Evandro Oliveira |
O porquê do título, séc XIX. Mesmo com a globalização, a facilidade de viajar atualmente, as sociedades, quanto ao avanço civilizatório, não são uniformes. Temos sociedades que vivem iguais aos séculos dezenove, dezoito, dezessete e até sem sabermos o estado atual de índios amazônicos ainda desconhecidos. Na década de 40 Feira de Santana tinha muito do século XIX, mas minha vivência quanto a isto me lava ao início da década de 40, quando passava as férias em Itaberaba.
Nasci em Feira de Santana, na av. Senhor dos Passos, na esquina ao lado da antiga Escola João Florêncio[1], hoje o Arquivo Público. Vim conhecer esta casa já adulto[2], pois logo que nasci mudamos para a Marechal Deodoro.
A MARECHAL DEODORO
Esta foto da Marechal é do período em que eu morava quando criança até a puberdade. Os veículos são da década de quarenta à metade da de cinquenta |
O casarão da Marechal era localizado na esquina da Marechal Deodoro com a rua Manoel Vitorino, também conhecido na época pelo Beco de Dr. Áureo ou Beco de Maria Picolé, meus amigos querendo me chatear, preferiam dizer “Beco de Maria Picolé”, o que nunca chateou. As outras pessoas, quando se referiam ao Beco chamavam “Beco de Dr. Áureo”. No entanto quando diziam o endereço, rua Marechal Deodoro na esquina com o beco.
Texto de Antônio Lajedinho, publicado no Memorial da Feira, período anterior quando morei na rua Marechal Deodoro. |
Inicialmente
localizemos a área do casarão. Na Frente da casa que dava para a Marechal tinha
cinco janelões. Como a maioria dos casarões antigos a entrada era pelo lado, na
frente só janelas.
Ao lado no
Beco tinha a entrada social, entrada de serviço e garagem. A casa ao fundo dividia
com outra residência de frente para a av. Senhor dos Passos, portanto não havia
imóvel no lado sul do beco. Defronte de nossa casa no beco, uma residência que
dava para a Marechal e outra, dos Cordeiros, para av. Senhor dos Passos. Entre
o fundo destas duas residências eram duas casas de mulheres da vida difícil,
Maria Picolé e se não falha a memória, Joaninha.
O meu quarto,
era tão bom que meus amigos adoravam passar a tarde “estudando” lá. Ninguém
estudava nada. O janelão era um óculo e, tinha um parapeito que sentávamos, um
virado para o Beco da Energia e o outro virado para o Beco do Ginásio.
Quando alguma pessoa ia visitar as meninas dos Becos o vigia avisava, as
vezes eram senhores impolutos.
Uma vez
almoçando na casa de minha tia Catuca, houve um comentário sobre uma
personalidade inatacável, que castigou severamente a filha, a conversa
era se excessivo o castigo ou se foi merecido. Ai Geraldo, meu primo, virou
para mim e disse “Hein, Espirro (meu apelido, por ser muito magro), quem
merecia hein, hein... Era um dos cidadãos que frequentava a famosa “Fogo
Simbólico”, mulher conhecida por seus dotes sexuais às segundas-feiras no Beco
da Energia. Entre nós havia várias lendas sobre ela. Diziam ser casada com o
funcionário da Receita Federal em São Felix, cidadão importante[3],
vinha fazer feira toda segunda-feira. Tinha uma técnica rara em colocar
preservativo com a boca sem o parceiro ver… Mas voltemos a conversa do almoço.
Nós ríamos, reclamaram na mesa, sem entenderem nada. Mas acho que minha tia não
deu andamento porque sabia alguma coisa e não quis obrigar a gente falar, ela
sempre sabia tudo que acontecia na SUA cidade, Feira de Santana.
O CASARÃO
Como era o
casarão onde morávamos: na entrada principal uma escada bem larga de madeira
com um tapete de linóleo no centro. No fim da escada havia duas portas, a do
centro dava acesso a residência e ao lado direito dava para o gabinete dentário
de meu pai, tinha uma sala de espera, após o gabinete em si um conjugado para prótese
dentária.
Entrando na
residência, tinha um corredor que à direita dava para a sala de visita, muito
grande, antigamente se visitava muito, com horas de conversa. Tinha um piano,
mas ninguém tocava[4].
Junto tinha um quarto para visitas e mais dois quartos. Aí tínhamos sala de
jantar e uma varanda que dava para o quintal. Lado direito sanitário, descendo
tínhamos cozinha, quarto de engomar, dois quartos de empregada, lavanderia,
sanitário de serviço, garagem, depósito, quarto do empregado homem e carvoeiro.
