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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A DEMOCRACIA É UMA REALIDADE OU UM SONHO?

O conceito grego de democracia (“demos”, povo, e “kratos”, poder) foi proposto pelos pensadores modernos no século XVIII e tornou-se uma proposta generalizada no século XIX. Hoje é uma ideia universal, mas a prática tem-se mostrado muito mais complicada.

Para começar, levanta-se a questão do que quer dizer, realmente, democracia. E, para acabar, é interessante avaliar como o conceito evoluiu e quantos países cabem hoje dentro dessa classificação. Ou, pondo as coisas doutra maneira, a democracia é uma forma estável e definitiva de governação, ou apenas um “chavão” que está cada vez mais longe de se tornar universal?

 

Depois da expressão “democracia liberal” se ter tornado uma espécie de panaceia universal (o que foi acontecendo ao longo do século XX), a grande maioria dos regimes políticos faz tudo o que pode para serem considerados democracias. No entanto, um estudo actual, feito pela “Intelligence Unit” da revista “The Economist”, considera que 37,1% dos regimes são autoritários, 17,2% “híbridos”, 39% “democracias defeituosas”, e apenas 6,4% democracias completas.

 

Esta classificação, como todas as classificações, é arbitrária e talvez exigente demais, mas, mesmo considerando, as classificações “defeituosas” e “completas” juntas, não temos mais do que 45,4 regimes realmente democráticos — isto é, em que os órgãos dirigentes são escolhidos pelo povo, directa ou indirectamente, e existe liberdade de expressão e auto-regulação. É muito pouco, para uma ideia considerada tão boa — “A pior que existe, com excepção de todas as outras”, na famigerada definição de Churchil que se tornou um lugar-comum sempre que se fala da democracia.

 

Uma prova de que o conceito de democracia não é tão científico como se poderia supor — depende dos índices escolhidos, como “liberdade de expressão”, ou “percentagem de eleitores”, entre muitos outros — é que uma organização tão independente como o Pew Research Center, do Fórum Económico Mundial, afirma que há mais democracias plenas em 2016 do que havia em 1976. Este índice considera que na última data, tanto a Federação Russa como a Turquia e o Egipto são do modelo “misto”, o que obviamente não é verdade.

Aliás, se a Federação Russa não pode ser considerada uma democracia — nem sequer tem um mecanismo constitucional de sucessão — a Turquia e o Egipto são dois exemplos de outro tipo de desvio, a que podemos chamar de “falsa democracia” e onde podemos incluir a Hungria e a Venezuela, por exemplo. Nestes casos, há constituições democráticas e até eleições, mas os condicionamentos e até mesmo as ilegalidades encapotadas e descaradas fazem com que o regime no poder seja inamovível.

Outros casos duvidosos são aqueles países em que a democracia existe mas está em sério perigo de ser menos democrática. Veja-se o discurso do Presidente Biden, ainda esta semana: “A própria democracia está em disputa na próxima eleição (intercalar de Novembro) Nada está garantido na democracia americana. Todas as gerações têm de a defender, proteger e optar por ela. Porque a democracia é isso: uma escolha.” Que o presidente tenha de fazer uma afirmação destas, é um péssimo sinal. Aliás, nos últimos anos o mundo descobriu que afinal de contas a famosa democracia norte-americana, a primeira consagrada numa Constituição (1788) está repleta de falhas, omissões e nebulosidades. O próprio sistema, que consagra eleições indirectas através de colégios eleitorais, é perigoso; até à data há minorias prejudicadas no direito ao voto; e o sistema bi-cameral não é verdadeiramente representativo do peso dos Estados.

O caso dos Estados Unidos, ameaçado pelo extremismo do Partido Republicano, que até nega a validade de eleições transparentes, traz à pedra outro problema: a subida exponencial dos partidos radicais, cujos programas ameaçam várias vertentes do sistema democrático. É o que se verifica em França, e o que acaba de se ver nas eleições em Itália. É também o que está a acontecer naquela que é considerada a mais antiga democracia ocidental, no Reino Unido, onde os dois últimos primeiros-ministros foram escolhidos por uma ínfima minoria dos seus próprios partidos. Há também os casos, generalizados, em que um partido usa legalmente o sistema para se manter no poder por um tempo demasiado longo, canibalizando a saudável alternância, como é o caso de Portugal.

O caso briãnico levanta ainda outra questão: o domínio de uma classe previlegiada sobre o sistema. Essa classe, educada à partida para governar, acaba por excluir os mais desafortunados da possibilidade de escolher iqualitáriamente os seus representantes. E um outro senão, concomitante, é o domínio do poder económico sobre o poder político. Os grandes detentores do capital, os “mercados financeiros” e outras entidades ou pessoas com grande poder económico têm mais possibilidades de escolher os eleitos, ou de ser eleitos, que os cidadãos comuns.

Esta é talvez a questão mais perversa do sistema: sem igualdade económica é difícil haver igualdade política.

A solução “marxista” (para reduzir diversas variantes numa palavra) também já se provou que não funciona, uma vez que o poder popular — ou seja, de cidadãos todos economicamente próximos — leva à criação de uma classe dominante, a chamada “nomenklatura” que se coopta e se instala no poder, sem que os cidadãos tenham outra opção. E o capitalismo, sempre associado aos males da desigualdade, não desaparece, porque não é possível uma economia sem capital; apenas passa dos grupos privados para o aparelho de Estado, que não é um patrão menos predador.

