OS PREPARATIVOS
[...] é duro ter que contar isso, mas houve até preparativo para o golpe, da chegada dos homens do exército até a tomada da prefeitura [...]
A SEGUNDA-FEIRA
AINDA NÃO havia amanhecido e o coronel Salustiano já tinha saído de casa. Pegou
uma estrada vicinal e cortando caminho pelo mato, para não ser visto na cidade,
saiu perto de Parnamirim e ficou aguardando o comboio passar em direção à Nossa
Senhora das Dores.
Por volta
das quatro horas da manhã, já se avistava ao longe um clarão. Eram as viaturas
se aproximando. O coração do coronel batia acelerado. Sua expectativa era
enorme. Com cerca de 15 minutos já se avistavam os faróis dos veículos na
estrada. O coronel sinalizou conforme o manual de instruções, e o carro, que puxava
o comboio, parou. Era o mesmo Jeep em que o capitão Duarte havia chegado na sua
fazenda. O capitão desceu e cumprimentou o coronel.
- Bom-dia coronel Salustiano, estamos prontos
para a missão.
- Bom-dia capitão, eu vou seguindo adiante pra
mostrar onde acamparemos.
O coronel
entrou no seu Jeep e seguiu em direção à Nossa Senhora das Dores. Ao se
aproximar da clareira que havia escolhido, o coronel apagou as luzes do seu
veículo, para não ser notado, muito embora a barra do dia já aparecesse no
horizonte. Todos os carros do comboio fizeram a mesma coisa e estacionaram em
círculo ocupando boa parte do terreno.
O capitão
deu as ordens necessárias para armarem as barracas e se distanciou junto com o
coronel, para traçarem a estratégia da tomada da prefeitura e a prisão dos
subversivos.
Tudo
combinado, o coronel se despediu e saiu em direção a sua casa. Havia chegado o
grande dia. Ao chegar em casa, o dia já havia nascido e Victória Régia
preparava o café da manhã. O coronel se aproximou, olhou pra ela e disse:
- Vá pro
seu quarto e me espera, quero fazer umas ousadias com você antes de tomar café.
Victória
Régia, que conhecia os hábitos do coronel, pois não seria a primeira vez,
sorriu, afastou as panelas que estavam sobre a trempe do fogo e foi correndo
pro seu quarto. O coronel se certificou que todos ainda dormiam e foi
sorrateiramente comer Victória Régia.
[...] Você
se lembra quando eu falei que tinha a história do dia que D. Emengarda pegou o
coronel Salú saindo do quarto de Victória Régia apenas de cueca? Pois esta foi
a história [...]
D.
Emengarda acordou e notou que o coronel já havia levantado, como de costume,
mais cedo. Ela sabia que aquela segunda- feira seria decisiva na vida do
coronel e que ele estava ansioso há dias e por isso não dormia direito nem
tampouco a procurava na cama para uma safadeza por menor que fosse, mas como a
ansiedade era grande, ela atribuíra aos acontecimentos. Levantou, vestiu um
robe por cima da camisola e foi providenciar as coisas do dia-a-dia. Foi até a
cozinha falar com Victória Régia e notou algo de diferente. As panelas estavam
afastadas da trempe e o fogo aceso. Era sinal que ela já havia levantado. Mas
onde estava Victória? D. Emengarda saiu até a porta e gritou o seu nome.
O coronel
deu um pulo, saiu de cima de Victória e num ato instintivo correu apressado do
quarto, apenas de cuecas. D. Emengarda gritou:
- Epa...
Pode parar aí, coronel Salustiano. O que o senhor está fazendo de cueca dentro
do quarto de Victória? Trate de se explicar direitinho, porque hoje eu mato um
nesta casa.
O coronel
tinha que ser rápido na resposta, afinal ele conhecia bem a mulher que tinha e
sabia que estava numa enrascada.
- Calma... Eu pedi pra Victória pregar um
botão que segura meu suspensório... Ou você esqueceu que a partir de hoje, eu
sou o prefeito da cidade? E veja lá o que você fica pensando... Eu sou um homem
de respeito...
D.
Emengarda saiu num rompante e como uma víbora entrou no quarto de Victória, já
disposta e agarrá-la pelos cabelos e dá uma boa surra com o facão que
empunhava.
Victória
Régia estava sentada na cama. Segurava as calças do coronel com uma mão e com a
outra uma agulha sem linha, pois com o nervosismo da situação, não tinha dado
tempo de enfiar a linha na agulha.
D.
Emengarda arrebatou as calças do coronel num ímpeto raivoso e disse:
- Vá já pra cozinha fazer o café.
E olhando
raivosamente para o coronel disse:
- Vista a calça, dessa vez eu vou fazer de
conta que acreditei na sua calça sem botão. Na próxima, eu arranco seus ovos e
dou pros porcos comer.
Saiu sem
mais dizer uma palavra. Recolheu-se ao seu quarto e não saiu de lá até que o
coronel foi para a cidade.
