[...] Eu não gosto muito de falar disso, mas a suposta revolução de 31 de março de 1964, que na verdade não passou da implantação da ditadura militar, foi o período negro da vida no Brasil nos últimos tempos, mas como faz parte da nossa história, vamos aos fatos [...]
CUBA JÁ HAVIA FEITO a sua revolução de esquerda em 1959. A implantação de um
regime comunista na América Central incomodava muito aos Estados Unidos. A
ascensão de Fidel Castro ao poder preocupava bastante, pois seria muito fácil
fazer com que os países latinos americanos copiassem o novo modelo imposto por
ele, uma vez que se respiravam mudanças estruturais e políticas nesses países.
Com o discurso da Candelária, João Goulart acelerou
a revolta dos militares contra o seu regime, uma vez que já estavam articulando
na caserna um levante, movido por diversas insatisfações e dentre uma delas, os
baixos salários das forças armadas.
A 31 de março de 1964, o primeiro e o segundo
exército se movimentaram para depor o presidente.
João Goulart se exila no Uruguai e uma junta de
governo se instala na República.
O Supremo Comando Revolucionário, que assumiu o poder em 1964, decretou através do ato Institucional n°1 a escolha de um novo presidente para o Congresso Nacional, que deveria governar até 31 de janeiro de 1966. O escolhido, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, teve seu mandato prorrogado até 15 de março de 1967. O Ato Institucional n°1 permitia também a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão durante dez anos e a cassação de mandatos parlamentares.
Castelo Branco pregava o respeito à Constituição de 1964. No entanto, durante o seu governo, foram criados vários instrumentos de controle, como o Serviço Nacional de Informações (SNI) órgão de inteligência ligado às Forças Armadas - e uma lei de greve que, na prática, impedia a realização de greves de qualquer natureza. Outros atos institucionais estabeleceram eleições indiretas para o governo estadual, que por seu turno nomeava os prefeitos das capitais. Milhares de pessoas ligadas ao governo deposto foram punidas, centenas de sindicatos sofreram intervenções. Todos os partidos políticos existentes foram extintos; em seu lugar, o governo criou dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia os partidários do novo regime; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), única oposição permitida pelos militares, que pretendiam dessa forma manter as “aparências parlamentares” do movimento de 64.
Assim, inicia-se a mudança também na cidade de Nossa Senhora
das Dores. O prefeito Gilberto foi deposto e preso, acusado de subversão da
ordem e estocar armamento pesado para uma suposta revolução armada na região.
O novo delegado também foi preso acusado de chefiar uma célula comunista que
funcionava no Centro Paroquial. O padre José teve a sua prisão decretada, mas
fugiu da cidade. Os jovens que estavam envolvidos em trabalhos sociais foram
dedurados por um puxa-saco do sistema, e alguns deles foram presos. Instalou-se
na cidade o terrorismo de direita chefiado e comandado nada menos do que pelo
coronel Salustiano, que assumiu a Prefeitura de Nossa Senhora das Dores por
decreto. A ele foram dados todos os poderes para governar, inclusive fazer a
caça aos comunistas.
Coronel Salustiano iniciou seu governo com mão de ferro.
Mandou colocar o delegado Gilberto numa prisão improvisada, um antigo deposito
de fumo. Era um lugar sujo, e mal cheiroso, cheio de insetos e ratos. O
ex-prefeito foi colocado numa cela chamada de abaixadinho, onde ele mal podia
ficar em pé. Dentro desse deposito de fumo desativado, havia uma prensa que
fora usada como aparelho de torturas.
[...] Não
se assuste caro leitor; vou detalhar como foi que tudo aconteceu, da revolução
até a tomada da prefeitura e por que o coronel Salú assumiu o comando da cidade
[...]
Dias depois
da tal chamada “revolução” coronel Salú fora chamado às pressas à capital. No
telegrama que recebera dizia que era urgente para tratar de assunto da
segurança nacional e cuja reunião era extremamente sigilosa. Após ler o
telegrama, o coronel o queimou e enterrou suas cinzas. Disse à D. Emengarda
que iria a Recife tratar de um financiamento junto ao banco, pois estava
necessitando de fazer algumas mudanças na fazenda. Colocou algumas roupas na
mala, entrou no Jeep logo cedo e partiu para Recife.
A reunião
seria da sede do Comando Militar.
