Conto dividido em três postagens.
De segunda a sexta-feira, o cursinho que preparava estudantes para o temido vestibular encerrava as aulas às dezessete horas. Logo depois, uma onda alegre e descontraída de rapazes e moças, formando pequenos grupos, aumentava o vaivém de gente no Jardim da Piedade. Alguns sempre demoravam na porta, comentando as novidades do dia. Outros preferiam conversar dando voltas em torno da praça. Os mais apressados corriam de imediato logo para o ponto de ônibus.
A primeira vez - wikihow.com |
Quem não conhecia Maristela? Morena
de olhos claros, estatura mediana, invejável corpo do tipo "enxuto",
cabelos pretos, um pouco ondulados e cortados bem curtos. Uma jovem de 18 anos
que irradiava beleza e simpatia. Um colega novo que pedia informações sobre
aquela "menina linda" obteve a seguinte resposta de um cara cabeludo
que estava ao lado mascando chicletes:
- Essa aí, meu chapa, é
paqueradíssima, mas a coisa mais difícil é conseguir namorar com ela... Conheço
um monte de gente que já tentou e desistiu.
No carro de Maristela só cabiam
quatro pessoas além da motorista. Uma pena, pois um número muito maior de
colegas gostaria de sentir o prazer daquela companhia agradável todos os dias.
Não era somente pela alegria espontânea e pelo jeitinho cativante que ela
possuía em alta dose. Havia outra razão que levava as meninas do curso a sempre
procurarem um bate-papo com a simpática colega. Ela adorava falar sobre
assuntos ligados ao sexo.
Cecília, Dora, Cristina e Zuleide, todas moradoras do bairro da Barra, onde Maristela também residia, eram suas companheiras mais constantes. Não chegavam a ser consideradas feias, mas, na opinião da rapaziada metida a entender de "mulherologia", deixam muito a desejar. Para sermos comedidos, diríamos que pertenciam ao grupo das "sem atrativos especiais". A verdade é que tinham dificuldade de arranjar namorados. A pouca experiência em contatos amorosos mais íntimos contribuía para que fossem as mais curiosas nas horas em que Maristela "pontificava" em torno de temas sexuais.
- Mais importante do que ato sexual em
si, deve ser, sem dúvida, a fase de preparação. A mulher realmente experiente
conhece se o homem é, ou não, um bom amante pela habilidade que ele demonstre
em saber excitá-!a antes do coito.
Essa afirmativa foi feita uma vez por
Maristela com tamanha convicção e tranquilidade que deixou suas habituais
ouvintes absolutamente certas de que estavam diante de uma verdadeira
"expert" em sexo. E mais: alguém que, além da teoria, demonstrava ter
também considerável prática...
Uma das meninas, de outra feita, comentou
que viu uma reportagem pela televisão sobre a pílula anticoncepcional, que
inclusive prevenia poder ela ser causadora de câncer. Foi o bastante para que
Maristela, com a maior desenvoltura, desse uma verdadeira "aula" a
respeito dos métodos anticoncepcionais.
- Minha filha, - disse ela, começando -
de vez em quando aparecem esses boatos de que a pílula dá câncer. Não acredito
muito nessas estórias. Por enquanto, não inventaram método mais seguro. Eu, por
exemplo, não confio nos outros. Soube que um cientista daqui da Bahia - Dr. Elsimar
- está fazendo atualmente umas experiências, mas nada definitivo ainda.
Todas as garotas que iam no carro
permaneceram silenciosas e atentas, como se escutassem a maior autoridade
médica no assunto.
E prosseguiu, com desembaraço, como
sempre:
- Hoje quase ninguém usa a tal tabela. É
a que mais falha. Além disso, exige que a mulher seja bem regular nas
menstruações. Existe também um dispositivo chamado DIU, que é introduzido na
vagina. Dizem que às vezes provoca infecção. Deus me livre de ter um corpo
estranho dentro de mim.
No dia seguinte a essa conversa, Cecília
e Zuleide saíram atrasadas e perderam a carona. Aproveitaram o caminho de casa
para tecerem alguns comentários sobre a desinibida e bem informada colega.
Zuleide aventurou levantar uma dúvida que a estava deixando intrigada há tempo.
E perguntou à companheira:
-Cecília, você acha que Maristela é tudo
aquilo que aparenta? Você já conheceu algum namorado dela?
- Eu acho que Maristela tem demonstrado
que entende mesmo de sexo - respondeu a outra.