Há um estudo muito interessante do filósofo japonês Kõkin Karatani, Isonomia e as origens da filosofia”, que, entre outros assuntos, trata da possibilidade de uma verdadeira democracia e dá vários exemplos históricos. Atenas, como sabemos, não é um deles. Nessa primeira democracia, a mãe de todas as outras, segundo a percepção comum, só participavam os cidadãos adultos, com excepção dos escravos, dos servos e das mulheres. Katani considera que a dimensão da sociedade é um elemento essencial para uma democracia plena. Ou seja, em algumas cidades-estado do Renascimento, como Veneza, ou Amesterdão no século XVII, ou na Ionia grega, era possível uma igualdade democrática. O pequeno território impedia que a posse da terra fosse um factor de poder, logo excluía uma classe terratenente hereditária; o comércio era a norma e havia uma igualdade entre os comerciantes independentes. Mesmo assim, havia sempre famílias dominantes, só que esse domínio não era tão forte que as obrigasse a desrespeitar a vontade comum. Embora as práticas democráticas variem entre estas entidades — no caso de Veneza, limitadas por uma oligarquia, no caso da Holanda, complicadas por surtos de conflitos religiosos - ainda assim o clima geral era bastante igualitário. Katani faz ainda uma afirmação interessante: o grande benefício da política não é mobilizar todos os que pensam da mesma maneira; é permitir que pessoas com ideias diferentes consigam viver em harmonia.

Somando tudo isto, e muito mais que se poderia dizer (a política é uma questão sempre em aberto e não existe o “fim da História”), chegamos à conclusão de que a Democracia é mais um ideal do que uma prática e que a sua prática não lhe garante permanência. 

Há épocas em que parece que a democracia está a crescer e a aperfeiçoar-se; há outras em que temos a desagradável percepção de que está a encolher e ser subvertida por desvios perigos. Vivemos num destes momentos. O único consolo é que a História não é linear, antes circular. E a única esperança é que ainda apanhemos a próxima volta do círculo.

 Transcrito de SAPO24 

A opinião de José Couto Nogueira

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Morre professora Marinita de Oliveira Menezes

 




1. Marinita no Aero Clube de Feira de Santana, em 1945, representando o Colégio Santanópolis

2. Marinita com o marido Gilberto Torres de Menezes

3. Marinita com Gil Mário e Dimas Oliveira, na inauguração da Galeria de Arte Raimundo de Oliveira, em 1986

4. Marinita com a crítica de arte Matilde Matos

Faleceu nesta segunda-feira, 17, aos 95 anos, a professora Maria Cristina de Oliveira Menezes, mais conhecida como Marinita.

Ela nasceu em Salvador, no dia 2 de setembro de 1927. Filha de Áureo de Oliveira Filho e Palmira Sampaio de Oliveira.

Em Feira de Santana, onde sua família fixou residência, realizou os cursos ginasial e clássico, no Colégio Santanópolis, ao lado dos irmãos Joaquim Manoel, Alberto, Maria Lúcia e Evandro.

Conviveu com o dinamismo do seu pai, um cidadão culto, educador, homem público, eleito deputado estadual, por quatro legislaturas.

Casou-se em 8 de dezembro de 1945, com Gilberto Torres de Menezes. Deste matrimônio gerou cinco filhos: Gil Mário, artista plástico, Maria Lina, Jamile, Gilberto Júnior e Betânia.

Quanto à sua formação acadêmica, fez Exame de Suficiência na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1952, obtendo o registro definitivo para o ensino de Ciências. Em 1965, concluiu o curso de História Natural pela Faculdade de Filosofia da Ufba. Em 1966, realizou o curso de Anatomia Animal Comparada, obtendo o Certificado pelo Instituto de Biologia da Ufba. Em 1968, realizou o curso de Botânica na Universidade Católica do Salvador e o curso de Biologia no Centro de Treinamento para professores de Biologia da Universidade de São Paulo.

Em nível de pós-graduação, realizou o curso de Especialização em Conteúdos e Métodos do Ensino Superior, com duração de seis meses. Em 1963, recebe o certificado de Curso de Especialização em Avaliação de Currículo, pela Ufba.

Em 1955, iniciou suas atividades docentes no Colégio Estadual de Feira de Santana. Em 1959, transferiu-se para o Colégio João Florêncio Gomes, na capital. Em 1963, ficou à disposição da Faculdade de Filosofia da Ufba pelo período de dois anos. Em 1976, participou da programação das Classes Experimentais no Colégio Central da Bahia por um ano.

Em 1969, foi designada pelo governador do Estado Luiz Viana Filho e pelo secretário de Educação Edvaldo Boaventura  tendo como secretário de Educação professor Edvaldo Boaventura,para compor a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de implantação da Fundação da Universidade Estadual de Feira de Santana. No ano seguinte é nomeada membro titular do primeiro Conselho Diretor da referida Fundação.

Em agosto de 1970, é aprovada como coordenadora do curso de Ciências da Faculdade Estadual de Educação de Feira de Santana durante toda a sua vigência.

Concomitantemente, exercendo as atividades na Faculdade, continuava suas funções no Ensino Médio, sendo nomeada, em 1971, para o cargo de diretora do Centro Integrado de Educação Assis Chateaubriand, em Feira de Santana. Em 1978, foi nomeada diretora do Colégio Estadual Manoel Devoto, em Salvador e em 1982, nomeada diretora do Centro Integrado de Educação Carlos Corrêa de Menezes Santana.

Em 29 de maio de 1975, fez parte da Comissão de Implantação da Universidade, já inaugurada a primeira Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão.

Instalada a Universidade, em 31 de maio de 1976, passa a atuar como docente titular da disciplina Biologia Celular, até o ano de 1987.

Em 1994, aposenta-se como docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), mas continua a manter contato com a instituição em todos os seus empreendimentos.

Em novembro de 2007, foi convidada para integrar a Academia de Educação de Feira de Santana, onde ocupava a Cadeira N° 3, sendo o patrono Dr. Áureo de Oliveira Filho, seu pai.