No dia
seguinte, lá estava o coronel no Comando Militar. Entrou, se apresentou e foi
levado a uma sala de espera. Meia hora depois foi convidado a entrar no
gabinete do General Comandante.
- Bom dia, coronel Salustiano.
Falou o
General. Sujeito sisudo, alto, gordo e com um charuto na boca. Parecia mais um
General da SS Nazista da década de 1940.
- Bom-dia Sr. General.
Respondeu respeitosamente o coronel Salú.
- Sente-se coronel.
- Obrigado.
- Coronel. Vamos direto ao assunto, pois tenho
outras pessoas para atender.
O coronel
sentou-se e estava nervoso, pois nem imaginava o que viria adiante.
- Coronel Salustiano. O senhor tem prestado
relevantes ser-viços ao seu antigo partido UDN, hoje com a sua totalidade na
ARENA.
- Sim, senhor.
- Pois bem, coronel, vou lhe dar uma missão
muito importante para as causas revolucionárias.
- Uma missão?
- Sim, coronel, uma missão de extrema
importância. Na verdade é uma ordem.
Aí o
coronel percebeu a responsabilidade.
- Pode falar General, estou pronto para
servir.
- Coronel Salustiano, o senhor será nomeado,
ainda esta semana, prefeito da sua cidade. Como é mesmo o nome da sua cidade?
- Nossa Senhora das Dores, General, fica bem
perto de Parnamirim, no oeste do estado.
- Pois bem, Coronel Salustiano. Ao senhor
serão dados poderes de governar a sua cidade e também poderes para servir à
revolução.
- Aqui estão escritos tudo aquilo que o senhor
poderá fazer em nome da revolução, mas, por favor, faça com que tudo seja cumprido
à risca sem nenhum deslize.
- Sim, senhor.
- Agora vá. Leia atentamente tudo e qualquer
dúvida, me procure. O senhor contará com o meu apoio e a cobertura do Exército
Brasileiro.
Quando
estava se despedindo, o General disse:
- Estarei mandando para sua cidade, na próxima
segunda-feira, um destacamento do Exército com um efetivo de 70 homens.
Providencie para que tenham alojamento e comida.
- Sim, senhor.
Respondeu o
coronel já na saída da porta.
Coronel
Salú saiu de dentro daquela sala extremamente suado, e morrendo de curiosidade
para ler o tal documento.
Lá fora
estavam dois correligionários do mesmo partido, ARENA, que o esperavam para
saber qual fora a pauta da reunião.
O coronel os
informou, guardou o documento, seguiu paro o hotel que ficava na praia de Boa
Viagem, fechou sua conta e saiu apressado de volta à sua cidade.
Durante
todo o percurso teve vontade de abrir o documento, mas pra não perder tempo,
acelerou apressado pra chagar em casa.
Quando
entrou na cidade, já havia anoitecido. Caía uma chuva fraca e ventava muito.
Não havia ninguém na praça nem nas ruas. Apenas o Zeca's Drink 's estava aberto,
mas com pouca frequência, apenas os bêbados de sempre.
Coronel
Salú desceu do carro, correu pra dentro do bar e seu Zeca o olhou curioso.
- Tudo bem, coronel?
- Tudo bem, seu Zeca. Coloca uma cachaça pra
mim, mas não coloca muito, é só pra esquentar um pouco.
Seu Zeca
colocou aproximadamente três dedos de cachaça num copo e perguntou:
- Estava viajando, coronel?
- Estava sim, seu Zeca, estava na capital.
- E foi tudo bem por lá?
- Foi melhor do que o senhor possa imaginar...
- E a política na capital, como está?
- Está como a daqui vai ficar...
- Como?
- Fervendo, seu Zeca... Fervendo.
O coronel
pagou a conta, se despediu do pessoal, parou na porta do bar, deu uma cuspida
no passeio, colocou o chapéu e saiu.
Deu uma
volta em torno da praça, mesmo debaixo da chuva fina que caía, contemplou
aquilo que seria governado por ele dentro em pouco, entrou no Jeep e foi pra
fazenda.
No bar do
seu Zeca, todos observaram aquele comportamento. Comentaram coisas evasivas e
sem nexo, fizeram conjecturas a respeito, mas nem sonhavam com o que estava pra
acontecer.
E assim passou a noite.
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