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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

0 CORONELISMO NA BAHIA - IV (final)


HORÁCIO QUEIROZ DE MATTOS

Continuação final de Horácio de Mattos

Ver também:

O CORONELISMO DA BAHIA - I

O CORONELISMO NA BAHIA - II

O CORONELISMO NA BAHIA - III

Pouco antes de iniciar o movimento reacionário, Horácio assina um telegrama redigido por Manoel Alcântara de Carvalho, e envia ao velho Conselheiro da República. Os termos mostram o entusiasmo febril que os dominava:

"No momento em que o povo sertanejo marcha para a capital, obedecendo às determinações impostas pelo sentido de sua liberdade, nós vos saudamos, excelentíssimo senhor, porque sois a Fé que nos leva à salvação, e Deus é nosso Guia".

Das ribeiras do São Francisco, passando pelo Raso da Catarina, até chegar ao Vale do Jiquiriçá, outros três mil sertanejos são arregimentados por diversos coronéis, também convencidos a participar da revolta. A um sinal do: idealizadores do movimento na Capital, inicia-se a Reação Sertaneja!

Pelo sofrimento a que o descaso público os condenou por séculos, pela' incursões punitivas enviadas pelos governadores ao longo dos anos, aquele: cinco mil homens em marcha, são agora, um caudal de mágoas que desce serras, serpenteia veredas, sulca a terra ressequida do semiárido e despenca em redemoinho sobre povoações, fazendas e cidades que estão sob o domínio de políticos governistas.

Neste turbilhão de violência, a classe dominante é quem menos sofre, pois debanda rumo à capital ou retira-se para áreas não conflagradas, deixando o combate nas mãos de pistoleiros contratados, peões e fiéis jagunços. A força policial do Estado, composta de apenas dois mil homens, aquartela-se em Salvador onde presumidamente dar-se-á o embate final. Na zona de conflito a luta é ironicamente fratricida; jagunço contra jagunço, povo contra povo. O resultado é trágico: cadáveres insepultos nas caatingas e tabuleiros; saques nas casas comerciais; famílias desagregadas; tristeza e dor.

Horácio após conquistar os mais importantes municípios da Chapada Diamantina, já se encontra às margens do rio Paraguaçu, não muito distante da capital, pronto para o ataque a Salvador, quando o estratagema oposicionista atinge parcialmente o objetivo.

Rui Barbosa
De fato, o presidente da República intervém no Estado da Bahia, porém deixa claro no seu decreto que o ato visa "O restabelecimento da ordem e da tranquilidade públicas", mantendo deste modo, o poder em mãos do grupo governista.

É uma acachapante derrota política para Rui Barbosa, já que reivindicava uma intervenção Federal objetivando a "Manutenção da forma republicana", dado o regime anárquico instaurado na Bahia. Postulação sarcástica, analisando-se que procede de um dos incitadores daquela sangrenta conturbação social. Pouco mais de duas décadas separam estes acontecimentos de um outro, quando, também, sob alegação de salvar a República de supostos subversores, milhares de soldados do Exército atacaram um pequeno arraial, trucidando todos os seus habitantes: Canudos. Um latente mausoléu à intolerância, assentado sobre ossos do fanatismo.

General Alberto Cardoso
Aguiar
 Nomeado interventor Federal, o general Alberto Cardoso de Aguiar, tem sob seu comando dez mil homens enviados pelo Ministro da Guerra para atuarem no restabelecimento da ordem constitucional em território baiano. Porém, ainda lhe estão bem vivas as lembranças da insensatez de 1897, em Canudos, além do que, os jagunços de hoje estão bem armados, disseminados por toda a Bahia e lutam em seu habitat, o que levaria o exército a combater células guerrilheiras. O bom senso predomina e o interventor opta por medidas conciliatórias, chamando os chefes sertanejos para a mesa de negociação. Os coronéis estabelecem, contudo, condições constrangedoras ao Governo Federal para assinar o armistício, que são aceitas e na prática, loteia a Bahia em feudos tribais.