Em 22 de março de 2018,ela recebeu da Câmara Municipal de Feira de Santana, a Comenda Áureo Filho.

Pesar

A Academia de Educação de Feira de Santana, na pessoa do seu presidente professor Josué Mello externa o seu pesar aos familiares e amigos e lamenta a perda de mais um membro deste sodalício. "Cada um que vai deixa a Academia mais pobre intelectualmente", disse o professor Josué Mello.

O velório está ocorrendo no Centro de Velórios Gilson Macedo, na Kalilândia, onde acontecerá a celebração das exéquias nesta terça-feira, 18, às 10 horas,  e o sepultamento será no Cemitério São Jorge, às 11 horas.

Fontes: Blog Santanópolis e Academia de Educação de Feira de Santana

Transcrito do Blog Demais de 17 de outubro de 2022.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

EDUARDO PORTELLA: UM GRANDE BRASILEIRO.

HELDER Loyola Guimarães de ALENCAR

In memorian
 

A professora Maria Diva Mattos Portella, casada com o comerciante espanhol Enrique Portella, tinha decidido que seu primeiro filho nasceria pelas mãos do parteiro (hoje apelidado de obstetra) Macedo Costa, na Cidade da Bahia (assim os feirenses chamavam, naquele tempo, a Capital do Estado); dessa forma surgiu, em Salvador, no dia 08 de outubro de 1932, o feirense Eduardo Mattos Portella, um dos grandes brasileiros dos séculos XX e XXI.

    Fez seus estudos primários na escola da professora Margarida Brito e o curso ginasial no Colégio Santanópolis, onde despontou como um dos melhores alunos de português e redação do Mestre Gastão Guimarães.

    Como tinha dois tios, João e José de Oliveira Mattos, que moravam em Pernambuco, seguiu então para Recife, lá cursando o colegial e a Faculdade de Direito.

    Formado, resolveu aprofundar seus estudos na Espanha, terra de seu genitor, onde também começou a exercer o magistério, na Faculdade de Letras de Madrid.

Retornando ao Brasil, fixou-se no Rio de Janeiro, sendo, inicialmente, nomeado Procurador Jurídico do Ministério da Educação. 

Eduardo Portella - (Foto da EdTempo Brasileiro)

    Entendeu, cedo, que a sua vocação não era a área jurídica, mas a educação e o serviço público.


    Foi, então, designado para Assessor Especial da Casa Civil do Presidente Juscelino Kubitschek.


    No início dos anos 60, com a criação do Estado da Guanabara, exerceu a função de Chefe de Gabinete da Secretaria de Educação, sendo em seguida, nomeado, pelo Governo Federal, para o cargo de Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Estudos Afro- Asiáticos, órgão da Presidência da República, que exerceu de 1961 a 1964.

          Paralelamente, em 1962, criou a revista 'Tempo Brasileiro" que originou a Editora Tempo Brasileiro, com seu irmão Franco Portella. Ao lado de suas atividades do serviço público, passou a lecionar na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e, de 1968 a 1971, foi Diretor do Departamento de Cultura do Estado da Guanabara.

    Em 1979, em pleno exercício da Diretória da Faculdade de Letras, foi convidado pelo Presidente João Figueiredo para o cargo de Ministro da Educação, Cultura e Desportos, com a promessa da abertura política, tanto que respondendo ao convite disse: " Se for para abrir, aceito; para fechar Universidade não".

       A sua passagem pelo Ministério resultou, dentre outras coisas, na criação da Embrafilme, da Embralivros, no incremento da distribuição do Livro Didático, por meio da Fundação Nacional de Material Escolar, como também na tentativa, em vão, de extinguir os exames de Admissão e Vestibular[1].

O Ministro Eduardo Portella em visita oficial a Feira de Santana (Foto do Blog Demais)

Mas o princípio maior de sua gestão, a abertura, não agradava os setores rnais radicais do regime de então, causando muitos atritos e tentativas de desestabilizá-lo.

    Segurou,, ainda, por 1 ano e 8 meses, o Ministério, com o Ministro da Fazenda, Delfim Neto, não repassando verbas, pois a filosofia de Portella "Educar para desenvolver", contrariava a de Delfim, que expressava "Desenvolver para educar" que significava que jamais o Brasil iria se desenvolver sem educação.

    Tanto que, a verba para o reajuste pretendido pelos docentes em greve, só foi liberada após a saída de Portella, aliás, 24 horas depois. Em novembro de 1980, ocorreu greve geral de Professores das Universidades Federais, e Portella, ouvido por um jornalista sobre o movimento respondeu de pronto: "Eu me sentiria muito mais confortável do outro lado do rio", o que provocou a resposta do Presidente da República "E por que já não foi?".

    Enfim, houve a demissão, no dia 26 de novembro de 1980, e a célebre frase, conhecida pelo Brasil, "Eu não sou Ministro, eu estou Ministro".

    Tive a honra, ao lado da minha esposa, Vera, de Franco Portella e Kátia Carvalho, de sermos os únicos quatro brasileiros civis a receberem Eduardo Portella na Base Aérea do Rio de Janeiro, no seu retorno de Brasília, após a demissão, pois, além de ter sido vetado o seu desembarque no Aeroporto Internacional do Galeão, foi também impedida a entrada de pessoas para recebê-lo na Base Aérea, já que os Professores preparavam uma manifestação.

    No outro dia, ouvido pela imprensa nacional, Portella afirmou categoricamente: "Delfim é o único gordo mau que eu conheço". Deixando o Ministério, retornou ao seu lugar de escritor e professor, mas exerceu, ainda, três importantes Cargos Públicos: Secretário de Cultura do Rio de Janeiro, Diretor Adjunto da UNESCO por 5 anos e Presidente da Biblioteca Nacional.

