Jean Parente Santanopolitano |
No dia
da festa, o primeiro a chega era o cozinheiro, seu Dionísio, o qual
apressadamente se encarregava de organizar tudo para a preparação do caruru e
do vatapá, e também do arroz, da galinha cozida, pipocas e outros mais,
necessários para servir mais de trezentos convidados e amigos dos convidados. E
era assim mesmo. Um convidava o outro, fazendo parecer que toda a cidade estava
participando da festa. E o incrível, é que tinha comida e bebida para todos,
parecendo o milagre da multiplicação.
O fato,
penso eu, é que se tornou um evento popular em nossa cidade, que muitas vezes
nem precisávamos mais convidar as pessoas, pois elas já sabiam a data, o local
e o horário, e iam sem mesmo esperar o convite. Só faltava ser incluída no
calendário municipal de festas populares da cidade. Em alguns momentos, a festa
cresceu tanto que tivemos que quase isolar parte da rua e pedir o apoio da
Policia Militar, a fim de nos ajudar na organização da festa, já que os
convidados ocupavam parte interna da casa, toda a àrea externa, e também da
rua, onde se encostavam nos carros estacionados por todo o lugar, algumas vezes
impedindo a passagem de outros carros, e até mesmo dos ônibus. Era fantástico, todos
comiam, bebiam e se divertiam calorosamente, onde tivemos até casos de namoros
que terminaram em casamentos, os quais aproveitavam a noite estrelada da
primavera para fazerem os pedidos, confundindo até alguns que chegaram a achar
que era festa de Santo Antonio, o Santo casamenteiro.
A festa
chegou até movimentar o comércio local, fazendo com que os convidados
comprassem roupas novas para irem alinhados para o evento. Ah, alinhados,
significa arrumados, na linguagem da època. E todos queriam se produzir para
talvez encontrar o amor da sua vida, talvez um Cosme ou um Damião, causando uma
confusão no teor da festa. Era muito bom. Tinha pessoas que a gente quase não
conhecia de tão arrumado que estava, já que só andava de shorte e chinelo. Era
um integração. Recebíamos o porteiro e o presidente de um Clube, e os acomodávamos
na mesma mesa, quando tinha, disputando um prato de caruru. Muitos ficavam em
pé, felizes e sorridentes, aproveitando todo o momento sem reclamar ou se
incomodar com alguma coisa. Era uma festa de amigos, e dos amigos dos amigos.
Recebíamos todos com carinho, e com o coração aberto.
Pra
servir esse povo todo, tínhamos que fazer papel de garçon para ajudar os que
foram contratados. E, como já éramos oito irmãos, o atendimento era impecável e
ninguém reclamava do serviço, pois os garçons eram os donos da festa.
Eram
panelas e mais panelas de comidas, cozinheiras assistentes vindas de Salvador,
capital do estado, vizinhas, amigos e até parentes ajudando na preparação da
festa. A casa passava por uma faxina geral, com pintura, aplicação de sinteko
nos pisos de tacos, óleo de peroba nos móveis e enceradeira em alguns cômodos,
deixando a casa pronta para receber os convidados, que muitas vezes tínhamos
que colocar a vassoura atrás da porta e apagar e acender a luz, lá pelas tantas
horas da madrugada, pra tentar mandá-los embora. Nos divertíamos com isso, e
também íamos ao desespero, pois quando a festa se realizava durante a semana,
tínhamos que acordar cedo para ir para a escola. Muitas vezes nem íamos, já que algumas professoras e até mesmo
diretoras de onde estudávamos, estavam na festa disputando o famoso caruru de
Galêgo dos Freios, que era o apelido do meu pai, que tinha loja de peças de
freios para veículos, e era muito conhecido na cidade e na região.
Todos queriam
comer o caruru. Parecia promessa. E parecia que alcançavam a graça, pois se
fazia fila para conseguir um prato deliciosamente preparado pela equipe da
cozinha, comandada por seu Dionísio, com apoio da minha mãe e das outras
colaboradoras. Todos participavam de alguma forma, ninguém ficava parado.
Em
alguns momentos se formavam filas na porta da cozinha improvisada na garagem,
que precisava de reforço para organizar e atender a todos, e ficar de olho em
alguns espertinhos que voltavam para a fila para comer de novo. Era incrível,
parecia que tinha alguma receita mágica nos ingredientes, que deixavam todos
esfomeados, eufóricos e felizes.
Era um
evento muito interessante que a minha familia realizava todo o ano. A gente se
sentia uma celebridade na véspera da festa. Todos nos cumprimentavam nas ruas,
nos Clubes e na escola, e ficavam amáveis e sorridentes esperando o convite.
Era uma maravilha. Era uma festa de amigos, e dos amigos dos amigos. Muitas
vezes, recebíamos até a terceira geração de amigos dos amigos com muito carinho
e atenção, e fazíamos novas amizades em cada festa. E, nos divertíamos ainda
mais, quando ouvíamos um perguntar para o outro: e aí, já comeu, já comeu? Era
muito engraçado. Tinha também os "caras-de-pau", que iam sem ser
convidados, que chegavam discretamente pelos cantos, olhando para um lado e
para o outro, desconfiado e com medo de ser descoberto, que a gente também
recebia de braços abertos, tornando-se nossos amigos e participando da festa como
se fosse da família. E o mais divertido, é que no ano seguinte todos estavam na
festa já como convidados.
Por
vinte e um anos meus pais realizaram essa festa. E por vários anos, as pessoas
continuaram indo para ela, mesmo não sendo mais realizada. Era muito
interessante. Gostavam tanto e se acostumaram com a data da realização, que
chegavam a ir em minha casa para perguntar se ainda teria a festa, onde nos
desculpávamos educamente, justificando que não teria mais. A gente percebia a
tristeza e a decepção de todos, os quais se lamentavam e nos agradeciam
amigavelmente. Na verdade, a comemoração virou um ponto de encontro de amigos e
amigas que começou com a gratidão de um pai, em reconhecer uma graça alcançada
na recuperação de um filho, onde cumpriu publicamente a sua promessa,
demonstrando para todos a força da fé e da esperança.
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