- Não é isso que eu quero dizer- retrucou
Zuleide. Concordo que ela lê muito sobre sexo e está bem informada. Mas
acontece que, nas conversas, ela dá a entender que muita coisa daquilo que diz
foi também vivido na prática. Não acha? Agora eu pergunto: praticou com quem?
Já notou que a gente nunca conheceu um namorado dela?
Cecília não se convenceu, porém começou
também a ter certas dúvidas.
As interrogações de Zuleide eram, na
verdade, procedentes. Toda aquela sapiência de Maristela em relação aos temas sexuais
não passava de uma cortina de fumaça para ocultar outro lado de sua vida que
era totalmente desconhecido de todos. Portarás da jovem simpática e alegre,
existia uma moça triste e cheia de temores diante do sexo oposto. Recebia
inúmeras propostas de namoro, mas recusava todas, delicadamente. Um incidente
ocorrido num passado não muito distante fez criar em sua mente uma total
descrença dos homens em geral. Vale relatar os fatos.
Maristela
ia completar 15 anos numa sexta-feira após o carnaval. Seus pais, Sr. Mário e
D. Clara, tinham apenas dois filhos e o outro era um garotinho de apenas 7
anos. Prepararam uma festa que os colunistas sociais não tiveram defeitos a
apontar. Para atender a uma promessa feita aos pais, ela não namorou antes de
debutar. Entretanto, prometeu a si própria que se decidiria por um de seus
paqueras na programada festa de aniversário.
Viera passar o Carnaval na Bahia um primo
carioca de nome Antônio Carlos, apelidado Tom. Garotão de 17 anos, louro,
cabelos longos, pele bem queimada do sol de Ipanema. Um "gato" na
opinião unânime das meninas que o conheceram. Além de boa pinta, o carioca
tinha um papo que encantava e apaixonava as menininhas. Corriam versões as mais
exageradas em torno de suas aventuras durante o Carnaval. Com muito segredo
chegaram até a circular notícias de que ele desvirginara três garotas.
"Uma delas ficou grávida" - acrescentava, com malícia, uma conhecida
comadre fofoqueira da redondeza.
Maristela só conheceu o famoso primo no
dia da festa, mas não acreditava em nada do que lhe contaram sobre ele. Como
não podia deixar de ser, Tom aplicou uma de suas infalíveis
"cantadas" na prima. Comparou o bonito parente com os demais rapazes
de suas relações. Vários deles também poderiam obter a classificação de
"gato", porém nenhum tinha aquela conversa envolvente e aquele charme
todo especial de Tom. Sua decisão foi tomada com rapidez. 0 primo a havia
conquistado e seria seu primeiro namorado.
Não puderam ficar sozinhos no dia da
festa. Afinal, a aniversariante tinha que se desdobrar em atenções aos
convidados. Combinaram encontrar-se no fim da tarde do dia seguinte, um sábado.
Encerradas as comemorações, Maristela não pôde dormir bem, apesar do cansaço.
Como toda adolescente que se sente tocada pela primeira vez com uma flechada de
Cupido, imaginou mil coisas. Em nenhum momento, contudo, pensou em sexo.
Romanticamente se viu formando um belo par com aquele "garotão
lindo". Por fim, admitiu que isso, sim, era o amor! Estava, sem dúvida,
apaixonada.
Tom chegou pouco depois das 17 horas. A
casa onde Maristela morava fora construída num vasto terreno. Ficava bem
recuada e, na frente, havia um florido e cuidado jardim. Os pais estavam
avisados do início do namoro e permitiram os encontros ali mesmo na área da
casa. Sentaram num banco existente debaixo de uma frondosa mangueira. Enquanto
estava claro, conversaram normalmente, e Maristela não deixou um só momento de
contemplar seu amado. Que beleza e que encanto tinha o priminho!
A
noite foi chegando. Com a claridade diminuindo a cada instante, Tom achou que
estava na hora de acabar com o papo e "partir pra verdade". Quando
namorava qualquer carioca - e sempre preferia as mais experientes - ele logo no
primeiro dia costumava deslizar a mão boba por certas "zonas mais
delicadas" do corpo feminino (a "verdade", para ele, era isso).
Continua: A PRIMEIRA VEZ - II
Transcrito da REVISTA DA ACADEMIA FEIREJSE DE LETRAS - 2021 ANO XV-Nº 11
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