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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quarta-feira, 9 de março de 2022

VILA DO SOURE: O BERÇO DA PRÁTICA DO TERMALISMO NA BAHIA OITOCENTISTA - II


 JOÃO BATISTA CERQUEIRA

VILA DO SOURE: O BERÇO DA PRÁTICA DO TERMALISMO NA BAHIA OITOCENTISTA - I

4. A VILA DO SOURE NO PERÍODO IMPERIAL

Proclamada a independência do Brasil por D. Pedro I (1798-1834), e terminada a Guerra da Independência da Bahia, em 2 de julho de 1823,

D. Pedro I, em 25 de março de 1824, promulga a primeira Constituição do Império. Quatro anos depois, em 1 de outubro de 1828, é promulgada a Lei do Regimento das Câmaras Municipais, conhecida como a Lei dos Municípios, segundo a qual caberia às Câmaras de Vereadores a administração das vilas e cidades brasileiras. Em seguida, foram promulgadas leis que delimitaram o território dos municípios. Segundo Felisberto Freire (1998), o território da Vila do Soure passou a ter os seguintes limites:

                "Começará na fazenda Bury inclusive, aquém do rio Itapicurú, seguindo por esse abaixo até à barra do Carrapatinho e subindo pelo riacho deste nome, compreendendo em busca de suas margens até a fazenda Paraíso, donde seguirá pela estrada velha até o Topo da Catinga que dirige para inambupe, até o logar denominado D. Maria (sem compreender as fazenda Mocambo, Contendas e todas as mais situadas ao nascente da estrada, que ficam conservadas à Villa do Itapicurú) e desta procurando a estrada que segue sempre para a fazenda Alagoinhas inclusive, compreendendo as fazendas Baixa Grande, e Tanque, voltando ao Bury, onde  fechará[1]."

 

Por sua vez, Francisco Vicente Viana (1893), que foi diretor do Arquivo Público da Bahia faz a seguinte descrição sobre a vila, inclusive do território do município:

"Soure - está distante seis quilómetros da margem direita do Itapicurú. É composta de casas térreas, caiadas, não envidraçadas, formando sete ruase uma praça onde se acha a matriz de Nossa Senhora da Conceição, única da villa a execessão da capellinha do cemitério, e um barracão em que se realizam as feiras aos sábados. Sua casa do conselho acha-se na rua de baixo. A villa possue duas escolas. Os habitantes do município ocupam-se com a lavoura do fumo, canna, arroz, milho e feijão e com a criação de gado vacum, lanígero, suíno, caprino, etc. [...] É neste município que acham-se as celebres caídas do Sipó, muito procuradas pelos doentes de peite, estomago e fígado[2].

Quanto ao termalismo, na Bahia oitocentista, o interesse pelo tema foi despertado no presidente da província da Bahia, Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos (1788-1884), ao tomar conhecimento do estudo "Memória sobre as águas naturais da Bahia" da autoria de José Li no dos Santos Coutinho (1784-1836). Médico, professor, deputado e ministro do império, Lino Coutinho foi também primeiro diretor da Faculdade de Medicina da Bahia[3].

Posteriormente, em 1843, o mesmo presidente da província, Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos, nomeou uma comissão para estudos das águas termais das fontes situadas às margens do Rio Itapicuru. Essa comissão era formada pelos médicos Eduardo Ferreira França (1809- 1857) e Ignácio Moreira do Passo, e pelo farmacêutico Manoel Rodrigues da Silva. Segundo Genésio Salies, no relatório da comissãofoi registrado:

"Pelas margens do rio Itapicurú; em uma extensão de 11 léguas, se acham colocadas irregularmente as vertentes das aguas mineraes, que mais ou menos se avizinham de sua borda; apresentam uma temperatura superior à do ambiente (...) as aguas são consideradas como pertencentes à classe dos mineraessalinos e termais e assignaladas como tônicas e excitantes de efeitos purgativo, quando aplicadas internamente. [...] nas doenças chronicas do tubo digestivo, paralysias longas, rheumatismos rebeldes, doenças escrofulosas e rachiticas e em muitas doenças nervosas; na mór parte dos casos em que a economia animal padece de atonia; na dyspepsia, leucorrehéa, choloroses [...] também tem produzido grandes efeitos na cura de moléstias da pelle[4]".

