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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ANTONIO PINTO, MEU PAI

RAYMUNDO ANTÔNIO CARNEIRO PINTO

In memoria

        Quero adiantar, de logo, que meu pai-Antonio Cypriano Pinto - não foi político, empresário nem teve especial destaque na cidade em que morou todos os oitenta e cinco anos de vida. Tomei a iniciativa de escrever sobre alguns dados de sua modesta biografia por entender que seria importante registrar num breve depoimento, para os feirenses de hoje, como se comportou no passado um simples cidadão que, sem ter ocupado altos cargos, deu uma parcela considerável, embora discreta, de contribuição à comunidade a que pertencia. Como filho único muito ligado a ele, sou testemunha da prática diária daquela que foi a sua qualidade mais marcante: a honestidade (de que tanto carecem, na atualidade, conhecidas figuras de várias áreas em nosso país!).
Antonio Pinto
(acervo do autor)

        
Nasceu em 1889, pouco antes de ser proclamada a República, numa pequena fazenda da zona rural de Feira de Santana, que tinha como proprietários meus avós Joviniano Pinto e a esposa Francisca. Mesmo não sendo o mais velho dos dez irmãos, seus contemporâneos reconheciam a inegável liderança que exercia, sempre convocado para resolver toda sorte de problemas, inclusive familiares. Casou com minha mãe Isabel aos 43 anos e justificou o atraso dizendo que “não teve tempo antes...” Um fato pitoresco que acompanhei na minha infância: uma certa sobrinha perdeu a virgindade com um homem casado e o pai a expulsou de casa. O lider impôs sua autoridade e exigiu que o severo pai aceitasse a filha de volta (que casou depois e foi feliz). Cito esse acontecimento para demonstrar que meu velho, diante dos rígidos costumes antigos, já mostrava uma mentalidade avançada para a época. Na infância, lembro que tomei poucas surras, mas depois, se errasse, sofria um “castigo moral”, ou seja, era proibido de ir ao cinema ou aproveitar algo que gostava. Descobri que ele não admitia atos de violência.

Nunca se desgarrou dos conhecimentos que adquiriu no campo. Como se sabe, realizava-se em Feira, no passado, uma das maiores feiras de gado do país. Entre os que comerciavam no local, meu pai era considerado o mais entendido. Quando a boiada entrava na balança e o velho calculava o peso aproximado em arroubas, quase sempre acertava ou errava por quilos. Foi intermediário na compra de gado para grandes proprietários de açougues em Salvador. Por muitos anos trabalhou para Antonio Rocha, o maior comerciante de carnes da Capital naquele tempo. Gostava da construção civil. Foram da inciativa dele as primeiras modestas casas da atual Rua Cristóvão Barreto (antigo “Pilão sem tampa”), que as alugava a preços módicos. O mestre de obras era o negro João Pascoal, que veio a tornar-se seu melhor amigo. Não alimentava qualquer preconceito. Tinha pena dos inquilinos inadimplentes e se orgulhava de nunca ter dado entrada na Justiça de uma ação de despejo.

         Não tinha o curso primário completo, mas gostava de ler, ouvir rádio, depois substituído pela TV, e conversar com amigos, mantendo-se sempre bem informado. Minha esposa Shirley, quando diretora da Biblioteca Municipal, custava trazer livros para ele ler, sendo Humberto de Campos seu autor preferido. Nunca deixou de me incentivar no sentido de cultivar os estudos. Apesar de ser um homem de reduzidas posses, conseguiu o mínimo suficiente para me manter, com dignidade, em Salvador durante os oito anos em que frequentei o Colégio Central da Bahia e a Faculdade de Direito da UFBA. Já atuando como advogado, um dia ele me confessou que gostaria que eu me formasse em engenharia. Mais uma vez revelou outro lado positivo: nunca tentou interferir na vocação profissional do filho.

Raymundo e Antonio Pinto (acervo do Autor)

            Tendo-se aposentado por volta dos 70 anos, meu pai não se acomodou. Ele era grande admirador dos serviços humanitários prestados pela Santa Casa da Misericórdia. Na década de cinquenta, durante a administração do provedor Wilson Falcão, deputado federal e conhecido médico, o velho assumiu a tesouraria por quatro anos (1953 a 1957) e também tinha a seu cargo cuidar do Cemitério Piedade. O hospital daquela instituição funcionava, a princípio, na Praça Padre Ovídio. Uma forte chuvarada em 1955 fez ruir uma parede do prédio, estando ausente o provedor. Coube ao tesoureiro tomar a iniciativa de fazer a mudança para a sede atual, mesmo ainda inacabada. Auxiliou-o na tarefa o companheiro de diretória padre Mario Pessoa. Até hoje me emociono e me deixa orgulhoso quando recordo que o provedor Dr. Wilson, ao falar de honestidade, disse a mim e a muitas pessoas que “Podia-se confiar aAntonio Pinto ouro em pó”. João Marinho, figura de relevo na História de Feira, tendo sido seu prefeito, foi sócio, um certo tempo, de uma empresa baiana que comerciava com bois, à qual meu pai serviu. Pois bem, aquele excepcional empresário proclamou um dia para muita gente ouvir: “José Soares e Antonio Pinto foram os dois homens mais honestos com quem eu trabalhei”. Esclareça-se que o primeiro citado, muito respeitado na cidade, foi gerente do antigo Banco da Bahia, que teve João Marinho como um dos sócios. Ainda como aposentado, foi nomeado Juiz de Paz, um cargo honorífico que chegou a ter uma certa importância no passado distante, mas, no tempo em que ele exerceu, limitava-se apenas a presidir a cerimónia de casamentos civis quando estavam ausentes, em finais de semana, todos os juízes togados da comarca. Na época, o velho, com certeza, jamais pensou que o filho viria a ser um magistrado de verdade!...

Nas linhas acima, tive oportunidade de narrar alguns poucos fatos que marcaram em mim a personalidade de meu pai. Eram variadas suas qualidades e me orgulho de todas elas. Para honrar seu nome, sinto-me obrigado a seguir, em especial, seus passos no que entendo ter sido o maior exemplo que me deixou: a honestidade.    

 

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