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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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sábado, 9 de janeiro de 2021

A ARTE DE CAMINHAR ENTRE RUAS E PATRIMÔNIOS DA PRINCESA - II

CARLOS ALBERTO ALVES LIMA

 -Graduado no curso de licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Mestre pelo Programa de Pós Graduação em História PGH/UEFS. Atualmente além de exercer  a docência em espaço socioeducativo, aventura-se enquanto Guia Turístico, fazendo parte do Projeto: Na carona do Conhecimento: turístico pedagógico.

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JULIANO MOTA CAMPOS

Graduado no curso de licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Mestre pelo Programa de Pós Graduação em História PGH/UEFS. Atualmente além de exercer  a docência em espaço socioeducativo, aventura-se enquanto Guia Turístico, fazendo parte do Projeto: Na carona do Conhecimento: turístico pedagógico.

Em 1998, numa de suas reformas, ocorreu a troca do telhado por chapas metálicas, o que descaracterizou a arquitetura, mas não destruiu sua importância simbólica. Este é um reduto da nossa vocação comercial, de um passado que reverbera no presente e da constante luta atual para a manutenção, no futuro, da identidade sertaneja do cordelista, da fiandeira que vive a fiar, do feirante e do feirense. Essa identidade é abrigada também no painel produzido por Juracy Dórea (artista plástico), que representa a cultura nordestina em forma de mosaico, inspirando até hoje atividades como saraus, projetos de música, dança e lançamentos de livros no Mercado de Arte.

Saímos do Mercado Municipal e seguimos pela Rua Sales Barbosa, antiga Rua do Meio de baixo. A cada olhar, descobrimos que a vocação comercial que enaltece a história de Feira de Santana, é a mesma que foi responsável por silenciar a memória patrimonial. As fachadas metálicas e luminosas que se impõem, escondem o que restou de alguns frontispícios das construções da primeira metade do século XX; nada ali faz lembrar o charme das acomodações da Loja São Paulo, responsável por vestir o homem da elite feirense, ou o requinte do Bar e Restaurante “O chopinho”, com seu chopp Brahma e refrigerante Fratelli Vita sempre gelados, tornando as tardes quentes de verão mais aprazíveis.

Caminhamos mais alguns metros e avistamos a Praça Bernardino Bahia. Não é mais aquele parque frondoso. Pelo contrário, é possível observar, explicitamente, o desgaste de seus bancos e calçamentos e a iluminação cada vez mais precária; nem sinal do cata-vento de outrora, que, durante muito tempo, marcou a paisagem. Da esquina da Praça, restaram apenas algumas poucas fotos da bela casa do político e comerciante João Marinho Falcão, extremamente arborizada e situada dentro de um grande terreno, uma das mais belas construções da Avenida Senhor dos Passos.

Acelerando as passadas, já atravessando a Rua Capitão França, notamos que nada sobrou, materialmente falando, do Cassino Irajá, o único do interior baiano, majestoso e glamoroso, bem ao gosto do criador, Oscar Marques. Já avistamos o Casarão, Palacete ou Villa Fróes da Motta. Mas por que Palacete ou Villa? Quem foram os Fróes da Motta? Entremos na história, ou melhor, na casa dos Motta!

A casa dessa família era ampla, luxuosa e tinha um formato de palácio em proporções menores. Nesse período, denominava-se por “villa” toda habitação que possuísse jardim, fosse pomposa e pertencesse a pessoas de privilegiadas condições financeiras. Esse modelo de habitação foi inspirado em uma residência vista na cidade alemã de Hamburgo, em 1902, pelo coronel Agostinho Fróes da Motta, que, de volta a Feira, encomendou uma igual - que ficaria pronta dois anos depois.

