Santanopolitano, Médico, Professor Adjunto de Urologia, Mestre em Ciências Morfológicas.
HISTÓRIA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE FEIRA DE SANTANA - VII
1. INTRODUÇÃO
As terras
do Recôncavo baiano, nas quais correm as águas dos rios Subaé, Guaí, Paraguaçu
e Jaguaripe, na agricultura, com base no trabalho de povos escravizados de
origem indígena e/ou africana, foram utilizadas, principalmente, para o cultivo
de cana- de-açúcar, fumo e mandioca. Nessa região em que se propagou a linha
sul do povoamento, foram instaladas as primeiras vilas da Capitania da Bahia:
Jaguaripe (1697), Cachoeira (1698), São Francisco da Barra de Sergipe do Conde
(1698), Maragogipe (1724), Purificação e Santo Amaro (1727) e Valença, em 1799.
Ademais, no período imperial, em 1831, foi criada a Vila de Nossa Senhora de
Nazaré, territorialmente desmembrada de Jaguaripe e Feira de Sant’Anna, em
1832, separada que foi do território da Vila da Cachoeira.
No campo
econômico, em função da variedade de solos que permitia diferentes cultivares,
foram instaladas manufaturas para processamento de produtos agrícolas
destinados à exportação e abastecimento do mercado interno: Engenhos para a
moagem de cana e produção de açúcar, “casas de farinha” para processamento de
mandioca e “armazéns” para estocagem de fumo que era manufaturado,
inicialmente, no ambiente doméstico. A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum)
era cultivada, principalmente, nos terrenos de solos mais pesados, com maior
teor de argila, conhecidos por massapês, presentes nas vilas de São Francisco
do Conde, Santo Amaro e no Iguape, território da Vila da Cachoeira. (MILTON,
1979, p. 16; BARICKMAN, 2003, p. 36).
A cultura
de mandioca (Manihot
esculenta) se desenvolveu nos solos leves e arenosos das vilas de
Maragogipe, Jaguaripe, Nazaré e também em parte do território de Cachoeira. De
forma diferente do sistema plantation, o cultivo e
processamento de mandioca nas “casas de farinha”, quase sempre realizado por
rendeiros ou pequenos proprietários rurais, prioritariamente, destinava-se ao
abastecimento interno, uma vez que a farinha era um produto básico na
alimentação regional. Segundo Barickman (2003), firmou-se no Recôncavo baiano
um mercado urbano e rural bem desenvolvido para viveres básicos: “O aumento da
oferta de farinha, por sua vez, possibilitou uma expansão maior e mais rápida
da produção de açúcar nos engenhos da região na primeira metade do oitocentos”.
(BARICKMAN, 2003, p. 30).
Por sua vez, a cultura do fumo (Nicotiana tabacum), usado pelos indígenas brasílicos, exportado e popularizado na Europa como remédio, e utilizado como moeda de troca por africanos escravizados, no Recôncavo baiano, também se desenvolveu nas “areias” das vilas de Maragogipe, Jaguaripe, Nazaré e na parte arenosa de Cachoeira. A produção e o processamento inicial do fumo eram basicamente domésticos e envolviam os membros da família e os poucos escravos, alugados ou de propriedade, do quase sempre pequeno produtor. Tal qual o cultivo de mandioca, a lavoura da “erva santa” foi também uma alternativa econômica ao sistema de plantation:
Na estrutura fundiária, no uso da terra, no recrutamento da mão de
obra, no abastecimento e nas técnicas agrícolas, o açúcar e o fumo exibem
diferenças significativas e fundamentais. Assim, a lavoura de fumageira não
representava um mero exemplo a mais na monocultura de exportação... O que a
produção de tabaco no Recôncavo demostra é que no âmbito da agricultura
escravista de exportação havia alternativas viáveis àplantation. (BARICKMAN,
2003, p. 31).
O atual
município de Feira de Santana, cuja sede foi elevada à cidade em 16 de junho de
1873, atualmente, é um polo urbano dominante de um conjunto de regiões,
abrangendo parte do Nordeste da Bahia, de Irecê, do Piemonte da Chapada
Diamantina, do Litoral Norte, do Paraguaçu e do Recôncavo baiano.
Anteriormente, quando a Província da Bahia era presidida por Joaquim Pinheiro
de Vasconcelos, Visconde de Montserrat, através do Decreto de 13 de novembro de
1832, o atual município ganhou autonomia político-administrativa e com o nome
de Vila de Feira de Sant’Anna foi, geográfica e politicamente, separado do
Termo da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira.
Empossada a
primeira Câmara Municipal em sessão realizada na Igreja Matriz de Santana, em
18 de setembro de 1833, territorialmente, passaram a fazer parte do Termo da
Vila de Feira de Sant’Anna, as freguesias de S. José das Itapororocas, Santa
Anna do Comissão e Santíssimo Coração de Jesus de Pedrão. Entretanto, quanto à
assistência hospitalar da população, muito embora no início dos anos cinquenta
do século XIX, o Juiz Antônio Luiz Affonso de Carvalho, tenha se mobilizado
para solucionar a carência local, a alternativa mais próxima para todo e
qualquer atendimento nosocomial era o Hospital São João de Deus, situado em
Cachoeira.
1. O SISTEMA DE APOIO SOCIAL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA
No campo da assistência social, a partir do modelo implantado em Portugal no final do século XV, desde o Brasil colonial, passou a ser da responsabilidade das Santas Casas de Misericórdia a assistência aos necessitados. Laurinda Abreu (2003), ao abordar as estratégias de intervenção social, no período entre os séculos XVI e XVIII, apresenta uma visão do conjunto das confrarias lusitanas, bem como da importância das Misericórdias para a assistência médica e hospitalar portuguesa:
Fundadas no contexto de um processo de reforma da assistência
desencadeada pela Coroa num momento em que o Ocidente atravessava profundas
mudanças, estas confrarias apresentavam-se como parte integrante de um conjunto
maior de ações que lançam os alicerces de um sistema de apoio social,
relativamente uniformizado, assente numa explicita lógica de divisão de
funções, que ambicionava abranger os presos, as crianças, desprotegidas, os
pobres e os doentes. (ABREU, 2004, p.12).
Além disso, o estudo aborda as especificidades da assistência em Portugal e amplia suas análises sobre a política de expansão das Misericórdias lusitanas para o além- mar, ou seja, para os domínios ultramarinos do império português. Ademais, Charles Boxer (1969), ao abordar o tema e objetivando compreender de que forma os portugueses expandiram sua cultura nos domínios do reino, concluiu que as Misericórdias, juntamente com os Conselhos ou Senado da Câmara das vilas ou cidades, cada um no seu espaço, eram elementos de coesão política e social no vasto império lusitano e um dos sustentáculos da monarquia portuguesa. (ABREU, 2001, p.591; BOXER, 1969, p.263). (Continua na próxima postagem da série)
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