A observação nos ensina
ser a História constituída de
acontecimentos reais recheados de
suposições, informações
contraditórias e coisas
do tipo “por ouvir contar”.
Isto porque, a depender do autor, um fato, em
suas minudências, sofre uma série de alterações. Muita coisa se perde e outras são
adulteradas por falta de informação e registro. Saliente-se que não
existiam em determinados períodos históricos a fotografia, os recursos de
tecnologias, ou mesmo alguém que deixasse registrado em escrita o fato, passando este a
ser contado de acordo com diversos pontos de vista. Antes de polemizar, precisamos esclarecer algumas coisas, pois os anos
de vida e o mergulho em pesquisas já nos
fizeram ver que, como diziam os mais antigos, “quem conta um conto, aumenta um ponto...” Assim, trazendo o assunto para o meio em que vivemos,
apontamos alguns pontos polêmicos na História de Feira de Santana:
DATA COMEMORATIVA – DIA DA
VILA OU DIA DA CIDADE? -
Na sexta-feira, dia 18 de setembro de 2020, Feira de Santana completou 187 anos
de emancipação. Aqui já encontramos um ponto de desencontro de opiniões do povo
feirense:
Hoje em dia, considera-se o Decreto Imperial que torna Vila o arruado de Sant‘Anna da Feira. O
local prosperava dentro da Fazenda de Santana
dos Olhos D´Água
e, em 1829, os moradores fizeram o pedido de elevação a
Vila, desmembrando-se de Cachoeira. Este pedido foi encaminhado, em 13 de julho do mesmo ano,
para o General José Egídio Gordilho de Barbuda, Presidente da Província da
Bahia, para emissão de seu parecer.
O documento foi
devolvido para o imperador D. Pedro I que, anos depois, em 13 de novembro de 1832, atendeu
o pleito. Naquela época, as coisas aconteciam muito
vagarosamente e mais um tempo decorreu: só dez meses depois, em 18 de setembro
de 1833, é que, oficialmente, o Decreto foi cumprido. Mas, outros consideram que
a data de comemoração do aniversário da cidade
é 16 de junho, dia em que, através do Decreto Lei 1320, no ano de 1873, a
vila tornou-se cidade com o nome
de “Cidade Comercial de Feira de Santana”!
Aí, fica a pergunta: Qual é data a ser
seguida para comemoração?
A - O Decreto Imperial de 13 de novembro de 1832?
B - O cumprimento deste
Decreto em 18 de setembro de 1833?
C - O Decreto Provincial de 16 de
junho de 1873?
Sem querelas, perguntamos: Deve ser comemorado o Dia da Vila ou o Dia da Cidade? Geralmente, as
cidades consideram o Dia da Cidade, data em que a Vila é elevada... Sabemos que Feira
já celebrou o aniversário em junho. No
ano de 2000, atendendo pedido de alguns intelectuais, a Câmara Municipal, mudou, “romanticamente”, a data para setembro. Em
nossa opinião, a data correta seria
junho. Até porque
não se tem uma data exata
em que a primeira povoação surgiu...
QUEM FOI O FUNDADOR DE FEIRA DE SANTANA? – Ao que se sabe, Feira nasceu bem antes do que alguns dizem. No século XVII, havia uma grande preocupação do governo de Portugal: A Colônia do Brasil, depois de passar pelo insucesso das Capitanias Hereditárias e da distribuição de terras no Governo Geral do Brasil, por Tomé de Souza, em 1548, iniciou o século seguinte com muitas terras devolutas dentro de latifúndios como as Casas da Torre, pertencente a Garcia D´Ávila e a Casa de Pedra, da família de Caramuru. Estas terras precisavam ser colonizadas para gerar imposto para a Coroa. Assim, em 1615, a Região dos Tocós, onde nasceu Feira, foi repassada para gente como o Juiz da Câmara de Salvador, João Lobo de Mesquita, Miguel Ferreira Feio e outros. Feio aqui esteve e desistiu da doação, devolvendo seu quinhão à Coroa. Este lote, uma das possessões foi, então, entregue ao comerciante português João Peixoto Viegas, como prêmio por este ter se tornado “cristão novo” (judeu convertido ao cristianismo). Ao conhecer o local, o português resolveu se estabelecer aqui e foi nomeado pela Igreja como “Familiar” (uma espécie de representante da Santa Inquisição) para a região. Posteriormente, o novo morador, após instalado na região de São José das Itapororocas, tratou de adquirir mais terras e comprou as que foram doadas ao Juiz João Lobo. Em breve, a sede do latifúndio tornou-se um ponto de pernoite de tropeiros e vaqueiros e, em pouco tempo, formou-se um arruado.
O proprietário foi
conquistando novas terras e formou o “Morgado de São José das Itapororocas”. Com o
falecimento do patriarca, a viúva
voltou para Salvador deixando o patrimônio em poder dos filhos
que o redistribuíram entre si,
dando fim ao Morgado. A grande extensão de terras foi parcelada em
diversas fazendas menores.
