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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 13 de outubro de 2019

AMAZÔNIA 10X2 “CIVILIZAÇÃO” III

Evandro J.S. Oliveira
 Duas das maiores epopeias da história da Amazônia em todos os tempos, comandadas por dois dos maiores capitalistas da nação mais poderosa do mundo. Como postamos no capítulo anterior, Henry Ford no vale do rio Tapajós, no Pará, e 40 anos depois o projeto de Daniel Ludwig, no Jari, também no Pará, e ainda no Amapá. Ambas fracassaram. completam suas marcas históricas.
Os grandes projetos econômicos abriram clareiras na floresta amazônica e nela instalaram o capitalismo mais moderno do mundo.
Daniel Ludwig
Em 1976 o Projeto Jari encomendou um documentário de quase meia hora de duração a Jean Manzon. Era um momento delicado. Nove anos antes o bilionário americano Daniel Ludwig, do alto dos seus 70 anos, sucedera um grupo de empresários portugueses estabelecidos em Belém no controle da vasta área de terras que fora do coronel (da Guarda Nacional e de barranco) José Júlio de Andrade, imensamente poderoso até a revolução de 1930 (quando o tenente Magalhães Barata o tomaria por inimigo). A compra dos ativos da Jari Comércio e Industria custara a Ludwig três milhões de dólares.
Era o maior — e mais complicado — imóvel rural de que alguém poderia se tornar dono na Amazônia. Os detentores dos muitos papéis depositados em vários cartórios achavam que eles lhe davam direito a 3,6 milhões de hectares. Depois de apurar melhor as coisas através dos seus advogados, Ludwig se satisfaria com menos da metade, “apenas” 1,6 milhão de hectares.
Na foz do rio Amazonas, porta de entrada para uma nova fronteira de recursos naturais quase do tamanho dos Estados Unidos, a possessão de um dos homens mais ricos e estranhos do mundo incomodava e provocava reações diversas. Mesmo alguns setores militares, que sustentavam o governo, estabelecido através de golpe de estado em 1964, desconfiavam daquele grande projeto. Mais do que projeto, era um império, funcionando como se constituísse um autêntico país dentro do Brasil. Seria uma ponta-de-lança do governo americano?
Jari 1
Centenas de milhões de dólares estavam sendo investidos para criar duas cidades de porte razoável para o padrão regional e outras 10 menores, as silvivilas, para cuidar dos plantios, que se estenderiam por quase 100 mil hectares. Calculava-se que a população desse território com ares de autonomia logo passaria de 100 mil habitantes. O exército de máquinas pesadas e equipamentos, como nunca antes houvera na selva amazônica, abria quase 900 quilômetros de estradas por ano.
Os carros se abasteciam de combustível grátis e ilimitado. Havia hospital, médicos, remédios à vontade. Quatro pistas de pouso, sendo uma equivalente ao dos grandes aeroportos, tinham movimento diário. Uma empresa de navegação fazia linha para Belém e uma frota de aviões levava e trazia passageiros constantemente, vários deles estrangeiros. Uma ferrovia de 70 quilômetros ligava a fábrica às plantações.
Jari 2
Mais do que uma empreitada econômica, o “grande projeto” parecia materializar uma concepção de poder. Ameaçava criar um governo paralelo na Amazônia. Tocava nos nervos da “comunidade de segurança e informações”, a espinha dorsal do regime militar, que, com sua doutrina de segurança nacional, promovia a integração da Amazônia justamente para não entregá-la a estrangeiros.
O filme encomendado a Jean Manzon tinha o propósito de dizer aos guardiões da segurança nacional que o Jari, espraiado entre o Pará e o Amapá, continuava brasileiro e teria uma destinação de grandiosidade igual à dos grandes projetos do governo militar. Manzon não foi escolhido por acaso: seus documentários trombeteavam a pujança das iniciativas que o governo tomou a partir de 1964, promovendo a mais ampla ocupação física da fronteira amazônica, como nunca houve (e, provavelmente, nem haverá). Do dia para a noite, em vários pontos da região, a vida pulou do zero para o 80, graças a desbravadores sem igual, autênticos titãs, a abrir caminho para a modernidade, como no Jari (ainda que à custa de um desmatamento sem paralelo na história da humanidade, conflitos sociais, criminalidade, desorganização social). No lugar de uma economia de subsistência ou de uma atividade extrativa de exportação limitada à madeira, à castanha, à pimenta-do-reino e (em escala decrescente) à borracha, surgia o capitalismo de ponta, importado diretamente do seu maior templo, os Estados Unidos.
Técnicos e executivos foram recrutados em vários lugares do mundo para trabalhar em ritmo alucinante. Septuagenário, apesar da sua disposição para novas aventuras, Ludwig tinha pressa para colher os resultados das suas iniciativas. Seu principal objetivo era produzir celulose, mas para isso tinha que plantar árvores, que demoram a crescer, mesmo sob o sol eterno dos trópicos. Ele também queria bater recordes mundiais com o plantio de arroz nas várzeas, numa área que deveria chegar a 14 mil hectares. Formaria o maior plantel de búfalos do mundo. Montaria serrarias e fábricas de laminados. Construiria sua própria hidrelétrica. E seria como que um misto de Tarzan e Tio Patinhas, um rei da selva com muito dinheiro e poder, a ser admirado pelo mundo. A ficar ainda mais rico.
