Quem
hoje trafega na Avenida Getúlio Vargas, no trecho entre as ruas Barão de
Cotegipe e Castro Alves, dificilmente imagina que na década de trinta do
século passado, ali existiu o fabrico de bebidas Leão do Norte que, inclusive,
denominou a região por muito tempo. Essa área, que serviu de apoio de parte de
cerca dos duzentos animais utilizados no serviço de transporte de carga de mercadorias, pertencia ao senhor Waldemiro Falcão Mascarenhas, conhecido como Seu
Dudu, irmão do comerciante João Marinho Falcão, sendo ele, em Feira de Santana,
um dos prestadores de serviços como proprietário de tropas.
Daquele tempo, muito bem recorda loiô Mascarenhas, um dos filhos de Seu Dudu que, quando criança, acompanhava a labuta do pai em entendimento com os proprietários de armazéns e lojas da cidade, para acertar o transporte das mercadorias vendidas para as localidades distantes ou mesmo o transporte entre a
Estação Ferroviária e os estabelecimentos comerciais de Feira de Santana.
Muitas cidades da região não gozavam do beneficio do serviço de trem. A escassa frota de veículos motorizados na época exigia que, sobre o lombo de burros, fossem transportados os mais diversos gêneros de alimentos, ferramentas, tecidos, fumo, querosene e outros, e cada animal era carregado com até cento e oitenta quilos de mercadorias. Os serviços eram contratados quando se formava um volume de mercadoria para determinado destino e que justificasse a tropa formada, em média, de vinte animais; além desses, dez ou doze “fagueiros” que viajavam sem carga, colocados como reserva para substituição dos que cansassem durante a viagem.
Daquele tempo, muito bem recorda loiô Mascarenhas, um dos filhos de Seu Dudu que, quando criança, acompanhava a labuta do pai em entendimento com os proprietários de armazéns e lojas da cidade, para acertar o transporte das mercadorias vendidas para as localidades distantes ou mesmo o transporte entre a
Estação Ferroviária e os estabelecimentos comerciais de Feira de Santana.
Muitas cidades da região não gozavam do beneficio do serviço de trem. A escassa frota de veículos motorizados na época exigia que, sobre o lombo de burros, fossem transportados os mais diversos gêneros de alimentos, ferramentas, tecidos, fumo, querosene e outros, e cada animal era carregado com até cento e oitenta quilos de mercadorias. Os serviços eram contratados quando se formava um volume de mercadoria para determinado destino e que justificasse a tropa formada, em média, de vinte animais; além desses, dez ou doze “fagueiros” que viajavam sem carga, colocados como reserva para substituição dos que cansassem durante a viagem.
Sempre formando quatro ou cinco filas, com cinco ou seis animais, tinha-se o
cuidado de colocar os mais novos ao centro da tropa, para aprenderem com os
mais velhos, Para evitar que se desviassem da trilha ou comessem na beira da
estrada alguma erva venenosa, eram amarrados pelo cabresto por uma corda de
três a quatro metros de extensão presa à cangalha do animal da frente. Muitas
vezes, sendo animais de boa linha, era dispensado o uso da “madrinha da tropa”,
que era um animal colocado à frente do cortejo, trazendo chocalhos presos ao
peitoral.
A resistência dos muares observada em serviço, assim como a renovação do plantel com bons animais, era condição importante para a formação da tropa, que exigia investimentos por custarem mais caros.
A tropa tinha a coordenação de um Mestre Tropeiro, geralmente de extrema confiança, responsável por conduzir e entregar a mercadoria no destino, ficando muitas vezes encarregado de receber parte dos valores pagos pelas mercadorias ou pelo transporte. Auxiliando na condução, mais três ou quatro homens ajudavam na tarefa de carga e descarga durante a viagem.
Do final da década de cinquenta, uma cena permanece
viva em minha memória. Findava a tarde de um dia meio de semana quando uma algazarra,
com gritos e assobios vindos da rua, quebrou o rotineiro silêncio e avivou a
curiosidade infantil dos meus sete para oito anos. A uma distância de uns
trinta metros da porta da nossa casa na Rua Marechal Deodoro, pude ver a
passagem de uma tropa. Lembro-me de uma porção de cavalos empoeirados correndo
em ritmo cadenciado ao som característico, vindo da batida das ferraduras
contra o calçamento feito de pedras extraídas do leito do rio, conhecidas como
joelho de burro. No final da rua, ficava o armazém de fumo de propriedade de
seu Bartolomeu Santos, sendo frequente o ir-e-vir dos tropeiros para fazer
entrega, deixando na passagem um forte cheiro de tabaco no ar. A resistência dos muares observada em serviço, assim como a renovação do plantel com bons animais, era condição importante para a formação da tropa, que exigia investimentos por custarem mais caros.
