Símbolos do Santanópolis

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

sábado, 26 de março de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - VII

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

POLÍTICA DE ANTÃO - VI

O GOVERNO

ERA O ANO DE 1963.

A política nacional fervia.

Havia um descontentamento geral com as posições ideológicas do então presidente João Goulart. Os grupos dominantes não estavam satisfeitos com as reformas intencionadas pelo então presidente.

A UDN já se articulava para fazer um grande levante nacional contra as reformas de base.

A Igreja se confundia com o Estado.

Havia movimentos contrários ao governo que articulavam aplicar um golpe de estado e destituir o Presidente. A insatisfação era muito grande nos círculos militares. Havia, naquele início da década, uma mudança no mundo.

As mulheres já se articulavam pela sua emancipação. A juventude se rebelava contra as fórmulas do conservadorismo. Estava acontecendo uma ruptura social. As estruturas arcaicas ruíam enquanto davam lugar a uma modernidade constituída por uma geração pós-guerra. Novos ídolos estavam surgindo no mundo todo. A penetração do americanismo na cultura da América Latina era latente. O Brasil se industrializava e novos padrões de consumo se estabeleciam. Mas, o medo das mudanças do governo fez com que o ano de 1963 fosse agitado.

A Marcha da Luta com Deus Pela Liberdade, com a campanha Ouro pelo Brasil, incentivou a vários cidadãos a se disporem de suas joias para entregá-las ao governo, numa esperança de que seria para pagar dívidas da nação e sair em busca de dias melhores.

A Tradição Família e Propriedade (TFP), movimento radical de direita, composta por jovens vestidos a caráter, segurando estandartes pelo centro das grandes cidades, insuflando a juventude a uma luta armada e praticando o terrorismo de direita. As células, ditas comunistas, se proliferavam num movimento agitado de resistência às novas idéias e ideais.

A pílula contraceptiva colocou a Igreja numa posição delicada em relação às mudanças. A Igreja, presa ao conservadorismo, não aceitava esse tipo de evolução. Novas estações de TV e de rádio surgiram. Houve uma invasão de cultura externa no nosso país. Os filmes na TV alienavam ainda mais a juventude, vendendo uma realidade diferente da nossa.

Papai sabe tudo, Roy Rogers, Bat Masterson, Lassie, Rim-Tim-Tim, Aventura Submarina, Perdidos no Espaço, Vigilante Rodoviário, Nacional Kid e tantos outros seriados apresentados traziam uma forma de vida invejável.

Os comercias, ou reclames, como eram chamados naquela época, faziam com que a nossa sociedade passasse a consumir cada vez mais. A indústria automobilística invadia nossas ruas com modelos ultramodernos. Aos poucos, os carrões pretos eram substituídos pelos DKW's, Vemaguet's, veio o Sinca Chambord, Sinca Três Andorinhas, Rural Willys, Aero Willys, o Fusca, o Fuscão e tantos outros carros passaram a fazer parte da nossa paisagem urbana.

A indústria alimentícia cada vez mais oferecia produtos industrializados, facilitando a vida das donas de casa. Passou-se a consumir muito mais pela embalagem bonita do que pela qualidade do produto oferecido.

No vestuário, as mulheres saíram ganhando. Desapareceram os saiotes, as anáguas, os corpetes. Cada vez mais as mulheres passaram a usar cada vez menos.

Nas praias vieram os biquínis.

O poético e romântico Rio de Janeiro daquela época ditava a moda nacional. Havia um ar de ingenuidade naquela juventude que andava de Lambreta e Vespa. As moças andavam de mini-saia, a grande sensação da época. Meias de náilon com costura atrás, que deixava as pernas mais sensuais. Cabelos com penteado Page, franginha, permanente, enchimentos, laquês.