No estudo, foram coletadas amostras das águas das fontes situadas nos territórios das vilas de Itapicuru e do Soure. Na margem esquerda do rio, território da Vila de Itapicuru, ficavam as nascentes da Fervente e Missão. Por sua vez, na margem direita, território da Vila do Soure, ficava a nascente da fonte Mãe D'Água de Sipó. Em seguida na conclusão dos trabalhos da comissão, em 22 de julho de 1843, Dr. Ignácio Moreira do Passo foi nomeado médico diretor das Águas Termais do Itapicuru. Nesse mesmo ano, com recursos do orçamento da província, Dr. Ignácio Moreira foi encarregado da construção da uma casa de banhos no povoado de Mãe DÁgua de Sipó que, concluída em 1847, passou a ser conhecida por Casa da Nação[5].

Nascido na Vila do Soure, onde faleceu em 1887, Ignácio Moreira do Passo, no batismo, recebeu o sobrenome do trisavô paterno, Francisco Carvalho do Passo. Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1840, defendeu a tese doutoral "A syphilis é uma enfermidade contagiosa e específica". Proprietário da Fazenda Brejo Grande, que ficava a cerca de dez quilómetros da sede da Vila do Soure, Ignácio Moreira do Passo prestava assistência aos doentes que procuravam tratamento nas águas termais das fontes das vilas de Itapicuru e Soure, além de atuar na aplicação da vacina contra a varíola[6].

Por cerca de três décadas, Ignácio Moreira do Passo atendeu pacientes e recomendou terapias com o uso das águas termo-medicinais. Além disso, anualmente, encaminhou relatório de suas atividades ao presidente da província da Bahia, até 1874, quando se aposentou. Em decorrência, para ocupar o posto de diretor das Águas Termais do Itapicuru e continuar as práticas terapêuticas que norteavam os tratamentos médicos fundamentados no termalismo, o governo da província da Bahia nomeou outro médico nascido na Vila do Soure. Tratava-se de um aparentado do Dr. Ignácio Moreira do Passo, o Dr. Gaspar Carvalho da Cunha, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1869, quando fez a defesa da tese doutoral intitulada "Causas da febre typhica e sua natureza[7]".

5. A VILA DO SOURE NA REPÚBLICA

A seca assolava o sertão da Bahia à época do advento da República do Brasil, em 1889. Na Vila do Soure, cuja Câmara de Vereadores tinha por intendente o capitão Francisco Barreto Dantas, aliado de Cícero Dantas Martins (1838- 1903), barão de Jeremoabo, em 1893, recebeu a visita de Antônio Vicente Maciel (1830-1897), o Conselheiro. Na vila, embora sem maior envolvimento, o beato fez parte dos protestos realizados entre os dias 10 e 24 de abril. Nos protestos, os comerciantes revoltados se posicionavam contra o pagamento de impostos, e num dos eventos, destruíram as tabuletas que exibiam os valores dos impostos[8].

O movimento foi sufocado por enérgica repressão da força policial, e o juiz Reginaldo Alves de Melo acatou as denúncias contra José Honorato de Souza Neto e os irmãos Antônio José de Santana -conhecido pelo nome de Antônio Tuá - Luís José de Santana e Genuíno José de Santana, além de outros dez revoltosos. Sem qualquer condenação, Antônio Vicente Maciel e seus seguidores tomaram o rumo da Estrada Real da Natuba em direção da Fazenda Buri, que pertenceu a Gaspar Antônio dos Reis. Em seguida, atravessaram o Rio Itapicuru, no local denominado Passagem, e continuaram a caminhada que os levaria a Canudos[9]. 

Praça da Feira do povoado de Cipó, na Vila do Soure -

1927 (Arquivo Teodoro Sampaio do IGH da Bahia).

Quanto aos banhos nas nascentes Mãe D'Água de Sipó, o povoado continuava a atrair a atenção da população e de homens com formação acadêmica. Entre eles, Genésio Salles Filho (1885- 1966), formado pela Faculdade de Medicina da Bahia na turma de 1909, oportunidade na qual defendeu a tese doutoral Fibromyomas do utero e os Laparohysterectomias supravaginaes. Esse médico, em 1923, saindo de Salvador e passando pela Vila do Soure, com a ajuda de ex-intendente José Honorato, chegou a Cipó, que desde 3 de janeiro de 1898, por ato da Câmara da Vila do Soure, foi elevado à condição de distrito da vila[10].

Por sua vez, em 1923, Adriano de Azevedo Pondé (1901-1987), para se formar e obter o título de doutor, pela Faculdade de Medicina da Bahia, apresentou a tese intitulada "Contribuição para o estudo das Águas minero-medicinais do Itapicuru. De acordo com José Antônio de Almeida Souza, que foi aluno do Professor Adriano Pondé:

[...]" o estudo começava com a definição do conceito de águas minerais, fala das propriedades físicas das águas, considerando coloração\ limpidez, fluorescência, índice de refração, cheiro e sabor Além disso, dosou os componentes químicos e fez a análise bacteriológica, na tentativa de provar, fármaco- dinamicamente, porque as águas citadas faziam bem aos Seres Humanos. [...]A ação sobre a diurese, também. Ademais, fez considerações sobre o efeito no aparelho digestivo e relatos de casos de desenssibilização anafilática após o uso das águas de Caídas de Cipó [11].

