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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A TELEVISÃO - I

 

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.

[...] Tem fatos que merecem ser bem contados. Esse é um deles. A chegada do primeiro aparelho de TV na cidade [...]

    ERA O ANO DE 1959. A região recebia a primeira antena repetidora de sinal de televisão. Ao saber desse evento, coronel Salú foi a Recife e comprou uma TV e todos os equipamentos necessário, para instalar o aparelho, bem como trouxe um técnico para executar o serviço.

    Deoclécio havia comentado com um colega de escola e este comentou em casa e a notícia acabou caindo no ouvido do Seu Zeca, que, por sua vez, se incumbiu de contar pro resto da cidade. Foi um alvoroço. Uns se colocaram a favor da novidade; outros, mais céticos, preferiram esperar o tal aparelho pra depois se posicionarem. Seu Zeca fazia questão de dizer que não via a hora de receber o coronel. Começou a organizar uma recepção festiva. Mandou comprar em Parnamirim uma caixa de rojão de seis tiros, embandeirou a praça, afinal, o coronel teria que passar por lá pra pegar a estrada da fazenda. Sabia-se que o aparelho de TV chegaria no sábado, só não se sabia a hora, pois estava vindo com o coronel no seu Jeep.

Logo cedo, o povo estava pela praça esperando.

O sinal seria um rojão de seis tiros na entrada da cidade dispa­rado pelo soldado Basílio, que ficou de plantão por ordem do dele gado Gilberto. Assim que o Jeep apontasse no topo da ladeira, que distava quatro quilómetros da entrada da cidade, o soldado teria que acender o rojão para avisar que o coronel estava chegando.

Foi uma ansiedade enorme, até quem não sabia do que se tra­tava estava arrumado com a sua domingueira esperando sabe-se lá o quê. Alguns até que já tinham ouvido falar em aparelho de TV. Sabiam que apareciam pessoas pequenas dentro desse aparelho, vindos de não se sabe de onde. Os mais fanáticos começaram apregoar que era o fim do mundo, que estavam trazendo para a cidade o começo do apocalipse.

    Dez horas da manhã, e nada do Jeep do coronel apontar no topo da ladeira. As crianças brincavam na praça, alguns músicos cochilavam no coreto devido ao sol escaldante. Esses músicos faziam parte de uma filarmónica, que foram buscar em Parnamirim, logo cedo. Só atentaram para os músicos quando o tocador de tuba  caiu no chão do coreto. Ele havia se sentido mal e teve uma verti­gem. Foi um alvoroço, o músico teria que se recuperar logo, pois não se sabia a hora que coronel entraria na cidade. Providenciaram água para todos e aparentemente, estava tudo sobre controle.

Meio dia. O sol estava a pino e quente como nunca estivera. O corre-corre havia cessado. A euforia estava bem mais amena. Apenas se ouvia o barulho do vento passando por entre as copas das árvores. Nem os pássaros cantavam mais. Algumas pessoas foram para casa almoçar. Seu Zeca, mentor intelectual da recepção teve que arcar com o almoço dos músicos. Esses se aproveitaram para beber o máximo que podiam. Comeram sardinha em lata com farinha. quitute de boi enlatado, várias latas de salsicha, uma mortadela inteira, bolo de tapioca, e até um traseiro de bode assado, que havia por lá, eles comeram. Fizeram uma limpa no bar do seu Zeca. Beberam tudo o que tinham de direito e mais alguma coisa.

    Já passavam das quatro horas da tarde e a multidão já havia retornado para a praça. Os músicos estavam quase todos dormindo no coreto. Havia vómito pelo chão. O maestro estava caído ao lado de um um tambor e mal podia abrir os olhos. A tarde estava caindo quando de repente, ouve-se o rojão pipocar na entrada da cidade.

Foi um corre-corre. Arruma tudo, seu Zeca e mais uma comitiva prepara os foguetes, os músicos se aprontam no coreto, afinam os instrumentos. Foram buscar padre José na casa paroquial, pois ele tinha que benzer o aparelho.

Pronto... Tudo arrumado. Agora é só o coronel chegar com a TV.

Às quatro horas e trinta e sete minutos, daquela tarde de sábado, a vida da cidade não mais seria a mesma. Eis que o Jeep do coronel Salustiano entra pela praça.

Os fogos estouram no ar, o povo aplaude efusivamente, a filarmônica toca um o frevo vassourinha, o povo ferve na praça. A multidão cerca o veículo que conduz uma caixa mágica.

Coronel Salú, ainda sem entender, buzina e chama seu Zeca para junto dele.

 O senhor pode me explicar o que está acontecendo?

Seu Zeca pulando junto com o povo grita para ser ouvido.

-    E a festa da cidade pela chegada do aparelho de TV. O senhor trouxe a mudança, coronel... Trouxe a mudança.

E saiu. misturando-se ao povo.

O coronel, com medo de o povo danificar o aparelho, não parou o Jeep um momento sequer. Depois de dar várias voltas pela praça, pegou o caminho da fazenda e só veio perceber que o técnico havia sumido de dentro do veículo, quando chegou em casa.

Continua A TELEVISÃO - II 

Trecho deste livro




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