Símbolos do Santanópolis

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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domingo, 4 de outubro de 2020

LANÇADO LIVRO DE MARCONDES

 Marcondes Araujo: Meu romance Doralice e o Minotauro já está à disposição no site do Amazon. Trata do poder transformador da arte na vida das pessoas, e das falsas representações que cada um faz de si próprio, perante os outros e perante si mesmo. Veja o primeiro capítulo:

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"Seu nome era Tertuliano Degá. Retratista do sertão. Ganhava a vida assim, perambulando pelas brenhas e grotões do interior, parando onde houvesse um mínimo de organização política e social que permitisse o florescimento das virtudes cívicas, militares e eclesiásticas. Tão logo identificava as pessoas virtuosas do lugar, mostrava-lhes o quanto era capaz de imortalizá-las, retirando de uma surrada pasta de papelão retratos de personalidades, fictícias ou reais, que haviam sido transformadas em figuras eternas, legendárias e universais.

Apostava nos recônditos delírios de grandeza dessas pretensas celebridades provinciais, na forma como gostariam de ser vistas pelos simples mortais, incluindo elas próprias. E sempre alcançava bons resultados. Assim, houve casos de prefeito que se fez retratar como Napoleão Bonaparte, com a mãozinha enfiada por debaixo de um arrochado colete branco; de delegado de polícia envergando um floreado chapéu de couro do cangaceiro Lampião; de vereador envolto por uma solene túnica de senador romano; de juiz de direito usando uma daquelas hilariantes perucas dos magistrados britânicos; de primeira-dama ostentando um reboculoso penteado de Jaqueline Onassis, no tempo em que ela era a esposa de John Fitzgerald Kennedy; de secretária de Educação posando com um daqueles enflorecidos chapéus das damas parisienses pintadas por Pierre Auguste Renoir; de diretora de creche municipal fazendo aquele oscular biquinho de Marilyn Monroe, popularizado por Andy Warhol; de um maestro de filarmônica, negro, com a cara carrancuda e a cabelereira revolta de Ludwig Van Beethoven; de um advogado gorduchinho e fanfarrão fazendo a famosa pose de um Ruy Barbosa meditativo, apoiando delicadamente o rosto nos dedos suavemente encurvados; e de um padre beberrão e comilão com a cabeça rodeada por aquela aura estrelada dos santos medievais. Todas essas caracterizações eram habilmente acrescentadas por Tertuliano Degá na reprodução de uma fotografia original do cliente, e, mesmo se o resultado ficasse um tanto quanto inverossímil e desproporcional, o sucesso era sempre indubitável.

A permanência de Tertuliano Degá em uma cidadezinha do sertão durava apenas o tempo necessário para ele concluir os seus retratos. Fazia de tudo, então, para que sua retirada ocorresse de forma glamorosa, e o firmasse como uma figura admirada e inolvidável, para sempre incrustada na memória iconográfica dos dirigentes do lugar.

Sua retirada triunfal era marcada por um pomposo vernissage em espaço nobre da cidade. A importância política, religiosa e social dos retratados atraía um grande número de pessoas, que formavam filas enormes para contemplar as suas obras. “Ele acertou em cheio! Tem tudo a ver com o senhor!”, era o que diziam os espectadores, dirigindo-se reverenciosamente ao retratado, que se posicionava, empertigado, ao lado do seu retrato, para receber os encômios e os tapinhas nas costas dos seus admiradores incondicionais.

Tertuliano Degá, por sua vez, vestido num terno preto e engomado, postava-se à entrada do espaço cultural, aparando os deslumbrados cumprimentos dos visitantes. “Parabéns! O senhor é um grande artista!”, era o que todos diziam. Ele sorria discretamente, baixando um pouco a cabeça, os olhos lacrimejados, em comedida emoção. Era sua glória. Saía realizado, e com dinheiro suficiente para começar tudo de novo, em um outro lugar, em um outro grotão, na busca incessante pela construção ou a reconstituição de novas personalidades."

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