OS DIAS SEGUINTES NÃO FORAM FÁCEIS...
[...] Imaginem vocês um
homem sem nenhuma experiência administrativa e vê-se de repente administrando
uma cidade debaixo de muita pressão. Foi o que aconteceu com o nosso coronel
Salú. Acompanhem [...]
A NOTÍCIA CORREU. OS quatro
cantos da cidade. No bar do seu Zeca, o assunto era o novo prefeito e a prisão
de várias pessoas. Aqueles mais bem informados sabiam que isso ia render muito.
Já estavam comentando que o ex-prefeito teria que responder ao Inquérito
Policial Militar (IPM). Este inquérito era quase que uma obrigação de todos os
presos políticos.
E não deu outra.
Na noite de quarta-feira um caminhão do exército saiu de Nossa
Senhora das Dores com destino a Caruaru, levando cinco presos. O ex-prefeito, o
delegado, Tonho da Cachorra, Carlito Bacalhau e um estudante que presidia o
grémio da escola municipal e era assessor parlamentar de Tonho da Cachorra.
Todos foram responder ao IPM.
O Coronel tratava de cumprir a rotina burocrática e não via a hora
do capitão Duarte ir embora da cidade, para que ele pudesse de verdade
governar. Mas isso estava longe de acontecer.
Em Caruaru, todos foram fichados, identificados, e seus nomes
passaram, a fazer parte da grande lista do Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS), e do Serviço Nacional de Informação (SNI)
Esses dois órgãos foram criados logo após o golpe militar, para
supostamente ter um controle daqueles que se rebelavam contra o sistema
vigente. Mais tarde, surgiriam os DOI-CODE, e muita gente morreu ou por
“acidente de tortura” ou foram assassinados.
Isso sem contar
os inúmeros corpos, depois encontrados em cemitérios clandestinos por todo o
país.
De volta para a cidade, os presos foram colocados no armazém. O
capitão Duarte se encontrou com o prefeito Salustiano e lhe comunicou que as
ordens eram de torturar quem não cooperasse entregando outros subversivos.
Para isso, fizeram uma adaptação da prensa de charutos, transformando-a num
aparelho de tortura.
A primeira seção de torturas foi marcada para domingo pela manhã.
O primeiro à ser inquirido seria o ex-delegado seguido do ex-prefeito. Eles
teriam que confessar quem mais participava da célula comunista. O capitão
Duarte estava com sede de sangue, queria a qualquer preço descobrir nomes para
efetuar prisões e mais torturas.
O clima de terror estava implantado. Ninguém ousava comentar nada
em canto algum. A sensação de que as paredes tinham ouvido também chegou a
Nossa Senhora das Dores.
No domingo, logo cedo, o capitão Duarte já estava a postos no galpão
quando o coronel Salustiano chegou. Trazia consigo um chicote de couro
pendurado no pulso por um trançado de couro fino e uma argola de metal. Usava
uma bota na cor preta e de cano alto, quase até os joelhos. O dia estava
chuvoso e cinzento, como que preconizando o que haveria de vir.
O ex-delegado estava algemado e sentado perto da máquina de
tortura e o capitão Duarte se aproximou dele dizendo:
- Meu caro
ex-delegado, tenho duas formas de obter do senhor uma confissão. Uma delas é a
forma amigável e do diálogo. Basta o senhor dizer tudo o que sabe e dar os
nomes que eu quero. A outra é obter essas informações fazendo o senhor sofrer
muito. Fica à sua escolha em qual método quer conversar comigo.
Nisso, o capitão andava de um lado para o outro sem parar. Coronel
Salustiano apenas observava.
O ex-delegado respondeu:
- Capitão, eu tenho as minhas convicções políticas,
tenho minha ética e minha lealdade. Acho um pouco difícil eu ter que entregar
qualquer companheiro de luta somente para ser agradável ao senhor.
- Já que o senhor pensa dessa forma, serei obrigado a mostrar
quem está com força neste momento.
-
Deu um sinal para o tenente, que pegou o ex-delegado pelos cabelos e colocou
sua cabeça em uma prancha de madeira e começou a rodar a prensa com a
finalidade de esmagar seu crânio. À medida que o tenente rodava o sem fim, uma
espécie de parafuso esculpido na madeira, um pranchão ia descendo e apertando o
crânio do delegado. Até certo ponto o delegado aguentou. Logo depois, ele
começou a fazer cara de dor e o tenente parou de apertar. O capitão perguntou:
Então delegado, prefere ter seu crânio
estourado ou vai contar o que sabe?
Virou-se para um sargento que estava do
seu lado e disse:
- Vá pegar todos os presos e coloque-os
aqui para assistirem a este espetáculo.
- Num instante, providenciaram para que
todos estivessem em volta da prensa.
- A essa altura o capitão
Duarte parecia ter orgasmos de tanto prazer que aquilo estava lhe
proporcionando. Ele já nem falava mais. Ele gemia e gritava ordens:
-
Vamos cafajeste, abre o jogo. Fala desgraçado. Entrega logo.
- O torturado gemia de dor. Uma baba
escorria pelo canto da boca. Sua respiração era bastante ofegante.
- Afrouxa a prensa.
- Gritou o capitão.
- O torturado sentiu um alívio e
desmaiou.
- O capitão mandou jogar água e o
ex-delegado voltou a si. Estava tonto e sua cabeça doía muito.
- O capitão se aproximou, agachou junto
do corpo, segurou seus cabelos e disse baixinho ao seu ouvido:
- Então? Já viu como as coisas funcionam
por aqui? Vai falar agora ou quer um tempo pra pensar?
- E num grito histérico, voltou a
ameaçar a vida do delegado:
- Fala, filho da puta, eu não tenho mais
paciência...
- Sacou uma arma, encostou na fronte do
delegado e gritou novamente:
- Fala vagabundo, você é a pior escória
da sociedade, seu comunista safado. O seu silêncio vai te matar.
- E olhando para todos, falou aos
berros:
- Ele está se matando por não querer
falar. Ele está se matando!
E num gesto cretino, de quem só tem a covardia
como razão de viver, puxou o gatilho e estourou o crânio do delegado com um
único tiro. Levantou-se ofegante e disse:
- Tirem esse porco daqui, e que isso
sirva de exemplo para os senhores quando forem interrogados por mim.
- Saiu sem dar mais uma palavra.
- O coronel Salustiano saiu atrás do
capitão e sentindo-se tonto, parou no portão de saída e vomitou copiosamente.
Entrou no seu Jeep e foi pra casa.
- Os presos foram recolhidos para suas selas e o ex-prefeito entrou em pânico.
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