    Escreveu mais de 30 livros, recebeu inúmeras comendas, títulos de Doutor "Honoris Causas" e Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Pertenceu a diversas Academias, destacando-se as Brasileiras de Letras e de Educação e a Europeia de Artes, Ciência e Letras, com sede em Paris.

    Nesta a menor dúvida, que Eduardo Mattos Portella foi um grande brasileiro, tendo honrado sobremaneira a sua Pátria.

    Aos 84 anos faleceu no Rio de Janeiro,  no dia 02 de maio de 2017, deixando viúva a Sra. Célia Portella e uma filha, a escritora Mariana Portella.  

    








[1] Na verdade, em 1972, na Lei de Diretrizes e Base de Educação 5.692, o Admissão já tinha sido extinto, o Vestibular não. A extinção de exames estanques, foi tese de Áureo Filho incorporada por muitos que viveram o Colégio Santanópolis, como Eduardo Portela.


quarta-feira, 28 de setembro de 2022

VAMOS SALVAR O CASARÃO DE SÃO VICENTE DE TIQUARUÇU

Os casarões tinham como característica na época, a entrada
lateral. Morei, até a juventude, em um casarão na Marechal
 desta forma, na frente só janelas, as entradas no Beco.


        Arthur Motta era o bam bam bam de Tiquaruçu. Fazendeirão,  rico, comerciante de fumo, naquele tempo em que essas plantações se expandiam pelos sertões, fortalecendo a economia, sendo o fumo[1] o boi do pobre e os armazéns em Feira de Santana os símbolos desse comércio forte. São Vicente é um arruado antigo e histórico. Na igreja do povoado, que hoje é sede de um dos oito distritos rurais de Feira de Santana, foi batizada a heroína baiana Maria Quitéria.

A economia regional mudou, mas as marcas desse tempo ainda podem ser vistas nas ruas do povoado de São Vicente de Tiquaruçu, em pelo menos dois imóveis construídos pelo fazendeiro, hoje de propriedade de João Pinheiro.

Lateral do casarão
Aos 92 anos, lúcido, saudável e trabalhando, Seu’ João é um capítulo exclusivo na história do lugar. Funcionário do Mota, com a morte do patrão e a decadência do negócio adquiriu, por compra, os imóveis do ‘barão’ e conta a história a quem quiser conversar com ele em um domingo qualquer… Mas além dos dois imóveis no largo da igreja, hoje de Seu João, o fazendeiro construiu a sua mansão de moradia na entrada do povoado: o Casarão de São Vicente. O poeta Asa Filho contraiu covid19 mas pelo que sabemos recupera-se bem. Essa notícia me levou a São Vicente para olhar o Casarão. Asa é filho de Tiquaruçu e a história recente desse casarão tem muito a ver com ele e a sua luta pela revitalização uma manifestação artística da região: o Reisado. A Feira cultural conhece bem essa história. Asa vai vencer a doença. Mas o Casarão…. o que vi me entristeceu. O Casarão está arruinando, sem utilidade ou manutenção. O imóvel é da Municipalidade. Como os distritos estão com prestígio junto ao Poder Público reeleito, esse texto é um apelo: salvemos o Casarão de São Vicente!

Transcrito do Blog da Feira: https://blogdafeira.com.br/home/2020/12/20/casarao-de-sao-vicente-de-tiquarucu/


[1] A plantação de fumo nos séculos XIX e até meados do XX, era de importância capital na Bahia (primeira colocada no Brasil), e a região, recôncavo, era responsável por cerca de 90% da produção. 

            

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Contra o preconceito, as canções do baiano Gordurinha, que nasceu há cem anos

TRANCRITO DO BLOG OLABAHIA

“É de trás pra frente
É de frente pra trás
Se não aguenta a rima

Nesta terça-feira, vamos deixar de lado as eleições, os candidatos, os que não conseguiram se candidatar, e também dar um refresco ao governo, suspendendo momentaneamente o exercício do sagrado dever de criticar os malfeitos dos governantes – uma obrigação sagrada, sim, pois, afinal, imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados, como nos ensinava, com propriedade, nessa sacada genial, o saudoso Millôr Fernandes (1923-2012).

Vamos parar para festejar, pois nesta quarta, 10 de agosto, devemos comemorar o centenário de nascimento de um ilustre filho da Bahia: Waldeck Artur Macedo. Pouco conhecido por este seu nome de batismo, mas lembrado e reverenciado pelo apelido que lhe acompanhou a vida toda: Gordurinha, radialista, humorista, cantor e compositor, autor de Chiclete com Banana.

Não, meu jovem e apressado leitor, ele não foi o criador daquela banda de axé, que anos atrás amealhou um período de sucesso nos carnavais e micaretas inversamente proporcional à sua mediocridade musical. O Chiclete com Banana de Gordurinha é um clássico da música popular brasileira, bem humorado libelo contra a invasão do Brasil pela música norte-americana no final dos anos 1950. É aquele samba cuja letra diz:

Eu só ponho bebop no meu samba

Quando Tio Sam pegar o tamborim

Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba

Quando ele aprender que o samba não é rumba

A primeira gravação de Chiclete com Banana, em 1959, foi feita por Jackson do Pandeiro – o que talvez explique o fato de Almira Castilho, mulher de Jackson, constar como coautora do samba: ceder a parceria ao intérprete, como uma espécie de pagamento, era uma prática comum naqueles tempos.