Surgiam as primeiras lanchonetes. As gasosas já se bebiam com o revolucionário canudinho, feito em papel parafinado. As belas refresqueiras que jorravam o refresco numa cascata colorida e a gente ficava horas admirando aquela inovação. Os sanduíches de três ou quatro andares. Tudo era novidade num país que estava adormecido no tempo. A Revista do Rádio que depois passou a se chamar Revista da TV, trazia fotos dos artistas famosos da época que faziam muita gente suspirar e até invejar seu modo de vestir a exemplo de Elvis Presley, Virginia Lane, Carmem Miranda, embora falecida em 1954, ainda empolgava com a sua maneira de se trajar, com roupas coloridas e tamancos altos.

A Radio Nacional do Rio de Janeiro, com seus programas de auditório causavam na juventude daquela época um verdadeiro delírio, na vontade de conhecer de perto seus ídolos. As radionovelas faziam a juventude suspirar, abstraindo-se com as histórias de amor. As fotonovelas também aguçavam o imaginário, nasciam ídolos e ícones românticos em cada época.

Roberto Carlos já estourava nas rádios com Parei na Contramão. Erasmo Carlos e sua Festa de Arromba. Gírias estavam se proliferando no meio jovem, fazendo com que criassem dialetos diferenciados e exemplo de: legal; cara; arromba; mixou o carburetoA grande sacada do momento era conseguir no contrabando uma calça Lee, desbotada, de preferência, e que muitos jovens quando não podiam comprar uma, pegavam uma calça de brim e colocavam de molho na água sanitária para fazê-la desbotar.

Era, em verdade, uma mudança radical nos costumes de uma nova geração que estava surgindo.

Os Beatles já ditavam a moda dos cabelos compridos para homens. Foi talvez o maior símbolo da rebeldia masculina, numa época em que um jovem pra usar calça comprida tinha que pedir permissão ao pai.

Pois, foi neste país de costumes arcaicos e que de repente se viu uma mudança radical, que entramos na revolução social sem darmos conta de que estávamos embarcando numa viagem perigosa, onde hoje não se tem controle da violência urbana, onde a vida não tem valor, onde as drogas dominam a sociedade que se dizia organizada, onde se perdeu a noção de limites, onde direitos sobrepõem os deveres, onde o governo não constrói escolas, mas investe em presídios, onde a mídia fabrica heróis e vilões. Enquanto “evoluíamos” nos estereótipos, degradávamo-nos na dignidade.

Mas voltemos a nossa cidade de Nossa Senhora das Dores, que não foi diferente das outras cidades. Lá também tudo isso acabou chegando de repente.

Coronel Salustiano estava assustado com a transformação da cidade que ajudou a construir. Estava assistindo a tudo com um olhar crítico e ao mesmo tempo preocupado com seus filhos que já estavam adolescendo. Essas transformações sociais mexiam muito com a sua formação arcaica de sertanejo rude, acostumado com padrões rígidos de comportamento.

Após o discurso da Candelária, proferido pelo presidente João Goulart, no início do mês de março desse ano, o coronel Salú recebeu um telegrama urgente, convocando-o para uma reunião em Recife, na sede do seu partido, a UDN.

Ao chegar à reunião, ficou sabendo, em caráter sigiloso, que estava em curso um movimento militar para destituir o presidente da República e dar um golpe de Estado. Todos aqueles que estavam com o governo Goulart seriam destituídos dos seus cargos e os que resistissem ou tivessem qualquer envolvimento com o partido comunista, seriam presos ou exilados.

O coronel voltou assustado com a notícia, ainda mais quando lhe disseram que ele assumiria a Prefeitura de Nossa Senhora das Dores, em substituição ao prefeito Gilberto.

Retornou à sua cidade sentindo que carregava um enorme peso nas costas, mas mesmo assim, a vaidade falou mais alto, afinal de contas ele, coronel Salú, havia sido derrotado pelo prefeito Gilberto nas ultimas eleições.

O coronel sabia que o povo estava satisfeito com a nova administração. O prefeito Gilberto havia construído nos fundos da prefeitura a Farmácia do Povo, vendendo remédio barato, e o povo que adora se automedicar lotava a farmácia pra comprar vitaminas. Não sei por que o povo adora uma vitamina e “remédio de verme”.

