Itabira é apenas um retrato na parede
Mas como dói!
(Carlos Drummond de Andrade)
Menos ainda que retratos na parede, as nascentes e lagoas vão se tornando meras citações históricas, enquanto desaparecem da nossa paisagem. Um dia, no entanto, foram tão significativas que se constituíram nos fatores preponderantes no assentamento do povoado que origmou a cidade de Feira de Santana, muito em função da presença da água superficial e subterrânea próximo à superfície.
Não por outros motivos estiveram presentes na primeira nominação do que viria a ser a nossa cidade. Em função das nascentes, surgências d’água comuns na nossa região, o povoado que nos originou foi chamado de “Santana dos Olhos d’Água”.
Cerca de 96% da área do município de Feira de Santana encontra-se localizado no “Polígono das Secas” e sem sombra de dúvidas foi determinante para a sua existência a presença de nascentes e lagoas em números relativamente significativos nas suas zonas de superfície topográfica rebaixadas pela erosão.
Na década de 1960 foram contadas sessenta lagoas, distribuídas sobre rochas muito antigas (pré-cambrianas) ou sedimentos mais recentes da Formação Barreiras (terciário). Algumas das lagoas contribuem com suas águas para o lençol de água subterrânea, tomando-se, portanto, secas nos períodos de estiagem; outras mantêm um “espelho d’água” visível durante o ano, em decorrência do substrato impermeável sobre o qual estão instaladas. Dentre as lagoas encontravam-se as lagoas Grande, Mendes, Mangabeira, do Prato Raso, Subaé, do Peixe, Camisa, Pirrixi, Berreca, Seca, Ovo da Ema, etc. Principalmente no núcleo urbano, a captação, a poluição, o assoreamento e o aterro intencionalmente provocado foram mais intensos, devido à concentração de edificações, lixo e dejetos domésticos e industriais e ameaçam fortemente as suas existências.
O verdadeiro complexo de lagoas do bairro da Queimadinha, normalmente chamadas de Prato Raso, segue inexoravelmente o caminho da extinção através do aterro ininterrupto que sofre para construções de casas e edificios comerciais, mesmo destino da Lagoa do Subaé, mesmo com todo o apelo que o nome do corpo de água da nascente do rio de mesmo nome pudesse ter. A Lagoa Grande de São José virou depósito de lixo e entulho.
Apenas a Lagoa Grande (a da sede da cidade), que foi uma das principais fontes de abastecimento público de Feira de Santana, parece escapar à sanha destruidora que ataca as nossas lagoas, uma vez que nelas se executam, lentarnente, obras que podem ressignificar a sua existência.
Os “olhos d’água” encontram-se em condições ainda piores que as lagoas. As nascentes drenam as suas águas para as lagoas e riachos, que se incorporam aos rios, compondo as bacias hidrográficas dos rios Pojuca, Jacuípe e Subaé. Inicialmente as nascentes serviam como fontes de água para o abastecinrnto doméstico e como bebedouros para as boiadas que transitavam na nossa região. Posteriormente, como crescimento urbano, passaram a funcionar como referência para o assentamento e ampliação da cidade.
Algumas dessas fontes receberam a implantação de uma infraestrutura mínima, como a construção de tanques de retenção e lavanderias de cimento, permitindo um melhor aproveitamento da água, na irrigação de hortas, abastecimento doméstico e atividades de lavadeiras, o que beneficiava as comunidades aos arredores da nascente, a exemplo da “Fonte do Mato” e “Tanque da Nação”.
Com o rápido crescimento populacional, sem um planejamento urbano adequado, que atendesse às exigências dele decorrente, algumas nascentes foram aterradas ou canalizadas, pelos interesses imobiliários ou pela ignorância de pessoas que não quiseram ou não querem reconhecer a importância delas enquanto recurso natural. Dentre as que foram canalizadas está a “Fonte do Valado”, canalizada por baixo do condomínio Parque das Acácias, localizado no bairro Tanque da Nação. Os moradores deste condomínio ainda escutam o som das águas a correr sob um dos seus “playgrounds”. Outra fonte canalizada foi “do Muchila”, utilizada até a década de 80, quando, por pressão de moradores da Rua Macário Cerqueira, desapareceu sob a pavimentação através de urna tubulação de poucas polegadas.
Outras nascentes com as suas benfeitorias foram abandonadas sob a alegação de que o progresso trouxe “água encanada” para todos. Aquelas cujo “milagre do desenvolvimento” não destruiu completamente continuam sendo parcialmente utilizadas pelas populações carentes dos bairros onde se localizam a exemplo das fontes “de Lili” e “do Buraco Doce”, no bairro da Queimadinha, e “dos Milagres”, no bairro da Gabriela.
A “Fonte do Mato”, talvez a mais emblemática de todas, por ser a principal do bairro dos “Olhos d’Água”, considerado o mais antigo de Feira de Santaria, jaz esquecida no que sobrou de quintal da casa onde ainda moram os descendentes de “Noratinho da Pamonha”.
Poluição nas lagoas |
Lagoas: Salgada e Subaé |
(*)Este texto é uma livre releitura do trabalho “Nascentes e Lagoas de Feira de Santana - Geologia e um breve histórico”, de autoria de José Carlos Barreto de Santana, Liana Maria Barbosa e Maria de Fátima da Silva Nunesmaia, publicado no jornal Feira Hoje. em 26 de setembro de 1989.
Transcrito da revista "História e Estórias dos Séculos XIX e XX (Escritas a cinquenta mãos).
Edição Especial do
Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana - 2015 p. 116, 117, 118
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