O COMÍCIO
{...) SÓ SE OUVE o povo balbuciando palavras vãs. O palanque está lotado de puxa-sacos,
correligionários, políticos e papagaios de pirata.
Pra quem não sabe,
papagaio de pirata é aquele intruso que fica aparecendo em todas as fotos,
apenas com a cabeça por trás do ombro do candidato. Havia até revezamento desse
tipo de ave de rapina.
O locutor pega o
microfone, bate como se estivesse mandando todo mundo se foder, diz:
-
Alô... sooooom, tessstando, 123,
sooooom. Ei soooom, Ahhli sooooom, tessstando 123. Ah!
Puxa o ar e
anuncia:
-
Senhoras e senhores, moradores da
cidade de Nossa Senhora das Dores, autoridades aqui presentes...
Faz-se um suspense.
O tocador de caixa da banda rufa as ba quetas, aumentando a ansiedade do povo.
O locutor enfim
anuncia.
-
Vai falar para o povo desta cidade
o futuro prefeito... Coronel Salustiano...
O povo aplaude,
porque o povo aplaude tudo...
Os fogos estouram,
porque foram feitos para estourar nesses momentos.
Coronel Salustiano
pega o microfone e, visivelmente, nervoso, diz:
-
Povo da minha terra...
O povo aplaude e
grita.
Na verdade tinham
alguns contratados pra puxar as palmas.
- É chegada a hora
da mudança. Eu não poderia deixar de me oferecer a esta empreitada política,
pra não ver sucumbir a nossa terra nas mãos do mal.
O delegado olha
para o prefeito Serapião e enfezado comenta:
-
Lá vem chumbo prefeito, segura o
cu que lá vem chumbo!
O coronel
prossegue:
-
Há muito tempo eu tinha jurado pra
mim mesmo e pra minha família, que prezo tanto, não me meter em política e nem
tampouco me candidatar a nenhum cargo.
O povo aplaude.
-
Mas, diante das circunstâncias
desenhadas no presente, achei por bem preservar o futuro.
O povo não entendeu
porra nenhuma, mas achou bonito. Povo adora metáfora de político.
Alguém se
entusiasmou e gritou:
-
Muito bem!
O povo aplaudiu.
-
Todos sabem que sou filho desta
terra, que amo a minha cidade, que jamais deixarei que forças ocultas
atrapalhem o progresso (“forças ocultas” era a palavra da moda por causa da
renúncia de Jânio).
O povo aplaude.
- Não permitirei jamais que entravem o crescimento e o progresso da nossa
terra. Não deixarei de fazer com que o povo se sinta orgulhoso de pertencer a
uma cidade que precisa crescer.
-
Estamos há muito tempo, entregues
nas mãos de políticos inescrupulosos, que quase nada estão fazendo para
melhorar a vida da população de Nossa Senhora das Dores.
-
A nossa cidade necessita de obras,
de melhoramentos, de escolas, de hospital, de saneamento, de água potável.
Nesse momento, o
coronel se entusiasmou com as palavras e cometeu um deslize que nunca foi
notado. Ele disse:
-
Vamos trabalhar sério. Vamos dotar
a nossa cidade de água elétrica e luz encanada.
O povo aplaudiu com
muito entusiasmo sem perceber o erro. Mas o povo é assim mesmo, nunca percebe
os erros. - Quero neste instante,
diante do meu povo e na minha cida¬de, anunciar que sou candidato a prefeito e
a partir de agora quero contar com o seu voto. Vamos caminhar juntos, pra fazer
da nossa cidade um lugar agradável e sem atitudes arbitrárias que certas pessoas
vêm praticando diante dos olhos do povo.
O delegado Gilberto deu um
soco na janela e disse:
- Agora ele me insultou. Isso não vai ficar assim. No meu comício,
eu vou dizer poucas e boas desse safado.
O coronel encerrou.
- Quero dizer que conto com o seu voto, conto com o meu povo e
vamos ao encontro da vitória. No dia 07 de outubro, quero o seu voto. Muito
obrigado.
O povo aplaudiu,
entusiasmadamente. Os fogos estouraram. O coronel já havia contratado alguns
homens para carregá-lo nos ombros e assim foi feito. Ele saiu carregado nos
braços do povo que caminhou em volta da praça.
Assim, foi lançada a
candidatura do coronel Salustiano a prefeito da sua cidade. Desse dia em
diante, o coronel nunca mais conseguiu ser a mesma pessoa. Sua personalidade mudou.
Terminado o evento, Tonho da
Cachorra e Manoel Doca chegam à casa do delegado.
O delegado, ainda zonzo com
o barulho do alto-falante, pergunta pra Manoel Doca:
- Posso saber o porquê da sua bandeada pro outro lado? Não está
satisfeito com alguma coisa?
Manoel Doca, logo se
servindo de um licor, responde:
- Não bandeei coisa nenhuma... Estava apenas vendo quem realmente
está do nosso lado, delegado.
- Pra mim, isso é bandear, é virar a casaca, seu Manoel... O senhor
já está do outro lado... Vai perder seu mandato de vereador... O senhor não se
reelege.
- Delegado, eu ainda estou no seu partido. Serei candidato à
reeleição pelo seu partido.
- Espero que seja verdade, seu Manoel.
O delegado, olhando bem
firme pra Tonho da Cachorra, diz:
- O senhor até anunciado foi... Eu mando o senhor ir buscar esse
idiota e o senhor acaba ficando no palanque do adversário... Eu estou cercado
de traíras, isso sim.
Tonho da Cachorra, com a
boca cheia de amendoim cozido, fala cuspindo alguns grãos:
- Hum... Delegado... Eu não tenho culpa daquele locutor me
anunciar... Afinal, sou um homem popular. O senhor viu como o povo me aplaudiu?
- Vi sim... E vi também como o senhor gostou de ter ficado do outro
lado.
O prefeito Serapião pegou
seu chapéu, se despediu de D. Catuta e de Maria Flor, chegou até a porta e
falou ao delegado:
- Vamos ter que trabalhar na surdina esse tempo todo. Pode escrever,
vou colocar a máquina administrativa pra trabalhar pra sua eleição delegado.
Essa nós não perdemos por dinheiro nenhum.
- Espero que o senhor esteja certo do que está falando. Se eu lor
depender desse bando de traidores...
O prefeito se despediu de
todos e saiu acompanhado de Tonho da Cachorra e Manoel Doca,
Pedro Burrinha havia
vomitado novamente e estava escornado num canto da sala, enquanto Boca de
Sulapa comia um frango assado que havia encontrado no forno e seria servido no
outro dia.
Maria Flor e D. Catuta já
haviam se recolhido. O delegado chamou Boca de Sulapa:
- Pega esse bêbado e tira ele daqui de dentro da minha casa, senão
vai pegar mal eu ter que mandar prender um vereador por embriaguez.
Boca de Sulapa se abaixou,
pegou Pedro Burrinha pelos braços e arrastou pra fora da casa do delegado.
O estado de Pedro Burrinha
era tão lastimável, que ninguém percebeu que ele estava todo cagado, por isso o
mau cheiro na casa toda.
O delegado
Gilberto, mais que depressa, fechou a porta da casa e foi se recolher, pois o
dia seguinte seria de articulações políticas.
(continua: O dia
seguinte)
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