A tropa tinha a coordenação de um Mestre Tropeiro, geralmente de extrema confiança, responsável por conduzir e entregar a mercadoria no destino, ficando muitas vezes encarregado de receber parte dos valores pagos pelas mercadorias ou pelo transporte. Auxiliando na condução, mais três ou quatro homens ajudavam na tarefa de carga e descarga durante a viagem.
Da minha infância também recordo de um aro de ferro com uns quinze centímetros de diâmetro, preso ao pé do meio-fio da calçada do fabrico de bebidas de seu Chico do Morro, vizinho a nossa casa. Meus irmãos mais velhos afirmam terem existido várias argolas desse tipo destinadas a amarrar os animais das tropas enquanto era feita a entrega de jurubeba, fruta usada para fazer vinho.
Contrariamente ao costume dos tropeiros do sul e do sudeste brasileiro, por conta do clima quente da região de Feira de Santana, nossos tropeiros aproveitavam o frescor do turno da noite para as suas atividades, em razão de os animais apresentarem melhor rendimento durante a marcha, por vezes impraticável sob o sol forte do dia. A jornada, que se iniciava geralmente às dezessete horas, estendia-se até por volta das quatro da manhã, quando chegava a um ponto de parada ou mesmo ao local de destino.
Muitas cidades da região tiveram suas origens em pequenas estalagens e pontos de vendas de produtos de necessidades, como alimentos, cachaça, querosene, fósforos, velas e outros produtos para atender aos viajantes tropeiros durante as paradas. Nesses locais, geralmente com boa disponibilidade de água e pastagem, os animais eram descarregados e lavados. Ficavam soltos durante o dia, e as cangalhas e suadores, a fim de secar o suor dos animais, eram pendurados nas galhas das árvores até a hora de retomada dos serviços. Trabalhando à noite e folgando durante o dia, os tropeiros levavam notícias da cidade, motivando rodas de prosas regadas por uma boa cachaça e comida sertaneja. Era o contrário da rotina de muitos trabalhadores e pais de família, que geralmente saíam pela manhã para seus afazeres na roça e deixavam suas filhas em casa e estariam assim completando o lazer dos tropeiros. Embora de rápida duração a permanência deles nos lugarejos, era comum aparecerem filhos tomando bênção aos pais viajantes.
Feita a entrega, era hora de retomar porque certamente novas mercadorias aguardavam para serem transportadas. Para vender na cidade, os tropeiros compravam e traziam da região cargas de carvão, fumo, feijão, frutas, lenha e varas de candeia que tinham uma utilidade muito grande na construção das cercas dos quintais e no levante de casas de taipa. Caso surgisse alguma viagem extra no meio do caminho que não retardasse muito o retorno, eles aceitavam a tarefa e na chegada prestavam conta ao dono da tropa repassando, além do anteriormente combinado, parte do valor recebido. Muitas vezes,
pela honestidade do tropeiro em dizer o que fizera, o patrão deixava até de
receber sua parte que ficava então como um ganho extra. Como em todo negócio
sempre existe um grau de dificuldade, com a tropa não era diferente. O atraso
no retorno, muito reclamado pelo patrão porque já havia assumido compromissos
de novas entregas com os comerciantes, era justificado pelo tropeiro
como sendo devido à chuva, que tomava o “chão pesado” dificultando as passadas
dos animais.
