MARCOS PÉRSICO – Santanopolitano, cineasta, teatrólogo, escritor.
A VIAGEM DE RODOPHOLFO
(COM PH DE PHARMÁCIA)
[...] Vamos aos fatos do romance de Tibúrcio com o filho do dono
da pharmácia. Por que tudo foi ocultado [...]
SEU FLORFNTINO,
FARMACÊUTICO, ERA fanático por futebol. Como 1966 seria o ano
do tri campeonato, pois a seleção havia vencido a copa de 1958 na Suécia e 1962
no Chile, agora era a vez da vencer na Inglaterra.
Seu florentino resolveu viajar
para assistir aos jogos e voltar tri campeão.
Rodolpho já estava com 19 anos e
resolveu ir junto com o pai para este passeio. Quando comentou com Tibúrcio que
ficaria mais de um mês ausente da cidade, ele (ou ela) quase morreu de ciúme.
Se sentiu abandonado, traído,
desprezado, um objeto, essas coisas de viado. Mas era a situação real, ele
tinha mesmo que se conformar. Na noite que antecedia a viagem, saíram para comemorar
a despedida. Beberam, se beijaram, prometeram fidelidade, cumplicidade.
Tibúrcio fez Rodolpho prometer que lhe seria fiel, que escreveria assim que
chegasse a Londres... Essas frescuras.
Na madrugada, antes de cada um ir
pra suas casas, resolveram transar ao lado do coreto. Aquela seria uma noite
romântica para Tibúrcio. Dar a bunda à luz do luar.
Quando estavam nas vias de fato,
(muito mais no fato do que na via), o delegado dá um flagrante nos dois e
ordena a prisão de ambos. Tentaram se explicar, mas não teve diálogo. Cadeia.
Ao amanhecer, o delegado chega à
delegacia e vai logo para a carceragem conversar com os dois.
Ao entrar no corredor da
carceragem, Tibúrcio chama logo o delegado e diz:
- Por favor, delgado, solte logo
Rodolpho, ele tem uma viagem pra fazer com o pai dele. Vão até Recife embarcar
para Londres. Não é justo o senhor manter ele preso aqui dentro.
- E por que não pensaram nisso,
antes de fazer o que estavam fazendo em praça pública? Aquilo lá é lugar do
senhor dar a bunda?
- Mas delegado, eu assumo. A culpa
foi minha, solte Rodolpho, por favor.
O delegado olha pra Rodolpho e
pergunta:
- O senhor é filho de quem?
- Sou filho do dono da Pharmácia.
- O senhor é filho de seu Florentino,
um homem honrado, um homem sério, de respeito... Se prestar a um papel desses
com um viado, vagabundo que nem pai tem? O senhor devia ter vergonha de se
misturar com esse tipo de gente. Vou soltar o senhor, mas esse viado vai ficar
aqui, pra aprender a respeitar a cidade alheia...
Mandou abrir a cela e Rodolpho
saiu. Tibúrcio começou a chorar ao ver seu amor sair sem se despedir dele.
O delegado voltou pra sua sala.
Mais tarde, como a notícia já
havia chegado ao bar do seu Zeca, não demorou muito, o prefeito ficou sabendo
que seu filho Tibúrcio estava preso, só não contaram o motivo da prisão.
O prefeito mandou chamar o
delegado até a prefeitura pra saber o que havia acontecido.
Dr. Roque, o delegado, se fez anunciar e teve a
permissão de entrar no gabinete do prefeito, que por sinal, não estava com cara
de muitos amigos. Foi curto e grosso.
- O senhor agora deu pra perseguir
os meus dois filhos, delegado? Que história é essa de prender meu filho?
- Boa tarde Sr. Prefeito. Não prendi
seu filho. Prendi por atentado violento ao pudor o filho do Sr. Florentino,
dono da pharmácia, e um homossexual qualquer. Os dois estavam fazendo sexo ao
lado do coreto. Pelo que sei, seu filho é muito macho, haja vista o que estava
tentado fazer com a minha filha.
O prefeito orgulhoso da
masculinidade dos filhos, disse:
- Graças a Deus, meus dois filhos
saíram ao pai. Macho. Não podem ver um rabo de
saia.
-
Dois filhos coronel?
-
Sim. Dois filhos. Deoclécio, seu genro e
Tibúrcio o meu filho do meio.
-
Como é esse seu filho do meio?
-
É um cabra macho. Parece muito comigo.