De lá para cá, foram dezenas de gravações – o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) registra 99 fonogramas, o último deles gravado em 2019, pelo grupo Ordinarius). Entre os muitos cantores que gravaram o samba estão Gilberto Gil, Mart’Nália, Jorge Veiga, Gal Costa, Zélia Duncan, Zé Ramalho, Eliana Pittman e Beth Carvalho com Daniela Mercury. Um sucessão!

Mas o que queremos destacar – e acho que esse é o mais relevante dentre os muitos motivos para reverenciarmos Gordurinha – é o seu pioneirismo em denunciar e atacar em várias de suas músicas,  sempre com um humor afiado, com mordacidade e ironia, o preconceito dos sulistas contra os nordestinos – aliás, ainda vivo nos dias de hoje, com vemos a todo momento na imprensa.

É dele, por exemplo, o delicioso Baiano Burro Nasce Morto:

“O pau que nasce torto
Não tem jeito morre torto
Baiano burro garanto que nasce morto”

 

E também o delicioso Baianada, parceria com Carlos Diniz:

Um baiano é uma boa pedida
Dois baianos uma coisa divertida
Três baianos uma conversa comprida
Quatro baianos um comício na avenida

O baiano nasceu pra falar, na Bahia tem muito doutor

 O Brasil foi descoberto na Bahia e o resto é interior”

 

Registre-se ainda a divertida Pau de Arara é a Vovozinha, sucesso com o Trio Nordestino:

“Vim da Bahia pro Rio de Janeiro
Pra ganhar dinheiro, desaforo não

Pau-de-arara é a vovozinha
Eu só viajo é de avião”

E ainda o coco Baiano Não É Palhaço, cuja letra denuncia :

Vê que piada infeliz inventaram agora:
‘Ajude a manter a casa limpa
Matando um baiano por hora’”

 

Ouvir – ou reouvir – os baiões de Gordurinha que tratam do preconceito contra os nordestinos é quase uma obrigação, nesses tempos tenebrosos que atravessamos, com uma parcela da população exibindo os mais variados tipos de intolerância, contra as mulheres, os negros, os homossexuais, os pobres, os que seguem as religiões de matriz africana… E o mais grave: açulados até mesmo por aqueles que têm a obrigação constitucional de denunciá-los e combatê-los.

Lá estou eu querendo voltar a falar de política… Mas não tem jeito. É preciso dizer também que Gordurinha foi, de certa forma, uma vítima do regime militar. Brizolista, logo após a deflagração do golpe, em 1964, ele avisou à família que iria à Rádio Mayrink Veiga e deu instruções para que queimassem livros e papéis comprometedores que porventura encontrassem na casa. Só voltou anos depois, para morrer de uma overdose em 16 de janeiro de 1969.

Para quem se dispõe a visitar a obra de Gordurinha (são apenas 41 canções listadas pelo Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira), recomendo ainda Súplica Cearense (Luiz Gonzaga dizia ter inveja, pois gostaria muito de ter composto esse baião toada), Vendedor de CaranguejoOrora Analfabeta e o Mambo da Cantareira.

Boa audição. E viva Gordurinha!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A "NOVINHA" DE MORTALHA.

CINTIA PORTUGAL - Escritora, Poetisa, Membro da Academia Feirense de Letras.

“Carnavalizou”! Clima de folia nas redes - ouço o “bater da rabeta no chão” - êta! E a batida segue: “chegou o momento, é agora, novinha...E faz o teu nome”? Imaginando os termos até encostar no dito vai "popozão": “o grave bateu a rabeta no chão, rabeta no chão!” O “solinho” arrastou-me para o tempo da novinha, da gatinha (que imitava a Patotinha e Gretchen, patinando, rebolando), dos bicos puxados por conta do traje, da fantasia. O bico não desmanchava desde a saída da Rua de Aurora, seguindo pela Euterpe, Rua Conselheiro Franco, Praça da Bandeira, João Pedreira, até o chão de estrelinhas e confetes da “Princesa do Sertão”.

 

O Carnaval da Bahia trouxe-me à Micareta da “novinha”, às máscaras de um tempo, à lembrança dum pássaro que rasga o vento, o rasga mortalha, seguido de um sinal de cruz credo. Um corpo coberto, uma silhueta imaginada, quase me sentindo uma afegã, não fossem os gritos da estampa, a maquiagem extravagante, as estrelinhas, purpurina, tererês.

 

Eis a mortalha desencarnada, desarranjada. O corte e o seu significado tanto podem enrolar o tabaco quanto envolver os mortos, logo, entendi que brincávamos de “egum”, alma e papel: “Atrás do trio... só não vai quem já morreu? Seguimos a música: o sol é seu, o som é meu, quero morrer, quero morrer já!” ...

 

Por um breve tempo enfestado eu tive a minha mortalha: morri! O tecido terrivelmente colorido se multiplicara, cobrira meus pais, irmãos e o mico: quando passava por um coleguinha mergulhava a cabeça feito um jabuti, uma alma penando.

 

No passeio da Avenida Senhor dos Passos, entre a Prefeitura e o Cine Timbira, ficávamos espiando o desfile dos foliões com outras gentes. Enquanto meus olhos corriam atrás do trio, a minha mão segurava a do meu pai: alguns puxões, olhos arregalados, cara feia, nada adiantava, presa no meio da rua, nenhum vacilo.

 

Já nas matinês do clube a “pequena Eva” pulava solta: “abraça-me no espaço de um instante...”. pulos, suor, e encharcava-me de soda limonada_ tem outro refrigerante? _ não. E a cena se repetia. A fantasia parecia não suportar a energia, pular, correr, cair. Algumas horinhas, embriagada de cansaço, tonta de sono: ajeitei-me, cabeça, braços, jaz um corpo, apenas uma mortalha debruçada na mesa.