No que se refere à chegada de Veigas na região de Tocós, há uma versão publicada na Wikipédia, que afirma ter João Peixoto aqui desembarcado em 1640.
Parece-nos uma afirmativa sem embasamento. O historiador Mons. Renato Andrade
Galvão em seu trabalho “Os Povoadores
da Região de Feira de Santana” cita uma Carta de concessão de quatro léguas em
quadra na serra chamada Itapororocas no campo de Caxoeira” (sic)
em favor de Miguel Ferreira
Feio, em 1615, e outra, 1619, concessão em favor de João Peixoto Viegas. Esta versão de que Viegas aqui chegou em
1640 pode ser desmentida pelo fato de que Viegas solicitou e conseguiu uma
documentação renovada, em 1655, alegando extravio durante a Invasão Holandesa
que ocorreu a partir de 1624, na Bahia. Convenhamos que os holandeses permaneceram na Bahia no período
de maio de 1624 a maio de 1625...
Já no século XVIII, cerca de sessenta anos depois da
divisão de terras entre os herdeiros, atraído por informações
de terras férteis e baratas na Região dos Tocós, um comerciante de Cachoeira, chamado Domingos
Barbosa de Araújo
veio conhecer a região e adquiriu uma área de terras de João Peixoto Viegas Neto. Aqui
instalou a “Fazenda Santana dos Olhos D´Água”,
onde passou a morar. Com a
fartura de água, o imóvel, localizado no cruzamento de estradas de boiada, virou pouso de viajantes,
sendo feitos grandes currais para abrigar o gado
que ali pernoitava. Sem filhos, o
casal foi permitindo que algumas pessoas
ali ficassem morando e comércios foram sendo abertos,
criando-se uma grande feira que, naquela época, primeiras décadas de 1700,
chegou a ter a frequência de cerca
de 4.000 pessoas! Muito católicos, Domingos e Ana, no ano de 1732,
doaram, na forma
de usufruto, parte
das terras (cem braças) para a Capela de Sant´Ana e São Domingos e, em
1735, o restante da fazenda, formando-se o “Encapelado
de Sant´Ana dos Olhos D´Água”. O
falecimento do casal causou uma grande polêmica já que a doação foi apenas
apalavrada e quando os religiosos quiseram tomar posse do patrimônio, cumprido o usufruto, foram
impedidos pelo Estado. A querela durou um século e somente, em 1848, por
sentença judicial, é que tudo passou
para a propriedade da União. Novas perguntas: Quem foi o fundador de
Feira de Santana? Viegas,
que fez surgir a Vila de São José, primeiro sinal de vida do Munícipio de Feira de Santana? Ou Domingos Barbosa de
Araújo que cerca de um século depois adquiriu
uma fazenda oriunda
do Morgado de São
José, surgindo a sede do município? Ou podemos dizer
que João Peixoto é o
precursor do Município e Domingos Barbosa o da Cidade?
O
CASARÃO DOS OLHOS D´ÁGUA FOI MORADA DE DOMINGOS E ANA?
Agora, com a instalação da Casa da Cultura no Casarão, acende- se, mais uma vez, uma antiga polêmica. Alguns afirmam, “de mãos juntas” que o imóvel era de propriedade do casal Domingos Barbosa de Araújo e Ana Brandoa (Brandão). Mas, existem aqueles, como eu, que discordam. Em 2006, através do Fazcultura, o casarão foi reformado pela Prefeitura Municipal, a pedido da Fundação da família Pedra e recentemente, quando de uma segunda reforma, novamente pelo Munícipio, foi assinado um Contrato de Comodato pelo prazo de 20 anos. Segundo historiadores, a sede da Fazenda Santana dos Olhos D´Água ficava nas proximidades do Polo Comercial conhecido como Feiraguai e a Capela de Sant´Ana e São Domingos, construída pelo casal, deu origem à atual Igreja Matriz da cidade. Além do mais, próximo da Capela, existia uma casa (Rua Araujo Pinho) que alguns, como o jornalista Hélder Alencar em seu Guia Turístico, de 1965, asseguram ter sido a moradia do casal... Como uma área de terras, objeto de uma querela Estado-Clero e que, cerca de um século depois da morte de seus proprietários, passou para o domínio da União (em 1848), poderia pertencer a esta família? Não seria estranho este imóvel ter ficado em mãos de particulares até o século XXI? Sobre o assunto, recomendamos a leitura do artigo “O Casarão dos Olhos D´Água”, do arqueólogo Vitor Batista dos Santos. O casarão, abandonado, estaria ainda em pé? Não há dúvidas de que o imóvel é uma testemunha de uma época, sem perder seu valor histórico... Convenhamos que a cidade cresceu tanto que algumas áreas rurais se tornaram urbanas, caso da fazenda que pertencia à família Pedra e propriedades outras, como a Mochila. Portanto, diríamos que o Casarão dos Olhos D´Água, sem ter pertencido a Domingos e Ana, é uma parte da Memória Feirense...
Parabéns pelo seu trabalho e pesquisa. Uma excelente tarde.
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