Nenhum acordo se iguala, porém, ao "Convénio de Lençóis", assinado por Horácio de Mattos e os representantes do general Cardoso de Aguiar. Este pacto de paz soa mais como uma capitulação da União, tais as exigências impostas pelo caudilho das Lavras Diamantinas. Entre as cláusulas, algumas são tremendamente abusivas, tais como: pena de desterro para o Coronel Manoel Fabrício de Oliveira[1]
Cel. Manoel Fabrício
de Oliveira
inimigo pessoal do clã Mattos; que é expulso pelos representantes do governo, para o município de Itaberaba; "reserva" de uma cadeira de Senador estadual e outra de Deputado, a serem ocupadas por pessoas indicadas pelo grupo horacista. Há ali ainda, espaço para outra vindita pessoal: o município de Barra do Mendes, terreiro da família do falecido Militão Coelho, é suprimido, voltando à condição de distrito de Brotas de Macaúbas. Finalmente é concedido a Horácio o comando absoluto de doze municípios da Chapada Diamantina.

A contrapartida resume-se apenas no apoio político do coronel ao governador eleito J.J. Seabra, o que de fato ocorre, para desgosto dos seus antigos correligionários, entre eles, Rui Barbosa que publicamente não se dá por vencido, e em manifesto à Nação, afirma que os governos Federal e Estadual foram os grandes derrotados ante as humilhantes imposições estabelecidas pelos chefes insurretos. 

J.J. Seabra
 Depois desta aventura temerária, Horácio passa a ser tratado pela imprensa e classe política baiana com distinção, e pelo povo, como uma celebridade. Quando vai a Salvador, os jornais o procuram para conceder entrevistas, e se está conversando com amigos em uma confeitaria próximo ao Largo da Piedade, populares se enfileiram à porta, curiosos por conhecê-lo. Numa destas visitas à capital, o coronel é apresentado a um homem de fala mansa, baixa estatura e educação primorosa; é o professor Bernardino José de Souza, grande Secretário do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. A empatia é imediata e mútua; está nascendo uma amizade que será interrompida tragicamente.

Apesar de não possuir familiaridade com o universo cultural, Horácio se comove com a obstinação do mestre em concluir a sede própria do Instituto Geográfico e Histórico; e resolve ajudá-lo na realização do sonho que acalenta há anos, cujas obras avançam lentamente no imenso terreno que dá acesso para as avenidas Joana Angélica e Sete de Setembro, vizinho ao Senado Estadual. Incentivado pelo caudilho, Bernardino viaja com a família, levando no bolso do colete cartas de recomendação aos chefes políticos das comunidades sertanejas. Em cada paragem, o professor e familiares fazem apresentações musicais e levam polpudas contribuições financeiras doadas por amigos e correligionários do prestigioso coronel da Chapada.

Ao final da improvisada turnê artística, foram arrecadados mais de vinte contos de réis, uma fortuna para a época, contribuindo substancialmente para a conclusão da magnífica obra, finalmente inaugurada em 02 de julho de 1923.

Sete anos se passaram até que, em 1930 eclode um golpe militar de caráter tenentista, mas tendo como líder aparente o civil Getúlio Dornelles Vargas. Horácio de Mattos, mais uma vez manipulado pela classe política dominante, inicia uma reação armada aos revolucionários, mas desta vez é dominado pelas forças vitoriosas antes mesmo de disparar um único tiro. Apesar de colaborar para o desarmamento de sua gente, conforme solicitação telegráfica e ameaça subliminar do coronel Juraci Magalhães, comandante das Forças


Juracy Magalhães
 Revolucionárias do Norte; ao final da campanha desarmamentista, para surpresa geral, Horácio é levado preso para Salvador pelo prepotente e belicoso tenente revolucionário, Hamilton Pompa que comandava o oitavo pelotão em Lençóis, onde residia ao caudilho.

Quis o destino, todavia, que à frente da Secretaria de Justiça do Estado, estivesse o professor Bernardino José de Souza, recentemente nomeado pelos comandantes da revolução. A prisão do amigo, sem culpa formalizada em inquérito, angustia Bernardino, principalmente porque naquele momento de exceção constitucional, muito pouco poderia ser feito. Mas mesmo correndo riscos, faz cautelosas ingerências junto ao Tribunal Revolucionário, ao passo em que parcela considerável da sociedade baiana também se mobiliza pública e judicialmente, para promover a libertação de Horácio. Entre seus defensores está o arcebispo Primaz do Brasil, o presidente da Associação Comercial, magistrados, desembargadores e jornalistas. Finalmente, um pedido de habeas-corpus impetrado pelo proprietário do jornal "O Imparcial", é acatado pelo interventor, sutilmente influenciado por Bernardino de Souza.