Ao lado da
sala de estar tinha o acesso para o sótão e também, servia de quarto de
costura. Uma escada larga de dois lances dando acesso a dois quartos, do lado
esquerdo era o meu, falei dele acima, adiante um salão enorme, para se ter uma
ideia do tamanho deste salão conto uma história: Meu pai acabou com o internato, nunca soube o
motivo, foi no meio do ano e quinze alunos não acharam moradia, só no ano
seguinte. Meu pai pegou oito beliches e colocou neste salão, quatro de cada
lado. Terminaram o ano morando lá em casa.
O salão ainda
dava entrada para mais dois quartos. Um de cada lado.
Seguindo no
beco para o lado leste, após a av. Senhor dos Passos encontramos o Beco do
Ginásio, a oeste o Beco da Energia, que tem forma de ELE, dando para
o Beco do Mocó, todos com casas de prostituição. Nós da Marechal, éramos
intermediários dos grupos sociais, da elite da av. Senhor dos Passos e
dos filhos daquelas mulheres, motivo de algumas pessoas dizerem que a Marechal
era uma rua de pessoas ilustres, mas os filhos não valiam nada. Na minha
opinião estavam erradas, não quanto a não valer nada, e sim que éramos
influenciados pelos garotos do beco, nós os estigmatizados é que poderiamos
influencia-los. Quem fazia parte desta turma? Os filhos de Martiniano, não eram
sopa, principalmente Tonton da Feira, Etinho, Issinho, Mirinho e
Waltinho; os filhos de Arnaldo Bacelar, dono do Hotel Gruta Bahiana: Evandro
Bacelar, Guri e Ioiô Píula (escrito assim mesmo); os filhos de Tuta Reis, Demar
e Chico, Tuca, muito garoto, não fazia parte; Nêgo Bené; Leite Cabacinha que
morava no início do ABC; Zé Maria (Zé de Oxóssi), que veio de Almas para morar
com os filhos de Arnaldo, ele contava que quando chegou em Feira de Santana,
vindo de Almas (Anguera), que viu a Pensão Gruta Bahiana (foto), ficou assombrado
com o tamanho do prédio; o filho de Sylio Soledade dono do Cartório, Quetinho
(tipo de apelido que significa ao contrário); os nossos amigos do beco: Tico,
Duas Cabeças, Pedrinho e o marginal Pepino que terminou morto pela polícia. Esta foto é da segunda metade da década de 30,
indenficado pelos modêlos do carros e também
pelo nome, Pensão Gruta B ahina depois Hotel
Mas também tinha os reconhecidamente direitos, Zé Falcão que era seminarista, depois prefeito de Feira, Gerson do DNER, os filhos de Elmano Portugal, que a mãe Professora Lourdes Brito recambiava para a casa de Zeca Portugal, para fugir da influência das más companhias da rua do meio, Noel, João Braguinha, Zé Elmano; os irmãos Valmir e Vandir(?).
[1] Escola João Florêncio para meninos, com a Escola Maria Quitéria para meninas, duas obras educacionais do grande prefeito Agostinho Fróes da Motta.
[2] Meu pai Áureo Filho, fez um consultório odontológico na frente de sua residência, anos depois por coincidências ou praticidade, Bráulio Alves, alugou esta casa onde aproveitou o consultório. Trabalhava também seu filho o protético Bráulio Filho e outro dentista Lourival Vieira de Castro. Foi quando conheci a casa que nasci.
[3] Feira de Santana não tinha Receita Federal, qualquer coisa que se precisava da Receita, tinha que tomar o trem para São Felix. A propósito, o prédio onde hoje funciona o Órgão em nossa cidade, conta-se que foi construído para ser sede regional da EMBRATEL, razão dos enormes pés-direitos, adequados para os equipamentos. Prestes à inauguração, descobriram que o edifício era para ser construído na cidade de Vitória da Conquista. As más línguas diziam que o pé-direito era daquele porte para caber os processos de corrupção dos governos anteriores.
[4] Minha mãe pagou um professor de piano para ensinar minhas duas irmãs, Marinita e Lúcia, depois de um certo tempo elas ainda não tocavam Besta é Tú (sete notas), pelo menos é o que eu inventava para chatear. Depois de um tempo pedi a minha mão para pagar dois meses de aula a Nêgo Bené, que tinha uma voz linda. Terminado as aulas ele já tocava muita coisa.
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