Hugo Navarro Silva |
O antropólogo Roberto Da Matta, em artigo publicado em “O
Globo” de quarta-feira última, disse que “o ministro Joaquim Barbosa tem sido
tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que sente e pensa”, com seu
estio sincero e desabrido, acrescentando que no Brasil somos treinados a não
dizer o que pensamos por diversos motivos.
Após o julgamento do processo do mensalão, que poucos
acreditavam pudesse chegar à sentença, mas pôs à mostra, com a chancela da mais
alta corte do país, as apodrecidas vísceras do poder, o ministro relator do
processo e um dos principais responsáveis por sua viabilidade passou a sofrer
solerte e meio disfarçada campanha de descrédito, chamado de truculento e
acusado de atitudes ditatoriais a serviço de encobertos interesses políticos,
quando de fato tratava-se, apenas, de juiz que cuidava da correta conclusão de
um feito, o que deve ter causado
perplexidade a muitos que estavam apregoando
a existência de mais uma gigantesca pizza, obra de Poder que vai caindo
em descrédito cada vez maior neste país: o Judiciário.
Os fatos se precipitaram quando Joaquim Barbosa, na
discussão de protelatório recurso de um dos condenados, teria insinuado que um
colega fazia chicana.
A palavra chicana, que apareceu no Brasil com o sentido de
brincadeira maldosa, ingressou na linguagem forense significando qualquer
incidente inútil, medida protelatória, cavilosa, sem base jurídica, de uso de
advogados, destinada apenas a protelar o andamento dos feitos. Há muito caiu em
desuso mas foi, de maneira até
surpreendente, revivida pelo ministro
Barbosa contra o ministro Ricardo Lewandowski, que vinha, durante todo o
transcurso do julgamento do mensalão, buscando amenizar a situação de acusados. O episódio acirrou a campanha
contra Joaquim, que de certo modo, usando das prerrogativas de membro do STF,
vem restaurando a abalada crença popular no Judiciário brasileiro, ao
demonstrar, pelo menos, em parte, a
prática de crimes graves de mandões da
República e do partido do governo. Nem todos, é verdade. Houve ausências
lamentadas e sentidas. Mas atreveu-se a dizer verdades suficientes para fazer
renascer a confiança de que nem tudo está perdido. Ainda há pessoas capazes de
proclamar a verdade, neste país, verdade conhecida, amplamente divulgada por
órgãos independentes da imprensa, mas destinada ao olvido a que normalmente são
atirados os delitos praticados contra o erário, que envolvem a política
partidária em país que às vezes parece
formado de moucos, cegos e
irresponsáveis.
O poeta Paul Valèry comparou a verdade ao fogo, coisas perigosas
que devemos temer e evitar. Um dramaturgo célebre escreveu que vivemos tão
envolvidos em farsas e dissimulações que a verdade se assemelha à loucura.
O povo acostumou-se a dar mais importância e crédito à ponte
de Itaparica e ao trem bala do que às verdades publicadas a respeito da
roubalheira que se disseminou no país.
A atuação do ministro Joaquim Barbosa ao proclamar verdades a
respeito da conduta delituosa de pessoas ligadas intimamente ao poder, e não
vamos esquecer o corajoso trabalho da Procuradoria Geral da República na
meticulosa, cuidadosa e correta denúncia oferecida contra gente poderosa e
forte dentro e fora do governo, deu ao povo a certeza de que a justiça criminal
não existe apenas para punir pobres, pretos e desamparados.
O que falta é pôr na cadeia os condenados no processo do
mensalão apesar de todo o esforço chicanista que possa existir. A efetiva
punição dos culpados reforçará a certeza, que anda enfraquecida e anêmica, de
que um dia seremos povo livre, vivendo um verdadeiro regime democrático.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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