UMA MULHER, UMA SAGA E A FALTA DE
RESGATE DA NOSSA HISTÓRIA.
Confesso sem pejo que fui um
menino “malino” (adjetivo que os mais antigos usavam
para qualificar o menino endiabrado, impossível de ser domado), era um “menino
que tinha outro por dentro” devido a enorme excitação que me assaltava todas as
vezes que via algo que me despertava a curiosidade. Hoje compreendo o porquê
disto e agradeço a Deus esta inquietude infantil. Isto me fez procurar acumular
um cabedal que dinheiro nenhum compra: o Saber. Se O Supremo Arquiteto do
Universo não me deu bens materiais, mas dotou-me de uma fome insaciável de
aprender mais e mais. Para mim, o importante não é apenas “conhecer”, mas
“saber”. Pois bem...
Ouvia falar de uma figura histórica fascinante, mas pouco
conhecida, as referências eram de que ela houvesse sido uma mera coadjuvante na
Independência na Bahia e do Brasil: Maria Felipa de Oliveira. Sempre que lia
algo sobre ela, via nas entrelinhas que a História não lhe fazia justiça. Mesmo
tendo sua saga contada de geração a geração pelos habitantes de Itaparica, ela
era, apenas, uma mulher tida como bandoleira e prostituta por alguns e alijada
por ser negra, do sexo feminino, semianalfabeta e pobre. Se por um lado, a população
da Ilha se enchia de orgulho por conhecê-la de perto, por outro havia o medo de
represálias, o preconceito, a ponto de Dona Zizi, nativa da Ilha de Itaparica e
uma das suas bisnetas, acreditar que seria presa se contasse a estranhos as
façanhas de sua antepassada...
UM POUCO DA HISTÓRIA DE MARIA
FELIPA
A diáspora que cercava Maria Felipa começou a ser
desfeita e sua história tomar forma a partir de 2002, quando pesquisadores
(professores e alunos) das Faculdades Integradas Olga Metting, de Salvador-Bahia,
com a parceria de entidades como EWG; SEBRAE; CDL; Hotel Nativos-Aratuba
e COMAB, passaram a pesquisar in loco
a vida da personagem, num trabalho de reconstituição histórica em 32
comunidades da Ilha de Vera Cruz, apoiado pela prefeitura local de Itaparica-Bahia.
Este grupo garimpou documentos raros, encontrados em arquivos dentro e fora da
Ilha e fez surgir, embora ainda cercada de mistérios e lendas, a história de
uma verdadeira heroína que parecia condenada a ser uma “vaga lembrança”.
Diziam os mais antigos que Maria Felipa era uma bela
mulher! Nascida na Ilha de Itaparica, muito atraente e, além do elegante porte
físico, era conhecida como valente, possuindo habilidades de capoeirista, o que
muito a ajudou a luta corpo a corpo com os portugueses. Costumava se apresentar
na linha de frente das lutas com as saias amarradas nas pernas, o que lhe
facilitava os movimentos nos passos da capoeira. Os portugueses ficavam
surpresos com a agilidade dela e de outras mulheres e isso facilitava a fácil
vitória dos nativos. Descendente de africanos sudaneses, vivia da
comercialização de mariscos, embora alguns lhe acusem de ser prostituta. Tinha,
então, na época da Guerra pela Independência da Bahia, segundo se presume, a
idade de 22/23 anos. Esta mulher simples, sempre de saias rodadas, torso sobre
a cabeça, vestindo bata e calçando sandálias, ela figura entre os heróis da
luta pela liberdade em nosso país, sendo considerada a “Matriarca da Independência de Itaparica”.
Forte de São Lourenço. (acervo do autor) |
Estive na Ilha de Itaparica e, atraído pelo mistério
que cerca a história de Felipa (ah, doce vontade de saber mais...), fui
conhecer mais sobre esta formidável mulher, conversando com alguns nativos. Ali
visitei, também, o Forte de São
Lourenço construído em 1631, por ocasião das invasões holandesas. No Forte, fomos ciceroneados por um guia que nos acrescentou um pouco mais da história da resistência do povo ilhéu e da importância estratégica da Ilha em relação à capital do Estado, o que justificara a construção do forte. Em 1647, a fortificação foi ocupada pelos neerlandeses, que fizeram dali uma base para ataques à capital baiana. Fustigados pelos portugueses, em 1648, não sem antes destruir as fortificações, os invasores holandeses se retiram para Recife. Só em 1711 é que o forte foi recuperado, por ordem do Vice-rei D. Pedro Antônio de Noronha Albuquerque e Souza, mas, depois de anos sem serventia, foi fechado na segunda parte do século XX. Finalmente, após permanecer 45 anos fechado, a prefeitura de Itaparica, reformou-o inteiramente e transformou-o num museu em homenagem à Independência da Bahia (embora ainda com acervo resumido e em fase de coleta de material, recomendo a visita).
Lourenço construído em 1631, por ocasião das invasões holandesas. No Forte, fomos ciceroneados por um guia que nos acrescentou um pouco mais da história da resistência do povo ilhéu e da importância estratégica da Ilha em relação à capital do Estado, o que justificara a construção do forte. Em 1647, a fortificação foi ocupada pelos neerlandeses, que fizeram dali uma base para ataques à capital baiana. Fustigados pelos portugueses, em 1648, não sem antes destruir as fortificações, os invasores holandeses se retiram para Recife. Só em 1711 é que o forte foi recuperado, por ordem do Vice-rei D. Pedro Antônio de Noronha Albuquerque e Souza, mas, depois de anos sem serventia, foi fechado na segunda parte do século XX. Finalmente, após permanecer 45 anos fechado, a prefeitura de Itaparica, reformou-o inteiramente e transformou-o num museu em homenagem à Independência da Bahia (embora ainda com acervo resumido e em fase de coleta de material, recomendo a visita).
O forte está localizado na ponta da Baleia, extremo
norte da Ilha de Itaparica, atual Praça Getúlio Vargas s/n. Ao chegarmos,
vemos, à porta do forte, placa do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia em
memória dos heróis da Independência da Bahia, além de um painel em azulejo, que
reproduz trecho da obra de Ubaldo Osório.
MARIA FELIPA E SEUS FEITOS
HERÓÍCOS
Como todo brasileiro sabe, em 7 de
setembro de 1822, o Imperador D. Pedro I proclamou a Independência do Brasil,
mas, sem muito sucesso, pois havia três séculos de escravidão de africanos e o
poder nas mãos de poucos. O ato de D. Pedro não foi aceito por algumas
províncias comandadas por governadores portugueses com a sustentação de tropas.
Dentre estas províncias, nossa Bahia. Para formação de um exército brasileiro,
o imperador viu-se forçado a contratar líderes estrangeiros pois as tropas
portuguesas recebiam ordens diretamente de Portugal. Além disso, havia a negativa
de senhores de escravos em cedê-los para servir ao Brasil... A insatisfação
aumentou e escravos fugiram, unindo-se a grupos formados por brancos, mulatos,
índios, todos juntos em nascentes movimentos libertários, surgidos a partir de
populares brasileiros, à margem da lei portuguesa.
(continua na próxima postagem)
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