A PREPARAÇÃO DO COMÍCIO
[...] Quem não se lembra dos velhos comícios? Era um tempo poético. Existiam figuras folclóricas. Hoje com o palanque eletrónico e os marqueteiros de plantão, tudo é muito ensaiado, sem graça. Sem poesia. [...]
A BANDA DE CARUARU irrompe pela cidade, arrastando o povo para o palanque, mas sem deixar de dar algumas voltas pela praça. Havia pessoas de todas as classes. Parecia uma festa de largo, aquelas em que se festeja a festa da padroeira. Tinha muita criança fazendo barulho, e criança não vota. A meninada estava animada com a distribuição gratuita de pipocas que o coronel contratou em Parnamirim. Alguns meninos entregavam panfletos com os seguintes dizeres:
Coronel Salustiano
Mas, o panfleto que mais incomodou o outro lado foi:
Para governar a cidade.
Eleja um homem de verdade.
Coronel Salustiano
Quando o delegado recebeu esse panfleto, foi para o
quarto, pegou seu revolver, colocou seis balas e quando saía espumando de raiva
entra seu Zeca aflito:
- Delegado, eu preciso conversar com o senhor...
-
Agora não seu
Zeca, agora eu vou ali matar um cabra safado que diz que eu não sou homem...
-
Delegado... O
coronel me deu isso e quer que eu seja do lado dele...
O delegado parou, pegou o papel de filiação do
outro partido, olhou bem nos olhos do seu Zeca e disse:
-
Seu Zeca, isso
aqui não serve nem pra limpar o rabo sujo de merda.
-
E o que eu
faço, delegado? O coronel disse lá no bar que está me esperando no palanque. O
senhor acha que devo subir no palanque dele?
O delegado muito irritado responde:
-
Vá seu Zeca,
sobe no palanque dele e aí o senhor só desce de lá nos braços do povo, seu
Zeca... Morto... Entendeu seu Zeca? Morto... Pois eu lhe dou um tiro daqui da
minha janela.
-
Que é isso,
delegado? O senhor vai ter coragem de atirar em mim?
-
Se subir
naquele palanque, o senhor só desce morto.
-
E o que eu
faço então?
-
Vá distribuir
panfleto no meio do povo que é melhor. Minha candidatura é vitoriosa... Vou
derrotar esse coronel de qualquer maneira, nem que eu tenha que jogar sujo na
eleição.
Seu Zeca se retirou e o delegado até esqueceu que
ia matar o coronel. Guardou a arma na gaveta e ficou na janela assistindo aos
acontecimentos.
A banda sobe no coreto e executa Asa Branca. O povo se aproxima cada vez mais.
O delegado procura fazer uma estimativa de quantas
pessoas havia na praça. De repente, chega à casa do delegado o atual prefeito
acompanhado de alguns vereadores.
Serapião Bezerra, vestido num terno de linho
branco, chapéu panamá e sapatos de duas cores. Estava impecavelmente trajado. Junto com ele vieram os vereadores, Tonho da Cachorra, Pedro Burrinha e Boca de
Sulapa.
Pedro Burrinha já estava bêbado e foi logo vomitando na sala do delegado. O vómito fedia a azedo, e o jato foi tão forte que alagou a toalha da mesa. O líquido do vómito foi absorvido pelo pano e só ficaram alguns pedaços de carne mal mastigada, que devia ser o tira-gosto ingerido durante a bebedeira.
D. Catuta tratou de retirar logo a toalha e a levou
para os fundos. Na volta, trouxe a licoreira com um bom licor de maracujá e
algumas taças. Maria Flor trouxe uma tigela de porcelana cheia de amendoim
cozido. Mas o cheiro do vómito continuou.
Lá fora o pau tava comendo, como se diz na região.
Fogos estouravam enquanto as autoridades iam
chegando aos poucos e subindo no palanque.
Um locutor anunciava de vez em quando:
-
Dentro de mais
alguns minutos estaremos recebendo o futuro prefeito de Nossa Senhora das
Dores.
O povo aplaudia.
-
Neste
instante, anunciamos a chegada do Sr. Leocádio da Mandioca, muito digno morador
da zona rural, e que vem dar o seu apoio à candidatura do coronel Salustiano.
O povo aplaudia.
A boca de alto-falante instalada na frente da casa
do delegado impede que lá dentro eles conversem. O delegado se acotovela na
janela e fica olhando quem são as pessoas que estão por lá.
De repente, avista o vereador Manoel Doca subindo
no palanque. O delegado espuma de raiva e chama o prefeito Serapião para
averiguar.
-
Aquele não é
Manoel Doca? - Pergunta o delegado.
O prefeito apurando as vistas...
-
E não é que
parece ele mermo?
O delegado chama Tonho da Cachorra e diz:
-
O Tonho... Vá
até lá e se certifique se é Manoel Doca que se bandeou pro outro lado...
Tonho da Cachorra saiu se esgueirando por entre o
povo até chegar perto do coreto. Ao se aproximar, o locutor anuncia:
-
Acaba de
chegar neste palanque para dar o seu apoio à candidatura vitoriosa do coronel
Salustiano o vereador Tonho da Cachorra...
O povo aplaudiu gritando:
-
Tonho, Tonho,
Tonho!
Ele se
entusiasmou e acabou por subir no palanque e acenou para o povo.
O delegado
indignado exclama:
-
E não é que
aquele filho da puta também subiu no palanque... listou enrolado no xale da
doida... Até meus vereadores estão me traindo...
O prefeito
Serapião interrompe:
-
Calma,
delegado Gilberto, é assim mesmo... Eu tenho a certeza da nossa vitória, aqui
sempre foi reduto do PSD, não é agora que vai mudar.
Na entrada da
praça estouram alguns fogos. Era o anúncio da chegada da comitiva e junto com
ela o candidato da UDN, Coronel Salustiano. O povo acompanhava o cortejo e o
candidato acenava muito, estava eufórico. Numa provocação, o coronel fez
questão que a comitiva passasse em frente à casa do delegado.
E assim foi
feito.
Pararam,
soltaram fogos e acenaram para o povo, sem olhar para a janela onde estavam
todos acotovelados, olhando com certo desdém.
A caravana
seguiu em frente. A banda tocava um frevo, o povo dançava, até que o coronel
chegou ao palanque.
Nesse
instante, o locutor anuncia:
-
Povo de Nossa
Senhora das Dores... Sobe neste instante ao nosso palanque, o futuro prefeito
da cidade.
Os fogos
estouram num barulho ensurdecedor, o povo aplaude e grita; e a banda toca cada
vez mais eufórica.
Na casa do
delegado Gilberto, ninguém conversa. O barulho do alto-falante é muito alto.
As outras autoridades que vieram de outras cidades sobem e
está armado o comício de lançamento da candidatura do coronel. Algumas faixas
são exibidas com o nome do candidato.
[...] Silêncio... a banda parou de tocar. Algumas pessoas ainda conversam baixinho, crianças gritam alguém pigarreia alto. Vai começar o comício [...] Silêncio... a banda parou de tocar. Algumas pessoas ainda conversam baixinho, crianças gritam alguém pigarreia alto. Vai começar o comício [.[...] Momento decisivo na carreira política. Hora de testar popularidade, conhecimento, capacidade de oratória e convencimento. Vamos aos fatos. [...] (Continua na próxima postagem).
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