Ir à Europa naquela época configurava um deslocamento que apenas pessoas com alto poder aquisitivo podiam fazer. De fato, o patriarca da família era rico, haja vista que se tratava de um importante exportador de fumo e comerciante de gado; além disso, emprestava dinheiro a juros, tinha imóveis alugados e atuava como banqueiro. Teve vida ativa na política, sendo intendente municipal (espécie de prefeito da época) entre 1914 e 1918, construindo nesse período as primeiras escolas da cidade; uma delas, próxima de sua residência, antes chamada de Escola Municipal (criada em 1917) e hoje denominada Escola Maria Quitéria.

Escola Maria Quitéria

Negro, rico, com formação primária e pai de seis filhos, Agostinho colocou a família Fróes da Motta no rol das mais importantes do município; na figura de Eduardo o patriarca teve a sua sucessão política. O caçula foi quem, após o falecimento do pai (1922), promoveu, segundo o historiador Sidney de Araújo Oliveira, profundas transformações na arquitetura original, dando ao casarão características do estilo eclético, muito em voga naquela ocasião por conta da grande reforma urbana que ocorreu em Paris. Imaginem que a festa de reinauguração foi tão grande que durou de 06 a 08 de setembro de 1924. Que festança, heinl! Então vamos conhecer por dentro  o local tão badalado pelos feirenses?

Situado entre as atuais ruas General Câmara e São José, o Palacete dos Fróes da Motta, em seus doze cômodos, do chão ao teto, passando pelas paredes, são obras de arte de forte influência europeia. Exemplos disso são o Salão Nobre no estilo Luís XV; a  sala de estar no estilo rococó; a sala de jantar trabalhada na renascença francesa; a varanda com painéis que lembram paisagens europeias; e a capela, que tem visual gótico. Podemos destacar  ainda, a fachada, composta por vários elementos em alto-relevo, como festões, ramalhetes de flores e dragões;  as iniciais

EFM (Eduardo Fróes da Motta) são visíveis nos detalhes das cortinas e na decoração interna das paredes; as colunas da varanda e as esculturas da entrada principal são em estilo neoclássico. Por fim, a decoração das paredes da sala de música é composta por pinturas de musicistas brasileiros e estrangeiros importantes, como Carlos Gomes, Mozart, Chopin, Beethoven, Gounod etc.

Para uma cidade que na década de 1920 ainda estava começando a ter energia elétrica e abertura de rodovias - nesse período o principal meio de transporte eram os trens um imóvel daquela grandeza proporcionou, em suas imediações a instalação da feira de gado, fato que atraiu outros moradores, bem como casas comerciais, para a vizianhança. Além da Praça Bernardino Bahia, em 1915, e da Matriz, em 1916, a Villa dos Fróes da Motta tinha o coreto (inaugurado em 1919) como “palco” de realizações de grandes eventos, tais como discursos públicos de políticos, padres e intelectuais, além de apresentações das filarmónicas 25 de Março e Vitória. Esses espaços, que possuíam cobertura metálica e eram inspirados no modelo europeu, foram pontos de diversos eventos religiosos e profanos da cidade que se transformava num lugar de relações de sociabilidade. No caso do coreto da Praça Fróes da Motta, há uma particularidade: um porão alto, que viabiliza sua utilização, sendo usado atualmente como bar.

E depois dessa reforma, o que aconteceu? Eduardo Fróes da Motta e sua família viveram durante muito tempo no casarão, realizando algumas intervenções, a exemplo da construção de varandas e janelas voltadas para a Praça Fróes da Motta e de pinturas a óleo no interior do imóvel de 527 metros quadrados, segundo o Instituto do Património Artístico e Cultural da Bahia (IPAC). Após a saída da família Fróes da Motta da residência, o imóvel ficou por duas décadas abandonado, até que, em 2000, o imóvel foi adquirido pela Fundação Senhor dos Passos e restaurado.