Comedor. Vive encangado com o filho de seu Florentino. Os dois juntos
aterrorizam a meninas dessa cidade. Aquele sabe viver...
-
O senhor tem uma foto dele pra me
mostrar. Eu acho que não conheço.
-
O prefeito tirou uma foto de dentro da
carteira e mostrou pro delegado. Nesse instante o delegado engasgou com a
própria saliva, começou a se sentir mal. Pediu licença e saiu da sala. O
prefeito o acompanhou.
-
O senhor está melhor, delegado?
-
O delegado sem saber o que fazer pra
contar o ocorrido:
-
Estou sim, prefeito... Estou melhor...
Acho que o senhor deve ir comigo até a delegacia.
-
Fazer o que lá? Está com medo de morrer
engasgado?
-
Não senhor, prefeito... Quem pode morrer
engasgado é o senhor.
-
E saíram em direção à delegacia.
-
No bar do seu Zeca já estava o maior
burburinho. Na porta da prefeitura então...
-
Seu Zeca não poderia perder esse
flagrante, fez um lanche e foi levar para Tibúrcio na carceragem. Era a forma
de ficar bem perto dos fatos. Conseguiu entrar graças a uma propina que deu ao
carcereiro. Já em 1966 se corrompia carcereiro.
-
O delegado e o prefeito entraram. Dr.
Roque estava transpirando acima do normal. Sentou-se, mandou o prefeito se
sentar e começou uma conversa estranha com o coronel.
-
Sabe coronel, tem coisas que os filhos da
gente fazem e nós temos que relevar.
- Eu sei delegado. O ocorrido com o meu filho e a sua filha é coisa da juventude. Nós já tivemos aquela idade.
-
Pois é coronel. Mas se alguma coisa não
deu certo com um filho, não significa o fim do mundo. Não criamos os filhos
para nós, criamos para o mundo.
-
Eu sei disso delegado. Eu, graças a Deus,
criei meus filhos ensinando sempre o correto. Sempre fui muito enérgico com
eles. Os meninos são homens, tem que aprender a se virar. Já a filha moça, a
gente tem que ter certo cuidado, na verdade é a mãe quem educa a filha e o pai
educa o filho macho.
-
É verdade, coronel. Mas nem sempre dá
certo, né?
-
Dá certo sim, delegado. Tem quer ser
enérgico pra educar filho homem. Tem que ter pulso firme... Senão vira boiola...
O senhor me entende?
-
Entendo sim prefeito... Entendo muito
bem.
-
O prefeito olhou para os lados, se
certificou de que não tinha mais ninguém por perto e falou baixinho:
-
O delegado tem filho homem?
-
Tenho um filho que mora em Recife, vai se
formar este ano.
-
Ainda bem baixinho:
-
Por acaso o seu filho se despombalizou?
Virou frutinha?
-
Não entendi, prefeito.
-
Vou ser direto. Por acaso o seu filho é
viado?
-
O delegado deu uma gargalhada. Não se
conteve.
-
Não Sr. Prefeito, o meu filho é homem,
cabra macho.
-
Ainda bem... Já pensou que desgosto pra
um pai ter um filho viado?
-
Deve ser horrível coronel.
-
Deve ser.
-
O delegado resolve entrar no assunto.
-
E se o senhor descobrisse que um filho
seu é viado?
-
O coronel sorriu:
-
O senhor não imagina o que eu seria capaz
de fazer...
-
O que faria coronel?
-
Eu confesso que mato... Eu não aceito
isso... Eu mato.
-
O delegado tentou se livrar do problema.
-
Bem coronel, a conversa está boa, mas eu
vou pra casa. Obrigado por ter me ajudado a me livrar daquele engasgo, Já
estou bem melhor.
-
O coronel querendo ver o filho, pergunta:
-
Mas é verdade que meu filho foi preso
pelo senhor?
-
Não é verdade. Alguém deve ter contado
uma história errada. Foi o filho do farmacêutico e um viado que eu prendi. Seu
filho jamais entraria aqui.
-
Saíram juntos.
-
O delegado colocou a mão esquerda no
ombro do prefeito e caminharam boa parte do tempo assim.
-
Como bons amigos.
-
Mais tarde, o delegado retornou à
delegacia e mandou soltar Tibúrcio, mas não sem antes passar um sermão.
-
A noite já tinha caído e Tibúrcio
chorando, caminhou pela praça sozinho.
-
Não havia Rodolpho, não havia ninguém.
-
Apenas um andar solitário.
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