Algumas ruas já estavam sendo calçadas a paralelepípedo, ou estavam sendo patroladas. A Praça da Matriz foi totalmente modificada. Arborizaram os canteiros, colocaram meio-fio demarcando a rua, enfim, a cidade tinha um aspecto mais humano e urbano.

O novo delegado da cidade era chefe do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e estava fazendo uma campanha social cuja finalidade era educar a juventude para a formação de cooperativas.

Certo dia chega à cidade um caminhão vindo de São Paulo, carregado com luminárias e seus respectivos braços metálicos para fixação nos postes, para dotar a cidade de um moderno sistema de iluminação pública. Como o caminhão chegou ao final da tarde, só pode ser descarregado à noite. Um olheiro do coronel foi correndo até a fazenda informar que um caminhão havia chegado carregado com armamento pesado, fruto de uma encomenda feita pelo prefeito para se fortalecer numa provável luta armada contra o exército brasileiro.

O coronel bastante assustado perguntou:

-       O que você está dizendo?

-       É isso mesmo coronel, chegou um caminhão de armas na cidade.

-       E onde está esse caminhão?

-       Até a hora que eu vim pra cá, ele estava na porta da prefeitura.

-       Mas já descarregou esse tal caminhão?

-       Não sei não senhor...

-       Já anoiteceu, acho que só vão descarregar amanhã pela manhã e eu vou ver isso de perto. Volte pra cidade e qualquer coisa me avise. Amanhã eu me encontro com o senhor logo cedo.

-       Tá certo, coronel, amanhã eu me encontro com o senhor.

O coronel se sentou na varanda, contemplou o tempo e preocupado, batia com um chicote de couro na panturrilha da sua bota, num ritmo constante como se tivesse uma cadência.

Seu Roberto, que já o conhecia há muito tempo, se aproximou e perguntou:

-       O coronel tá preocupado com o quê?

-       Seu Roberto, estamos caminhando para uma revolução armada...

-       O quê?

-       É isso que o senhor ouviu... Uma revolução armada aqui na nossa cidade, que já foi um dia muito pacata, mas agora está nas mãos dos comunistas.

-       Coronel? O que o senhor tá dizendo?

-       Isso que o senhor ouviu... Tem um bando de comunistas tomando conta da cidade... Vamos ter que reagir de forma enérgica, colocar um por um na cadeia. Vamos torturar, matar, vamos fazer com que eles confessem onde estão todos os outros... Vamos buscar cada um deles, matar, esquartejar, meter o cacete e limpar a cidade.

O coronel estava furioso com tudo aquilo. Seu ódio era maior que a razão.

Seu Roberto, que não sabia que diabos era comunista, correu pro seu quarto e se escondeu, morrendo de medo. Que diabos seria comunista? Passou a noite em claro, num verdadeiro pânico; afinal, o coronel falou que a cidade fora invadida por comunistas e ele nem sabia o que era.

Ao amanhecer, seu Roberto entra na cozinha de fogão à lenha e Victória Régia estava preparando o café da manhã, quando seu Roberto se aproxima dela e pergunta baixinho?

-       Ocê sabe o que é cumunista?

Victória Régia, na sua santa ignorância, pensa que seu Roberto está procurando ousadia e responde:

-       Acho mió ocê caçá o que fazê, eu sei o que é cumunista, mas não vô dá prá ocê nunca. Meu cumunista não dô pra ninguém e se ocê ficá insistino vô contá pra dona Mengarda que ocê tá procurano vadiage comigo.

-       Oxe mulé... O coroné mi disse que a cidade tá cheia de cumunista, num preciso do seu, é só eu saí que pego um monte.

-       Intão, vá caçá outro... O meu eu levo no caixão comigo... Ninguém toca nele...

-       Num sei por que ocê guarda tanto... O coroné me disse que vai pegar seu cumunista, vai torturar e meter o cacete...

Victória Régia deu um grito saiu correndo e assustada foi procurar D. Emengarda pra contar o que estavam planejando fazer com ela.

Seu Roberto, agora já sabia o que era cumunista. Balançou a cabeça deu um sorriso e foi dormir um pouco.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Filme do Santanopolis dos anos 60