Poucas horas se passam da soltura de Horácio, e já chegava a informação aos ouvidos do vaidoso tenente Hamilton Pompa, que bebia cerveja em um bar, na rua D'Ajuda, ao lado de outros oficiais do exército. Ele que ultimamente vivia a jactar-se pela prisão do mais temido chefe sertanejo, considera-se desmoralizado. Lançando imprecações contra o secretário de Justiça, a quem acusa de ter facilitado a libertação, saca uma pistola que conduz à cintura, faz alguns disparos para o alto no interior do bar, efetua a recarga e decide que matará Bernardino. Descontrolado, sai à rua, seguido por amigos que tentam contê-lo sem sucesso, até que ao subir os primeiros degraus do Palácio da Aclamação, empunhando a arma, é fulminado por um tiro de fuzil disparado pelo guarda palaciano.

A morte de Hamilton Pompa convulsiona o meio militar e seu sepultamento no dia seguinte, acontece entre exaltados pronunciamentos de civis simpáticos ao novo regime, e oficiais revolucionários. É o momento psicológico propício e a oportunidade circunstancial, para execução de um crime há muito planejado: a vítima está à solta e desprotegida.

Na noite do dia 15 de maio de 1931, vinte e quatro horas após o enterro do tenente, Horácio de Mattos estando em liberdade condicional, mas sem permissão para deixar Salvador, passa pelo Largo do Acioli, com destino à residência de uma cunhada que se encontra em dificuldades financeiras; leva no bolso dois mil réis para socorrê-la. Detêm-se por alguns instantes para conversar com um conhecido, quando é furtivamente atacado por um Guarda Civil, que o atinge com três tiros à queima-roupa. Há poucos metros dali, Horacina, aos sete anos, toma sorvete com amiguinhas, ouve os disparos e grita intuitivamente:

- Mataram papai!

O crime, urdido em gabinetes, consentido em quartéis, praticado em praça pública, nunca teve a autoria intelectual revelada. O autor material e réu-confesso, o Guarda Civil Vicente Dias dos Santos, que recebeu uma arma e 500 mil réis para a prática do assassinato, foi preso em flagrante julgado e, curiosamente, inocentado. Algum tempo depois foi encontrar morto em um casebre na ladeira do Céu, no bairro do Rio Vermelho.

Bernardino José de Souza, acreditando que seu empenho para libertar amigo Horácio de Mattos, involuntariamente facilitou a ação dos algoze fica profundamente amargurado. Passados alguns dias, renuncia ao cargo c Secretário de Justiça e retorna para seu querido Instituto Geográfico Histórico da Bahia.

Inegável que o coronelismo, fenômeno da vida política brasileira, com origem no período Imperial, graças a uma impressionante capacidade metamórfica, ainda pode ser observado claramente neste alvorecer do século XXI. Mudou-se a forma, os métodos; permanece, contudo, a essência daqui que o mandonismo possui de mais perverso: o escambo envolvendo privilégios e subserviência.

Francisco Otávio L. Ferreira Secretário Adjunto do IFiGFS Estudante do Curso de Jornalismo (UNEF)

Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - Revista: Ano 1 Nº 1 2004



[1] Nota do BlogManuel Fabrício nasceu em Campestre - hoje pertencente a Seabra - filho Fabrício José de Oliveira e Ana Nervilha de Oliveira (D. Biosa). Casou com Dursolina Honória em 1882, com quem teve vários filhos.

Politicamente aliou-se a José Joaquim Seabra o PRD em Campestre até 1920 e chefiava um grande bando de jagunços (cerca de 200 homens), com os quais sustentava as disputas com os membros da família Matos e outros tantos adversários.

Em Campestre sustentou a defesa de suas posições em quatro ataques armados - sendo finalmente derrotado por exigência de Horácio de Matos, quando do Convênio de Lençóis, em 1920 que, numa das suas cláusulas, era exigida sua retirada da cidade que, então, deixou de existir, passando a distrito de Seabra.

Em compensação, exerceu funções estaduais em diversas localidades, morrendo no mesmo ano que a esposa, morando no povoado de Itaíba, em Itaberaba. (Wikipédia).

 


















 



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