Enquanto
tudo isso acontecia na fazenda do coronel, os homens do exército montaram o
acampamento e estavam a postos para a missão do dia.
A
camuflagem estava pronta no acampamento de tal forma que poucas pessoas podiam
perceber o que estava acontecendo.
Na cidade,
estava tudo normal. Os estudantes indo para as escolas, o comércio aos poucos
estava abrindo. Tudo transcorria dentro da normalidade.
O coronel
de posse da sua documentação se encontrou com o capitão e checaram os passos a
serem tomados.
Resolveram
entrar na cidade num ar de intimidação, mas não sem antes tomarem as
providências de cercar todas as saídas. Vários homens foram deslocados para
pontos estratégicos de forma que fugir ficou praticamente impossível. O máximo
que poderiam fazer era se esconder.
O capitão
deu as ordens e saíram em direção à cidade.
O coronel
Salú seguiu atrás do carro do capitão e o resto do comboio acompanhou. Foi uma
entrada sorrateira e acompanhada por alguns curiosos.
O Jeep do
capitão parou à porta da prefeitura, seguido do Jeep do coronel Salustiano.
Entraram apressados direto para o gabinete do prefeito e dois soldados montaram
guarda na porta da prefeitura. Estavam armados com metralhadora. O outro Jeep
com um tenente comandando parou à porta de delegacia, onde também desceram
apressados e dois soldados montaram guarda. E assim foram ocupando os espaços
públicos.
Na praça,
uma pequena multidão tentava se agrupar, mas foi logo dispersada pelos
soldados. Alguns tentaram ir para o bar do seu Zeca, e logo os soldados
fecharam o bar e colocaram seu Zeca dentro de uma viatura. Aos poucos, o
comércio que mal se abriu foi fechando suas portas. As pessoas se recolheram às
suas casas na expectativa de saber o que estava ocorrendo.
As escolas
suspenderam as aulas e o silêncio tomou conta da cidade. Apenas se ouvia os
carros do exército passando pelas ruas ou então os passos cadenciados dos
saldados marchando em busca de cumprir suas missões.
Seu Zeca,
que acabou de ser liberado do seu cativeiro dentro de uma viatura, foi
caminhando para casa a tempo de assistir à cena do prefeito Gilberto, saindo
algemado de dentro da prefeitura e entrando no Jeep do capitão Duarte. O Jeep
do coronel Salustiano permaneceu na prefeitura.
Em seguida,
o delegado saiu algemado e entrou em outra viatura que seguiu o mesmo caminho.
Foram todos para o antigo armazém de fumo.
Alguns
estudantes estavam por entre um pelotão, todos algemados e seguiam a pé para o
mesmo local onde foram o prefeito Gilberto e o delegado.
Aos poucos,
as janelas se fecharam e a cidade ficou num silêncio mortal. Ninguém queria
falar nem comentar nada. Estavam todos com medo. A tarde, alguns soldados
saíram colando cartazes nos postes e paredes de órgãos públicos com os
seguintes dizeres.
“Por ordem
do Excelentíssimo Sr. Comandante da 7ª Região Militar, ficam todos obrigados a
cumprir temporariamente ao toque de recolher a partir das 21 horas, imposto
pelo governo da revolução. Qualquer cidadão que desobedecer esta ordem sofrerá
sanções previstas nas leis de exceção.
“Fica
também proibido qualquer tipo de manifestação popular bem como reuniões em
qualquer domicílio ou lugar público”.
Conforme
cada morador fosse lendo, iam se indignando com a situação, mas estavam em
regime de exceção. Nada mais poderia ser feito a não ser cumprir, mesmo sendo
contra, as determinações impostas, sob pena de sofrer represálias.
O coronel
Salustiano passou o dia inteiro sentado na cadeira do prefeito sem saber o que
fazer e qual ordem iria cumprir.
À tardinha,
o capitão Duarte entra porta adentro e flagra o coronel cochilando em sua
cadeira.
- Coronel Salustiano, o senhor sabe que não há
tempo para dormir, enquanto houver um subversivo à solta. Portanto, trate de
cumprir à risca o que consta no manual.
- Mas capitão Duarte, o senhor não voltou e
fiquei à espera das ordens.
- Ora, coronel, quer dizer que o senhor só
fará alguma coisa pelo seu município se eu estiver presente?
- Não, capitão, mas hoje é o primeiro dia, eu
ainda não sei ao certo o que fazer.
- Coronel, eu quero que o senhor exonere todos
os secretários e componha o seu gabinete o mais rápido possível. Não vou ficar
aqui pro resto da vida. Convoque uma reunião da Câmara de Vereadores para esta
terça-feira, existem alguns vereadores que serão presos também.
- Sim, senhor capitão, vou providenciar isso
agora mesmo.
O coronel
solicitou da telefonista da companhia telefónica uma ligação para o vereador
Anacleto Capanico, determinou uma reunião para o dia seguinte, fechou a sua
sala, despediu-se do pessoal e foi pra casa.
Havia sido
um dia difícil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário