As festas de São Cosme e São Damião estão quase a desaparecer, fato destacado, na última terça-feira, pelo “Acorda Cidade” do jornalista Dilton Coutinho. No ruidoso e atropelador vespeiro em que a cidade se vai transformando, de correria em busca do suado pão de cada dia, poucos terão dado importância à nota, preocupados com assuntos mais importantes como a inflação, novamente ameaçadora, o transporte coletivo, eternamente deficiente e conturbado, e a criminalidade, que intranquiliza a população apesar dos esforços policiais, desbaratadores de quadrilhas que sempre ressurgem, porque na luta contra a epidemia do crime aplicamos remédios para os sintomas, deixando de lado as doenças, algumas sem possibilidade de cura a curto prazo.
Esta cidade, no decorrer do tempo, se tem mostrado pouco afeita à conservação de comemorações, ritos e festejos populares, embora seja difícil descobrir, entre eles, salvo os de ordem patriótica, algum que não tenha sofrido influência de religião. Feira de Santana demonstra, assim, que só tem compromisso com a correria, o futuro, o lucro e o progresso. Festas, passado, usanças, tradições e costumes ou desaparecem ou são substituídos com espantosa facilidade, não escapando mesmo aqueles que se apresentam como inarredáveis e solidificados no seio do povo.
Feira já comemorou o “Dois de Julho” com desfiles, palanques, discursos e bandas de música. O Sargento Aranha, vereador e comandante do Tiro de Guerra, tentou, sem êxito, ressuscitar a festa. O nosso “Dois de Julho” teve o seu ocaso provavelmente ainda no tempo dos lampiões a óleo de baleia, quando comerciante da praça, orador que havia abusado do conhaque, vaiado, arrancou lanternas que iluminavam o palanque e as atirou sobre o povo,que correu, apavorado, temendo o fogo e o espermacete das velas.
Por incrível que pareça a cidade extinguiu o Carnaval, de profundas raízes desde os tempos do Entrudo, e o substituiu, com entusiasmo geral, pela Micareta, que já mostra sinais de exaustão apesar da esfuziante euforia dos últimos tempos, mais produto da mídia do que da ledice do povo. Depois dela ninguém sabe o que poderá aparecer.
Quase inacreditável a extinção das festas populares da Padroeira, N.S. Sant’Ana, o Bando Anunciador, os bandos nas madrugadas dos domingos que antecediam o dia magno, as festividades de largo, na Praça da Matriz, a Lavagem e a Levagem da Lenha, manifestações populares tradicionais, centenárias, suprimidas por discutíveis comodidades de uns e covardias de outros, mas sem protestos, sem queixas, ruídos, demonstrações de contrariedade e sem revolta, como se a cidade atirasse ao lixo coisas incômodas e inúteis, que a UEFS tentarecuperar, com bandos matutinos, simples imitações. Nem de longe se aproximam dos originais.
As homenagens tributadas a São Cosme e São Damião aqui jamais ganharam força de festa de largo. Sempre foram comemorações domésticas, algumas sofrendo forte influência do candomblé, outras mais contidas, mas todas com muito samba, comidas e bebidas. Davam, entretanto, movimento, vida e encanto à noite feirense, quando, em determinada época, rapaziada reunida nas escadarias da Prefeitura perscrutava os céus. De onde subissem foguetes, ali haveria São Cosme, hospitalidade quase certa, dança, caruru, vatapá e bebida à vontade.Demandava cuidados, entretanto, a travessia, na escuridão, dos matos onde se construía a Kalilândia. Havia o hábito de cavar cisternas, para a água das construções, que provocara acidentes. Levar mulher para aquelas ermas paragens, à noite, era perigoso. Das trevas, inopinadamente,costumava aparecer o “Nêgo Minho”, faca na mão, para afugentar o amedrontado galã e se apropriar, indebitamente, da trêmula donzela. Não foram poucas as vítimas.
Hugo Navarro da Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis. Advogado, jornalista escreve semanalmente no "Jornal Folha do Norte"
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