 

O tempo espichou inaugurando a moda dos abadás, mamãe sacode, os bafos de Baco pipocavam no calor da Avenida Getúlio Vargas acordando um tempo glorioso das ruas, dos becos ardidos, das praças alegres, uma festa de encontros nos barracões. E a velha cantiga: _ Micareta! Era no meu tempo! Cantavam meus avós, meus pais... E me pego repetindo a mesma cantiga atualizada: do “meu tempo” ... Ah! Micareta...

 

No “meu” tempo, nem havia celular, uns raros tijolos... Pulávamos com os bolsos cheios de fichas telefônicas... tempo de filas nos orelhões, do namorar encabulado, romances “Muito barulho por nada”, de Shakespeare, coletâneas de poesia, contos de horror, tragédias, disk piadas, trotes, a ficha caiu... a festa continua...

Avenida Senhor dos Passos- acervo Antonio Moreira.



 

terça-feira, 7 de junho de 2022

"A BOÇALIDADE DO MAL"

Palavras de Eliane Brum:

"Peço uma espécie de licença poética à filósofa Hannah Arendt, para brincar com o conceito complexo que ela tão brilhantemente criou e chamar esse passo a mais de “a boçalidade do mal”. Não banalidade, mas boçalidade mesmo.

Arendt, para quem não lembra, alcançou “a banalidade do mal” ao testemunhar o julgamento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém, e perceber que ele não era um monstro com um cérebro deformado, nem demonstrava um ódio pessoal e profundo pelos judeus, nem tampouco se dilacerava em questões de bem e de mal. Eichmann era um homem decepcionantemente comezinho que acreditava apenas ter seguido as regras do Estado e obedecido à lei vigente ao desempenhar seu papel no assassinato de milhões de seres humanos.

Eichmann seria só mais um burocrata cumprindo ordens que não lhe ocorreu questionar. A banalidade do mal se instala na ausência do pensamento.

A boçalidade do mal, uma das explicações possíveis para o atual momento, é um fenômeno gerado pela experiência da internet.

Ou pelo menos ligado a ela.

Desde que as redes sociais abriram a possibilidade de que cada um expressasse livremente, digamos, o seu “eu mais profundo”, a sua “verdade mais intrínseca”, descobrimos a extensão da cloaca humana.

Quebrou-se ali um pilar fundamental da convivência, um que Nelson Rodrigues alertava em uma de suas frases mais agudas:

“Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.

O que se passou foi que descobrimos não apenas o que cada um faz entre quatro paredes, mas também o que acontece entre as duas orelhas de cada um. Descobrimos o que cada um de fato pensa sem nenhuma mediação ou freio.

E descobrimos que a barbárie íntima e cotidiana sempre esteve lá, aqui, para além do que poderíamos supor, em dimensões da realidade que só a ficção tinha dado conta até então.

Descobrimos, por exemplo, que aquele vizinho simpático com quem trocávamos amenidades bem educadas no elevador defende o linchamento de homossexuais. E que mesmo os mais comedidos são capazes de exercer sua crueldade e travesti-la de liberdade de expressão.

Nas postagens e comentários das redes sociais, seus autores deixam claro o orgulho do seu ódio e muitas vezes também da sua ignorância.

Com frequência reivindicam uma condição de “cidadãos de bem” como justificativa para cometer todo o tipo de maldade, assim como para exercer com desenvoltura seu racismo, sua coleção de preconceitos e sua abissal intolerância com qualquer diferença.

Foi como um encanto às avessas – ou um desencanto. A imagem devolvida por esse espelho é obscena para além da imaginação.

Ao libertar o indivíduo de suas amarras sociais, o que apareceu era muito pior do que a mais pessimista investigação da alma humana. Como qualquer um que acompanha comentários em sites e postagens nas redes sociais sabe bem, é aterrador o que as pessoas são capazes de dizer para um outro, e, ao fazê-lo, é ainda mais aterrador o que dizem de si. Como o Eichmann de Hannah Arendt, nenhum desses tantos é um tipo de monstro, o que facilitaria tudo, mas apenas ordinariamente humano.

Ainda temos muito a investigar sobre como a internet, uma das poucas coisas que de fato merecem ser chamadas de revolucionárias, transformaram a nossa vida e o nosso modo de pensar e a forma como nos enxergamos.

Mas acho que é subestimado o efeito daquilo que a internet arrancou da humanidade ao permitir que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras: a ilusão sobre si mesma. Essa ilusão era cara, e cumpria uma função – ou muitas – tanto na expressão individual quanto na coletiva. Acho que aí se escavou um buraco bem fundo, ainda por ser melhor desvendado. (...) Já demos um passo além da banalidade. Nosso tempo é o da boçalidade."

Eliane Brum, jornalista. 

terça-feira, 12 de abril de 2022

ME MANDARAM HOJE, SERÁ POR EU COMPLETAR 85 ANOS?!!

 A VELHICE CHEGA ATÉ SER ENGRAÇADA  


Sinais de envelhecimento.

Escrito por uma senhora confiante ... 


Depois de umas comprinhas na Riachuelo, Renner, Marisa, eu saí do Shopping e procurei as chaves do meu carro.

Elas não estavam na bolsa.

Uma busca rápida nas várias lojas que passei, e não estava lá também.


De repente, percebi que devia tê-las deixado no carro.


Meu marido já havia brigado muitas vezes por deixar as chaves na ignição.


Minha teoria é que a ignição é o melhor lugar para não perdê-las .......


A teoria dele é que o carro será roubado se  a chave for deixada na ignição!


Imediatamente, eu corri para o estacionamento e cheguei a uma conclusão terrível ...

A teoria do meu marido estava certa.

