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Nesta terça-feira, vamos
deixar de lado as eleições, os candidatos, os que não conseguiram se
candidatar, e também dar um refresco ao governo, suspendendo momentaneamente o
exercício do sagrado dever de criticar os malfeitos dos governantes – uma
obrigação sagrada, sim, pois, afinal, imprensa é oposição, o resto é armazém de
secos e molhados, como nos ensinava, com propriedade, nessa sacada genial, o
saudoso Millôr Fernandes (1923-2012).
Vamos parar para festejar,
pois nesta quarta, 10 de agosto, devemos comemorar o centenário de nascimento
de um ilustre filho da Bahia: Waldeck Artur Macedo. Pouco conhecido por este
seu nome de batismo, mas lembrado e reverenciado pelo apelido que lhe acompanhou
a vida toda: Gordurinha, radialista, humorista, cantor e compositor, autor de Chiclete
com Banana.
Não, meu jovem e apressado leitor, ele não foi o criador daquela
banda de axé, que anos atrás amealhou um período de sucesso nos carnavais e
micaretas inversamente proporcional à sua mediocridade musical. O Chiclete
com Banana de Gordurinha é um clássico da música popular
brasileira, bem humorado libelo contra a invasão do Brasil pela música
norte-americana no final dos anos 1950. É aquele samba cuja letra diz:
“Eu só ponho bebop no meu samba
Quando Tio Sam pegar o
tamborim
Quando ele pegar no pandeiro
e no zabumba
Quando ele aprender que o
samba não é rumba”
A primeira gravação de Chiclete
com Banana, em 1959, foi feita por Jackson do Pandeiro – o que
talvez explique o fato de Almira Castilho, mulher de Jackson, constar como
coautora do samba: ceder a parceria ao intérprete, como uma espécie de
pagamento, era uma prática comum naqueles tempos.
De lá para cá, foram dezenas de gravações – o Instituto Memória
Musical Brasileira (IMMuB) registra 99 fonogramas, o último deles gravado em
2019, pelo grupo Ordinarius). Entre os muitos cantores que gravaram o samba
estão Gilberto Gil, Mart’Nália, Jorge Veiga, Gal Costa, Zélia Duncan, Zé
Ramalho, Eliana Pittman e Beth Carvalho com Daniela Mercury. Um sucessão!
Mas o que queremos destacar – e acho que esse é o mais relevante
dentre os muitos motivos para reverenciarmos Gordurinha – é o seu pioneirismo
em denunciar e atacar em várias de suas músicas, sempre com um humor
afiado, com mordacidade e ironia, o preconceito dos sulistas contra os
nordestinos – aliás, ainda vivo nos dias de hoje, com vemos a todo momento na
imprensa.
É dele, por exemplo, o delicioso Baiano
Burro Nasce Morto:
“O pau que nasce torto
Não tem jeito morre torto
Baiano burro garanto que
nasce morto”
E também o delicioso Baianada,
parceria com Carlos Diniz:
“Um baiano é uma boa pedida
Dois baianos uma coisa
divertida
Três baianos uma conversa
comprida
Quatro baianos um comício
na avenida
O baiano nasceu pra falar, na
Bahia tem muito doutor
O Brasil foi descoberto
na Bahia e o resto é interior”
Registre-se ainda a divertida Pau de Arara é a Vovozinha, sucesso com o Trio Nordestino:
“Vim da Bahia pro Rio de
Janeiro
Pra ganhar dinheiro,
desaforo não
Pau-de-arara é a vovozinha
Eu só viajo é de avião”
E ainda o coco Baiano
Não É Palhaço, cuja letra denuncia :
“Vê que piada infeliz inventaram agora:
‘Ajude a manter a casa
limpa
Matando um baiano por
hora’”
Ouvir – ou reouvir – os baiões de Gordurinha que tratam do
preconceito contra os nordestinos é quase uma obrigação, nesses tempos
tenebrosos que atravessamos, com uma parcela da população exibindo os mais
variados tipos de intolerância, contra as mulheres, os negros, os homossexuais,
os pobres, os que seguem as religiões de matriz africana… E o mais grave:
açulados até mesmo por aqueles que têm a obrigação constitucional de
denunciá-los e combatê-los.
Lá estou eu querendo voltar a falar de política… Mas não tem
jeito. É preciso dizer também que Gordurinha foi, de certa forma, uma vítima do
regime militar. Brizolista, logo após a deflagração do golpe, em 1964, ele
avisou à família que iria à Rádio Mayrink Veiga e deu instruções para que
queimassem livros e papéis comprometedores que porventura encontrassem na casa.
Só voltou anos depois, para morrer de uma overdose em 16 de janeiro de 1969.
Para quem se dispõe a visitar a obra de Gordurinha (são apenas
41 canções listadas pelo Dicionário Cravo Albin da Música
Popular Brasileira), recomendo ainda Súplica Cearense (Luiz
Gonzaga dizia ter inveja, pois gostaria muito de ter composto esse baião
toada), Vendedor
de Caranguejo, Orora Analfabeta e
o Mambo
da Cantareira.
Boa audição. E viva Gordurinha!
*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.
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