Em 1976 Ludwig, passando por cima da indústria nacional, que se julgava em condições de atender suas necessidades, já havia encomendado ao estaleiro japonês da Ishikawajima, do qual era sócio, dois autênticos navios, que durante três meses singrariam 25 mil quilômetros por mares e oceanos do Japão até o Jari. Numa dessas estruturas metálicas funcionaria uma termelétrica à base de cavacos de madeira. Na outra, uma fábrica de celulose com a altura de um prédio de 10 andares, alimentando-se de uma árvore oriental milagrosa, que daria o primeiro corte com dois anos, quando já teria 10 metros de altura, e proporcionaria três desbastes em 10 anos, quando sofreria corte raso e seria substituída por outra árvore: a gmelina arbórea.
Com a música ufanista ao fundo e a locução de marcha de combate, o documentário de Jean Manzon proclamava, sem qualquer sutileza, que Ludwig iria substituir uma floresta velha por outra, inteiramente nova (árvores que, apesar de velhas, “se conservavam sadias”, acrescentava o locutor, sem se dar conta da contradição).
“Não existe problema ecológico, já que se troca uma floresta por outra”, acrescentava o narrador. A mata nativa tinha o inconveniente de abrigar 500 espécies diferentes por cada hectare (a biodiversidade, tão exaltada hoje). Haveria ganho ao trocá-la por uma floresta homogênea, embora de espécies exóticas, que daria lenha para a geração de energia e cavaco para a produção de celulose. Não podia dar errado: havia dinheiro suficiente (até um bilhão de dólares) e a melhor tecnologia do planeta para sustentar aquela intervenção tão profunda na natureza, como nunca antes na Amazônia.
Daniel Ludwig colocou em funcionamento os dois primeiros “grandes projetos” dessa nova era em que, de fato, a Amazônia foi definitivamente integrada ao espaço em torno dela (e muito mais ao longe). Mais do que a integração nacional (para não entregar) dos militares geopolíticos, a ligação ao mundo, sem possibilidade de retorno ao status quo ante. Primeiro foi a Cadam, a primeira fábrica de caulim da Amazônia e destinada a ser a maior do mundo, quebrando o controle que tinham do mercado internacional os Estados Unidos e a Inglaterra, graças à qualidade do minério (o melhor para revestimento de papéis especiais, como o que dá brilho às revistas semanais de informações). Depois, a fábrica de celulose, em maio de 1979.
Apenas 11 anos depois que começou a pôr a mata nativa abaixo e plantar gmelina, pinho e eucalipto, numa pressa que lhe seria onerosa no futuro, teve que desistir da árvore asiática porque os solos, fracos, não deram conta da sua voracidade por nutrientes. A conversão de parte da plantação, com a fábrica em plena operação, deixou o Jari sem matéria suficiente durante alguns anos.
Ludwig concebeu duas plantas industriais, que produziriam 1,5 milhão de toneladas, mas hoje só uma funciona, mesmo assim produzindo apenas 360 mil toneladas. E não mais sob o controle dele ou do seu esquema empresarial. Em 1982 o tycoon foi substituído por um consórcio de empresas nacionais, formado às pressas pelo então todo-poderoso ministro Delfim Netto, no último governo militar, o do general João Figueiredo. Senão, o Jari teria que ser estatizado. Seus maiores credores eram o Banco do Brasil e o BNDES.
Ludwig montou o império à base de financiamentos internacionais, atuando dos dois lados do balcão. Mas com o primeiro choque do petróleo e a inflação mundial, o custo ficou alto demais e ele não quis bancá-lo (receoso de comprometer sua fortuna). O tesouro nacional, avalista de suas operações mirabolantes, teve que honrar os compromissos, quando eles começaram a vencer. E continuou comparecendo ao caixa dos banqueiros internacionais, sem se ressarcir no controle acionário, transferido para o consórcio de empresários nacionais reunidos a toque de caixa por Delfim. Augusto Antunes liderou o grupo. Seus netos o sucederam, mas não manifestaram qualquer interesse pelo negócio na selva. Em seu lugar surgiu o empresário paulista Sérgio Amoroso, do grupo Orsa, que mantém o Jari funcionando, mas já numa escala de negócio comum, não de empreendimento político, de império.
Não deixa de ser surpreendente que as três principais atividades produtivas do Jari (caulim, celulose e bauxita refratária) continuem em plena atividade, 30 anos depois, ainda que numa escala própria aos mortais, não de um mito como Daniel Ludwig (que morreu seis anos depois de ter saído de vez da Amazônia).
Hoje, há uma consciência que não se pode derrubar a floresta velha, de árvores impressionantes, com dezenas de metros de altura, porque a biodiversidade é descartável e novas florestas de espécies estranhas ao bioma são melhores. Agora é preciso apresentar os estudos e relatórios de impacto ambiental, contratar currículos lustrosos e dispor de relações públicas de maior credibilidade do que um Jean Manzon, o fotógrafo francês que veio para o Brasil exercer sua arte jornalística e acabou se transformando no pregoeiro das mistificações visuais do governo e dos seus parceiros. Será que atualmente querem revogar, estes entraves nome do progresso?...
Agora os projetos de mineração foi centuplicado, mas é assunto para outra série. Uma vez mais a floresta saiu ferida, mas ganhou outro round.
Fontes:
Lúcio Flávio Pinto, Wikipédia, a enciclopédia livre. 





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