Também era comum, com a aproximação de alguma égua ou jumenta no
cio, acontecer os animais se soltarem e correrem adentrando pelo mato atrás das
fêmeas. Era uma exigência para um bom animal de tropa, que ele não fosse
castrado, reconhecido assim como um animal inteiro. Em caso de problema devido
a picada de cobra durante a noite ou de algum cair por cansaço do peso da
carga, a substituição levava o tropeiro a descarregar um animal para carregar
outro. O trabalho que exigia, no mínimo, três pessoas para um carregamento
demandava tempo, por ter-se que equilibrar o peso - por
exemplo, de um saco de açúcar dc sessenta quilos - para evitar “virar” a
cangalha sobre o lombo do burro. A cangalha era construída artesanalmente por
duas forquilhas interligadas e feitas em madeira comum na região, como aroeira,
vinhático, jaqueira, pau-ferro, entre outras. Usada sobre o lombo do animal,
era presa por uma tira de corda de sisal ou couro chamada cinta, que se passava
sob a barriga. Para evitar que a carga corresse para trás, também era presa por
uma corda de sisal ou couro chamada peitoral, passada por baixo do pescoço. O
movimento da carga para frente era contido pela rabicheira passada por sob a
cauda do animal.Nas andanças pelas estradas, era necessário que os cascos das patas estivessem protegidos por ferraduras, o que nem sempre evitava que fossem feridos, deixando o animal manco; também contribuíam para escorregamentos na passagem sobre os lajedos, resultando muitas vezes em quedas. Para evitar ferir o animal devido ao uso da cangalha, fazia-se uso do colchonete ou “suador” feito de molhos de junco seco, colhidos nas lagoas da região e costurados com cordas de sisal ou corda extraída das cascas secas do tronco da bananeira. Usava-se, também, a taboa e a lã da barriguda como enchimento revestido de tecido grosso de algodão. No retorno das viagens, os animais chegavam com o pelo grudado por poeira e suor, eram então tratados, além do banho, a escova do pelo, a apara dos cascos, feito a facão e marreta, tendo-se o cuidado de não feri-los, mais o corte da crina e cauda.
Na saída para uma jornada, os tropeiros, além dos mantimentos, recebiam do patrão um pacote contendo munição para as espingardas, charutos, vinho de jurubeba, fósforos e um pouco de querosene para o candeeiro a ser utilizado caso necessitassem vistoriar alguma coisa no escuro da noite. Também não faltava o “abre-dia”, isto é, uns cinco a seis litros de cachaça, trazida em um pequeno barril chamado de carote, e que era visto como um pequeno agrado do patrão por seus bons serviços, e quase sempre humildemente expressavam: - “Vosmecê não esquece da gente”! Se fossem passar muitos dias viajando, recomendavam ao patrão para que atendesse suas “muiés” nas necessidades da fàmilia, com dinheiro ou comida para não passarem fome. Uma forma de retribuir o agrado recebido, era trazer uma novidade para o patrão, como frutas, maxixe, abóbora, milho verde e aipim; também a informação de um animal bom de trabalho de que se tinha conhecimento na região, a fim de que fosse comprado para a renovação do plantel.
A árdua tarefa dos tropeiros complicava-se também durante o inverno que os obrigava a troca da viagem ao longo da noite para durante o dia. Da chuva e do frio se protegiam com as capas conhecidas como colonial, feitas de um grosso tecido de lã quase impermeável e, na cabeça, evitando o capuz da própria capa para não esquentar, preferiam um chapéu de couro tratado com sebo de boi, que impedia encharcar com a molhação.
De pouca ou nenhuma instrução e limitada possibilidade de melhorar de vida, os tropeiros muitas vezes se inveteravam na bebida, tomando-se um problema para o proprietário da tropa, ao ter que encontrar entre os empregados existentes ou mesmo vindos de fora, outros para substituí-los. Às vezes por óbitos, que, na época, eram comuns acidentes de queda de cavalo por embriaguez ou por coices animais.
Reconhecendo a valorosa importância de tantos como Manuel, João, Lino, Sérgio e
outros bravos tropeiros, homens que contribuíram nos primórdios com a economia
de Feira de Santana, o Poder Público Municipal prestou uma justa homenagem, com
a construção de um monumento erigido na praça em frente Centro dc
Abastecimento, por isso denominada Praça do Tropeiro.
ALPINIANO
REIS OLIVEIRA FILHO, feirense, engenheiro civil, Pós-graduado em Gestão
Empresarial pela UEFS. Foi Engenheiro Residente no Projeto C’arajás/PA, pela
INCOBAL LA. Em 1982, ingressou como Engenheiro na EMBASA, onde foi: Gerente do Escritório Regional de Feira de Santana, na qual permanece até a presente data; Gerente Regional de Serrinha; Gerente da Divisão Operacional de Feira de Santana, por duas vezes; Gerente da Unidade de Negócios de Feira de Santana. Escritor é membro da Academia Feirense de Letras.
Transcrito da revista
"História e Estórias dos Séculos XIX e XX (Escritas a cinquenta mãos).
Edição Especial do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana
- 2015 p. 22, 23,24, 25
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