O carro não estava no estacionamento.


Eu imediatamente chamei a polícia.

Dei-lhes a minha localização, a descrição do carro, o lugar onde estacionei, etc.

Confessei igualmente que deixara as chaves no carro e que o carro tinha sido roubado.


Então fiz a chamada mais difícil de todas, para meu marido, *

”Amooor (eu gaguejei; sempre o chamo de "Amor" em momentos como esse), *deixei minhas chaves no carro ... e foi roubado."


Houve um grande silêncio.

Achei que a ligação havia sido interrompida, mas então ouvi sua voz.

Ele gritou: "Eu deixei você no Shopping!"


Agora era a minha hora de ficar em silêncio.

Envergonhada e feliz também, eu disse:

"Bem, então  por favor venha me buscar".


Ele gritou novamente: "Eu vou, assim que convencer esse policial, que não roubei seu carro".


Não ria sozinho,  encaminhe aos amigos e amigas que irão ficar velhos.

Eu recebi por puro engano! 🤭😂😂

quinta-feira, 17 de junho de 2021

"QUASE"


ELIANA SILVA NAVARRO, Santanopolitana, encontrou uma bela publicação e enviou ZAP.

A seguir os textos.


 

"Quase", postado abaixo, foi escrito em 2002 por Sara Westphal numa sala de cursinho preparatório para um segundo vestibular de Medicina. O professor pediu licença para ler em voz alta a redação da mocinha e duas ou três colegas gostaram tanto do texto que lhe pediram uma cópia, as quais ela fez à mão.  Desde então, "Quase" mudou a vida de muitas pessoas... Quatro anos depois e Sara na faculdade de Medicina, num domingo de Páscoa, leu no jornal, na coluna de Luís Fernando Veríssimo, algo que dizia assim: "Eu gostaria de encontrar o verdadeiro autor de "Quase" para agradecer a glória emprestada e para lhe dar um recado". E eis que ali estava ela, reconhecendo o texto que um dia escrevera na sala de cursinho... Do contato com Veríssimo ficou sabendo que "Quase" havia sido traduzido para o francês "Presque" e que fazia parte de uma coletânea de grandes nomes escritores brasileiros, como Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e outros - lançada no Salão do Livro de Paris... O "Quase" de Sarah rodou mundo: "Minha redação de cursinho cruzou o mundo como se fosse do Veríssimo... Virou letra de música, tatuagem, rap na Guiana Francesa, espetáculo de dança, questão de vestibular, de concurso público, e até anúncio de funerária. Fez parte das turnês de Ana Carolina e também foi lido pela Ana Maria Braga". Mas para Sara, demorou ainda mais uns anos até que largasse a Medicina e se tornasse jornalista... na Austrália. Ah!, essa internet....

 

QUASE, de Sara Westphal

 

“Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

 

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos “Bom dia”, quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

 

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.”


quinta-feira, 25 de março de 2021

O HOMEM MAIS RICO DE FEIRA DE SANTANA I

Evandro J.S. Oliveira
  Do ponto de vista do conceito real de naturalidade, o título esta errado, o Cel. da Guarda Nacional, (título concedido por D.Pedro II), Joaquim Pedreira de Cerqueira, nasceu na freguesia de São Gonçalo, mas morou a vida toda em Feira de Santana. Mas eu como feirense, que por acaso nasceu nesta cidade, considero todas as pessoas que moraram um ano na Princesa do Sertão é feirense de adoção.

          Este Cel. Joaquim Pedreira de Cerqueira, no tocante a riqueza está fora da curva em toda história de Feira de Santana.

         Desenvolvi que uma das vantagens, do progresso da Feira de Santana, além de situação geográfica, foi ser povoada sem “dinastias” econômica, famílias tradicionais nem grupos fechados de elites. Sem querer aticei o ego de alguns. Primeiro porque vejo como vantagem, não ter estas qualidades: existe e sempre existiu uma classe média com bons recursos, fazem belas residências, possuem carros de luxo, mas não podem morar na Europa, a não ser estudante com bolsa. Então colocam os filhos nas melhores escolas, particulares, predomina a saúde dentro de Feira, que tem ótima qualidade.          

          Feira de Santana é ponto de agregação comercial, para cerca de quatro milhões de habitantes, todo o comércio do interior em volta de Feira vem se abastecer aqui. Aqui gravita até os serviços públicos, hospitais regionais, faculdades. Mas é uma região de gente da classe média no máximo, por isto as multe nacionais e grandes redes de supermercados, atacadistas, colégios, faculdades, farmácias... Mas não tem lojas vendendo BMW, aviões, lanchas, lojas de luxo...

          Família tradicional, não tem, quando falei isto, delicadamente disseram: “sua família é tradicional”, ri, olhe minha vó era árabe, não sei nem a nacionalidade: Vejamos a família Fróes, é um nome inventado por Agostinho Fróes da Motta, a família Bahia, é que seu Amado achou o nome Bahia bonito e colocou no sobrenome e assim todas não passaram de três gerações de ascendentes. Mas isto é uma coisa boa, todos esses núcleos fechados são barreira para o desenvolvimento.

            Mas vamos voltar ao Cel. Joaquim Pedreira, a exceção de riqueza na região, comprovada no livro de Luiz Cleber Moraes Freire; ex-aluno, atual professor e escritor, ligado a UEFS, no livro “Nem Tanto ao Mar Nem Tanto à Terra” – Agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana. 1850 – 1888. Quem gosta de história da região, recomendo. 

