio às suas recordações. Mais tarde decidiu Nair adotar uma criança, l.ysette, que iluminou sua vida e encheu de alegria aquela mansão e a sua proprietária. Tendo-a como filha, a ela dedicou-se inteiramente.

No final dos anos 70, embora fosse muito idosa, participou das comemorações do Dia Internacional da Mulher.

Nair de Tefé faleceu a 10 de junho de 1981, aos noventa e cinco anos de idade, legando a todas as mulheres do Brasil uma legenda admirável - a de uma mulher destemida, que enfrentou o tempo e a sociedade.
Replicando: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana Ano I nº 1 2004  




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