Nossa caminhada agora segue em direção à Rua Conselheiro Franco. Passamos em frente à centenária Escola Maria Quitéria, ainda cheia de vida com a presença dos alunos. Alguns detalhes arquitetônicos foram simplesmente varridos pelo tempo graças às inúmeras reformas aleatórias. Destacam-se nesse trajeto a sede das Filarmónicas Euterpe Feirense, 25 de Março e Vitória. Todos estes três Patrimónios têm mais de 100 anos, contam com um suporte mínimo no tocante à preservação e precisam, com urgência, de um grande projeto de restauração. Nesse mesmo cenário, encontramos, nas cercanias, também a sede do Montepio dos Artistas.

A região em pauta resguarda uma parte da produção cultural da cidade, e por isso optamos por encerrar nossa caminhada pelo Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA). Na rua Conselheiro Franco, mais conhecida como rua dos bancos, nascia, em 1916, a Escola Fundamental J.J. Seabra. Construção em estilo eclético, seu objetivo era expandir o ensino primário no município, transformando-se, em 1927, em Escola Normal (cuja finalidade era formar professores primários). Em 1935, passou a ser chamada de Escola Normal Rural. O prédio, em 1943, abrigou um batalhão de infantaria, servindo de alojamento para treinamento de soldados para a Segunda Guerra Mundial. Neste período, a escola foi transferida para os salões da prefeitura.

Salvo esse episódio da Segunda Guerra, o prédio, com alguns intervalos de tempo, sediou espaços de educação, cultura e arte; seja de 1945 até 1956, quando volta a acolher a Escola Normal e ganha o Ginásio Estadual de Feira de Santana; seja em 1968, quando foi criada a Faculdade de Educação (que daria origem posteriormente à Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS). A Faculdade permaneceu no local até 1973, quando essa instituição de ensino superior teve seu prédio próprio. Por fim, de 1978 até 1994, o prédio abrigou o Seminário de Música de Feira de Santana.

Segundo Carlos Mello, o edifício arquitetônico, histórico e cultural, foi construído sobre o porão alto e desenvolvido em um único pavimento, com planta apresentando três blocos independentes; os blocos laterais recuados formam dois pátios e o bloco principal tem o corpo central recuado, precedido de uma escadaria que dá acesso ao saguão. Um prédio de 1200m2 com essa estrutura singular e rica esteticamente, não poderia, após a saída do Seminário de Música, ficar abandonado; daí a criação do CUCA, que passaria a funcionar nesse prédio conjuntamente com o Museu Regional de Arte (antigo Museu Regional de Feira de Santana), sob a gestão da UEFS a partir de 1995.

No nº66 da Rua Conselheiro Franco estão articuladas a história e as muitas memórias da educação feirense ao presente, representadas pelas artes visuais de Carlos Barbosa, na Galeria de Exposições Temporárias e também pelo Laboratório de Arte-Ciência. Nesse caminho entre passado e presente que o CUCA nos oferece, encontramos a sedução da música tocada no Seminário de Música; da criação artística exposta nas Oficinas de Criação Artística; e da arte de representar, cujo viés se dá por meio dos Teatros Universitário e de Arena. Todas estas são experiências cotidianas vividas pela comunidade feirense. O CUCA propicia, pelo caráter das trocas culturais e valorização da arte e do património, a reconstrução de uma memória incansavelmente silenciada em suas diversas vozes e destruída sob variadas formas de materialidade do património. Proporciona ainda, a ressignificação, na arte nossa de cada dia, o ser feirense e nordestino através dos festivais de teatro, mostras de cinema, espetáculos de dança e, de modo singular, quando põe na rua um bando bem especial, um bando anunciador.

Paramos, por ora, nossa caminhada. Esperamos que este texto tenha contribuído para uma reflexão sobre o património material local, que, definitivamente, sofreu e sofre com o descaso e a péssima política de manutenção por parte dos gestores municipais. Lembremos que preservar nossos bens culturais, é preservar nossa própria memória e história. 

Escola Normal Rural, hoje CUCA

 




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