Símbolos do Santanópolis

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

terça-feira, 19 de abril de 2022

POLÍTICA DE ANTÃO - VIII

MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.


O PADRE JOSÉ

    [...] A história nos leva a reflexões maravilhosas. Aprendemos muito com os erros que a história narra. Mas o importante são apenas os exemplos bons, os ruins... Melhor esquecê-los [...]
   
    CORONEL SALHSTIANO CHEGOU EM casa como nunca havia chegado antes. Nervoso de tal forma que qualquer um que o conhecia, sabia que algo estava errado. D. Emengarda entrou no quarto, preocupada e perguntou:

-    Alguma coisa deu errado na capital?

O coronel ainda em pé, respondeu:

-    Fecha a porta e senta aqui junto de mim, não posso falar alto, as paredes têm ouvidos.

Começava aí a paranoia que tomou conta de todos os brasileiros durante a ditadura.

-    O que está acontecendo, homem de Deus?

-    Senta e escuta.

-    Fala logo, Salustiano...

-    D. Emengarda. Tenho que prender o prefeito Gilberto e tomar a prefeitura.

-    Você tá ficando louco, Salú, veio da capital com a cabeça virada.

Sentiu o cheiro da cachaça que ele havia bebido na hora que chegou e disse:

-    Ah! Já sei... Andou bebendo. É isso que dá. Você sabe que não pode beber. Quando bebe fica logo achando que é dono do mundo...

O coronel dá um grito.

-    Pára de tagarelar, mulher e me escuta.

D. Emengarda se sentou novamente e ficou olhando para o coronel.

-    Escuta o que eu vou te contar. Só faça escutar.

-    Fala logo!

-    Eu fui pra Recife e recebi a ordem do Comando Militar para prender o Prefeito Gilberto e assumir a prefeitura com amplos poderes. Sabe o que é isso?

-    Sei... Claro que sei.

-    Pois é. Amanhã pela manhã tenho que tomar providências para executar tudo que está aqui dentro deste envelope.

-    E o que tem dentro deste envelope, homem?

-    Eu ainda não sei, vou ler agora à noite, e quero ficar sozinho. Você vai dormir em outro quarto que eu quero ler isso sozinho.

-    Tá certo.

D. Emengarda saiu devagar, fechou a porta e deixou o coronel olhando pela janela.

Quando tudo estava em silêncio, o coronel pegou o envelope, abriu com cuidado e retirou todos os papéis que estavam dentro. Viu logo na primeira folha a ordem de prisão contra o prefeito Gilberto. Leu atentamente e viu que tinha a chancela do Alto Comando do Exército, portanto tinha que ser cumprido à risca.

Em seguida, havia a mesma ordem de prisão contra o atual delegado da cidade e o pior de tudo, havia uma ordem de prisão contra o padre José.

O coronel não entendeu o porquê e também não queria que o padre fosse preso, pois o respeitava muito e era amigo do religioso.

Nos documentos, havia uma cartilha que explicava tudo o que deveria ser feito. Os presos deveriam ficar incomunicáveis e tinham que confessar onde estavam os outros comunistas nem que essa confissão fosse forçada através de torturas.

Havia também um manual de torturas, coisa que deixou o coronel Salustiano muito angustiado, pois sempre fora contra qualquer tipo de violência física.

E agora? O que fazer?

O coronel não conseguiu dormir a noite toda. Caminhou pela casa imaginando como iria cumprir tudo aquilo que estava escrito.

O dia ainda não tinha amanhecido e o coronel nem sequer tomou o café da manhã. Saiu apressado e foi acordar o padre José.

Bateu à porta e sussurrou na janela:

-    Padre, sou eu, coronel Salustiano.

O padre levantou assustado, abriu a porta e perguntou:

-    O que houve coronel? Alguma coisa que eu possa ajudar.

-    Padre, vista sua batina e venha comigo. Não se demore. Não quero que me vejam saindo com o senhor.

-    Fala logo coronel, algum problema na sua família?

O coronel irritado grita com o padre.

-    Deixa dessa conversa de comadre e venha assim mesmo. Entra no Jeep e vamos ali.

-    Mas, ali aonde, coronel?

-    Vamos logo antes que eu perca a paciência.

O padre mal abotoou a batina e já estava dentro no Jeep do coronel.

Saíram sem destino. O coronel pegou uma estrada ruim e, sem falar nada, acelerava cada vez mais rápido por um destino ignorado.

O padre estava assustado e se segurava por causa dos solavancos que o carro dava até que a velocidade diminuiu e o coronel parou debaixo de um pé de umburana. Era um local totalmente deserto e não havia ninguém por perto, mesmo assim o coronel desceu do carro e verificou se não fora seguido e se não havia nenhuma ameaça por perto. Entrou novamente no carro, olhou fixamente para o padre e disse:

-    Padre, eu tenho o maior respeito e admiração pelo senhor, por isso, sem me perguntar o porquê, fuja da cidade ainda hoje.

-    O padre arregalou os olhos, começou a suar e argumentou:

-    Não posso abandonar a cidade assim sem mais nem menos. Tenho que comunicar meus superiores antes de tomar qualquer decisão...

-    Cala essa boca padre. Faça o que estou mandando. Tenho ordens pra prender o senhor, e antes que eu me arrependa, fuja.

-    Mas coronel, posso ao menos saber qual o motivo?

-    Padre, o senhor sabe que estamos em plena revolução, não me faça perguntas, apenas fuja pra não ser preso. É só isso que lhe peço.

-    Mas quando é que devo fazer tamanha besteira.

-    Agora padre! Já! Vou dar ao senhor uma hora pra pegar suas coisas e fugir, sem dizer nada a ninguém que tivemos esta conversa. Ninguém deverá saber nunca que eu mandei o senhor fugir. Me entendeu?

-    Entendi sim, coronel.

O coronel ligou o Jeep, manobrou em direção à cidade e voltaram calados. Chegando à porta da casa paroquial, o padre olhou pro coronel, e com lágrimas nos olhos agradeceu.

-    Obrigado coronel, um dia eu mando notícias.

-    Desça logo, padre e boa sorte!

Padre José desceu e entrou em casa. O coronel arrastou o carro bem devagar pra não chamar atenção e voltou pra casa.

O dia estava clareando.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Filme do Santanopolis dos anos 60