Além desses, o povoado também recebeu a visita de Teodoro Fernandes Sampaio (1855-1937). Na visita, o engenheiro, geógrafo e escritor fez um conjunto de fotografias que registrou a situação do balneário, inclusive das casas de banho cobertas de palha. Nessas casas, segundo Francisco Dantas de Cerqueira (1922-2012), que à época morava no povoado, em caixões de madeira com água termal, os banhistas e doentes em tratamento, permaneciam parcialmente imersos, por um tempo previamente determinado.

Entretanto, foi Genésio Salles o grande empreendedor em prol do desenvolvimento da estância hidromineral em Cipó, até então distrito da Vila do Soure. Motivado pelas viagens que realizou ao balneário, quando registrava o tratamento de pacientes, escreveu artigos sobre as águas termo- minerais do balneário. Por fim, em 1928, participou e ganhou a concorrência de concessão do governo da Bahia para explorar as águas termais do povoado de Cipó. A partir desse ano, em sociedade com o irmão Américo Salles, Genésio Salles mobilizou forças políticas e económicas dos governos, objetivando apoio ao projeto de modernização das instalações do já centenário balneário[12].

6. CONCLUSÃO 

A colonização das terras banhadas pelo Rio Itapicuru foi começada desde o início do século XVII. Partindo da linha norte de povoamento litorâneo, perpendicularmente, religiosos e colonos, a exemplo de Garcia de SouzaD'Ávila e Antônio Guedes de Brito, adentraram os sertões da Bahia. No nordeste baiano, um dos limites das terras desses dois empreendedora, lusitanos foi o Riacho Natuba, afluente do Rio Itapicuru, próximo do qual, religiosos da Companha de Jesus e donos de sesmarias, aldearam indígenas da nação kiriri efundaram a Aldeia de Nossa Senhora da Conceição da Natuba. Expulsos os padres jesuítas do Brasil, a Aldeia da Natuba foi erigida em vila com o nome de Nossa Senhora da Conceição do Soure e, mediante definição legal, passou a ter a nascente de Mãe D;Água de Sipó. Posteriormente, nos meados do século XIX, essa fonte de águas termo-minerais ao receber investimentos do orçamento do governo da província da Bahia, tornou-se balneário das práticas terapêuticas fundamentadas no termalismo e na medicina. Além disso, nesse balneário, dois médicos também nascidos na Vila do Soure, Ignácio Moreira do Passo e Gaspar Carvalho da Cunha, prestaram relevantes serviços aos pacientes da região.

Banheiros de palha sobre as nascentes termais do povoado de Cipó, na
Vila do Soure-1927 (Arquivo Teodoro Sampaio do IGH da Bahia).

Ao final, conclui-se que a Vila do Soure foi o berço do termalismo médico na Bahia oitocentista. Além disso, com base nos princípios científicos vigentes à época, marcados pelo final da transição da teoria humoral em direção à teoria anatomoclínica, Dr. Ignácio Moreira do Passo deixou um significativo legado sobre termalismo médico na Bahia oitocentista. 



[1] (FREIRE, 1988. p. 228). 

[2] (VIANA, 1893. p. 552).

[3] (OLIVEIRA, 1992. p. 380; SANTOS NETO, 2013. p. 81). 

[4] (BAHIA, 1923. p. 323

[5](CARVALHO, 2008. p. 24; REIS, 2013. p. 53).

[6] (BRITTO, 2002. p. 238; PASSO, 1840. p. 3).

[7] (BRITTO, 2002. p. 238; CUNHA, 1869. p. 3).

[8](DANTAS, 2007. p. 416; SAMPAIO, 1999. p. 37).

[9] (DANTAS, 2007. p. 418; REIS, 2013. p. 20; SAMPAIO, 1999. p. 37

 [10] (IBGE, 2020; SALLES FILHO, 1909. p. 5; SALLES FILHO, 1923. p. 381). 

[11]"(TEIXEIRA; MATOS; OLIVEIRA, 2001, p. 79).

[12] (BRUTO, p. 240; SANTOS NETO, 2013. p. 85).

Transcrito Revista da Academia Feirense de Letras - 2021. Ano XV - 11  

     



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