 

Para adquirir o livro: Livraria
 da Uefs e da UFBA.
           Cleber pesquisou os duzentos inventários da época e encontrou uma família rica, os “Pedreira de Cerqueira”. O Comendador Felipe Pedreira de Cerqueira, consta na faixa de “Fortunas médias”, com vários bens, ressaltando o casarão com capela, cemitério mais duas casas menores, todos fazendo parte hoje da Prefeitura Municipal e parte da Getúlio Vargas  e mais uma chácara, onde foi o Internato Colégio Santanópolis, hoje parte do prédio fica a “Lojas Americanas” foto abaixo do casarão de Felipe Cerqueira.

        

Esta Capela foi a segunda Diocese de Feira de Santana reconhecida pela Igreja. Foi visitada pelo Imperador D. Pedro II e Imperatriz Teresa Cristina. Todas estas edificações, situadas na av. Senhor dos Passos.
O inventário do Comendador Felipe Pedreira de Cerqueira, ainda constava mais imóveis, escravos, joias e outros ativos. Mas estava no grupo de “Fortunas médias” com 35:363$600 reis  com18,5% dos inventários encontrados. Podemos supor, este índice na minha opinião é mais ou menos o mesmo atual de nossa cidade.

            Mas quem desenvolveu uma "Muito grande riqueza" foi o cel. Joaquim Pedreira de Cerqueira.

            Para demonstrar a raridade desta riqueza, vemos no quadro abaixo não existir nenhum inventário classificado como "Grande riqueza" e encontrando registro de três falecidos na categoria "Grande média riqueza" alcançando menos de 500.000$.

            Cleber, estabeleceu uma classificação das fortunas (1850-1888), em um período de cerca de quarenta anos.

Na tabela acima, a seta vermelha identifica não existir ninguém com grandes fortunas
No entanto às muito grande, verificamos existir um, no caso cel. Joaquim P. Cerqueira.
 
            Vamos como e qual era esta fortuna colossal do Coronel Joaquim Pedreira Cerqueira.
            "Foi agiota, como ele fez questão de se autodominar ao imperador D. Pedro II, quando se hospedou em sua residência, por visita que fizera à Feira de Santana, em 6 de novembro de 1859.
            Alguns dados indicam que o coronel conseguiu acumular boa parte da sua fortuna comercializando escravos na praça comercial de Feira de Santana e região. Nos livros do Tabelionato de Notas da comarca de Feira de Santana, o seu nome aparece 22 vezes fazendo transação de compra e venda de escravos entre os anos de 1839 e 1871. Esse número talvez não revele o verdadeiro potencial que esse comércio representava para os seus negócios, haja vista existir uma lacuna de registros para os anos de 1841 a 1860.

A formação de sua fortuna ao longo da vida foi algo impressionante: 1.281:287$045 réis (um milhão, duzentos e oitenta e um contos, duzentos e oitenta e sete mil e quarenta e cinco réis). Essa fortuna pessoal foi a maior que houvera em Feira de Santana, ao seu tempo, e uma das maiores da província (FIGUEIREDO Filho, 2004, p. 15). Em seu estudo sobre a Bahia do século XIX, no capítulo em que trata da fortuna dos soteropolitanos, Kátia Mattoso também encontrou apenas um inventariado - num rol de 1.115 - com uma fortuna superior a 1.000:000$000 réis (MATTOSO, 1992, p. 607)[1]. Para se ter uma ideia acerca dessa fortuna, basta dizer que construiu, às suas expensas, uma nova estrada ligando Feira de Santana a Cachoeira, caminho mais curto para se chegar até Salvador. Em 1857, ele iniciou a construção dessa nova estrada, em substituição à antiga, já que aquela não permitia a passagem de veículos. E, no ano seguinte, ao concluir tal empreitada, teve parte das despesas reembolsadas pelo tesouro provincial (POPPINO, 1968, p. 71).

Essa fortuna pessoal era composta de: ativos (534:724$840 réis = 41,7%), dinheiro líquido (451:276$055 réis = 35,2%), bens de raiz (109:465$ 150 réis = 8,6%), gados (82:720$000 réis = 6,5%), escravos (68:156$000 réis = 5,3%), benfeitorias e equipamentos (29:157$000 réis = 2,3%), produtos agrícolas (4:180$000 réis = 0,3%) e móveis (1:608$000 réis = 0,1%). Uma fortuna sólida, embora tenha deixado algumas dívidas passivas no valor de 47:000$045 réis que comprometeram 3,7% do seu património. Algumas dessas dívidas referiam-se a despesas de manutenção com a fazenda Bonita, em Camisão, e com o engenho Cazumbá; com o médico que lhe assistiu; com honorários advocatícios por uma questão em Santo Amaro; com ressarcimentos a alguns netos pelo inventário da avó; com despesas do inventário; impostos; uma pequena dívida a um particular; e com o funeral, que custou 6:559$790 réis.

O valor dessa última despesa fornece indícios de que a cerimônia de seu funeral foi algo muito além do padrão da época, a julgar que algumas décadas antes, em Salvador, o recordista em gastos funerários fora o “extraordinariamente rico” comendador Pedro Rodrigues Bandeira, cujo ritual de sepultamento custou 3:072$250 réis (REIS, 1991, p. 234). Esses custos englobavam vários serviços que iam da preparação do cadáver, às missas e dobres fúnebres, música, caixão, os ornamentos do velório, a compra de artigos fúnebres, como convites de enterro, mortalha e, caso não tivesse mausoléu, o terreno no cemitério. Essa despesa gasta no enterro do comendador Bandeira.”

Continua: O HOMEM MAIS RICO DE FEIRA DE SANTANA II


[1] Nota do Blog: Fazendo uma comparação, pode se acreditar que em Salvador hoje, tenha mais de cinquenta fortunas maiores do que dos mais rico de Feira de Santana atual?


 

  

Filme do Santanopolis dos anos 60