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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

CARURU E VATAPÁ

Jean Parente
Santanopolitano
                O dia ainda estava amanhecendo, quando ouvir os primeiros movimentos dentro e fora da minha casa. Eram conversas e mais conversas naquele dia vinte e sete de setembro, onde parecia começar mais cedo, devido aos preparativos de uma grande festa em homenagem aos santos São Cosme e Damião, a qual comemorava também os aniversários dos meus quatro irmãos gêmeos, mesmo tendo nascidos em datas diferentes. Era uma festa só, e era a única que o meu pai fazia questão de realizar todos os anos. E foram vinte e um anos fazendo isso. Acho que foi alguma promessa que ele fez, para que um dos meus irmãos, que tinha sido contaminado pela Poliemielite,  a Paralisia Infantil, conseguisse andar. E conseguiu. Após anos de tratamento, fisioterapia e outros cuidados, e principalmente dos pedidos através das orações em que o meu pai fazia diariamente pela recuperação do meu irmão, ele conseguiu andar mesmo com com todas as dificuldades, e seguir a sua vida normalmente superando os desafios que teriam que enfrentar.                                                                       Na verdade, foram dois partos de gêmeos. Após uma primeira gravidez, quase três anos depois, minha mãe engravidou mais uma vez de filhos gêmeos. Nunca tinha visto coisa igual. Eram fraldas por todos os lugares da casa, roupinhas, brinquedos, etc, que de vez em quando um tropeçava e se enrolava pelo chão, causando risos em todos os outros quatro filhos. Parecia um estádio de futebol em final de clássico.

               No dia da festa, o primeiro a chega era o cozinheiro, seu Dionísio, o qual apressadamente se encarregava de organizar tudo para a preparação do caruru e do vatapá, e também do arroz, da galinha cozida, pipocas e outros mais, necessários para servir mais de trezentos convidados e amigos dos convidados. E era assim mesmo. Um convidava o outro, fazendo parecer que toda a cidade estava participando da festa. E o incrível, é que tinha comida e bebida para todos, parecendo o milagre da multiplicação.

               O fato, penso eu, é que se tornou um evento popular em nossa cidade, que muitas vezes nem precisávamos mais convidar as pessoas, pois elas já sabiam a data, o local e o horário, e iam sem mesmo esperar o convite. Só faltava ser incluída no calendário municipal de festas populares da cidade. Em alguns momentos, a festa cresceu tanto que tivemos que quase isolar parte da rua e pedir o apoio da Policia Militar, a fim de nos ajudar na organização da festa, já que os convidados ocupavam parte interna da casa, toda a àrea externa, e também da rua, onde se encostavam nos carros estacionados por todo o lugar, algumas vezes impedindo a passagem de outros carros, e até mesmo dos ônibus. Era fantástico, todos comiam, bebiam e se divertiam calorosamente, onde tivemos até casos de namoros que terminaram em casamentos, os quais aproveitavam a noite estrelada da primavera para fazerem os pedidos, confundindo até alguns que chegaram a achar que era festa de Santo Antonio, o Santo casamenteiro.

               A festa chegou até movimentar o comércio local, fazendo com que os convidados comprassem roupas novas para irem alinhados para o evento. Ah, alinhados, significa arrumados, na linguagem da època. E todos queriam se produzir para talvez encontrar o amor da sua vida, talvez um Cosme ou um Damião, causando uma confusão no teor da festa. Era muito bom. Tinha pessoas que a gente quase não conhecia de tão arrumado que estava, já que só andava de shorte e chinelo. Era um integração. Recebíamos o porteiro e o presidente de um Clube, e os acomodávamos na mesma mesa, quando tinha, disputando um prato de caruru. Muitos ficavam em pé, felizes e sorridentes, aproveitando todo o momento sem reclamar ou se incomodar com alguma coisa. Era uma festa de amigos, e dos amigos dos amigos. Recebíamos todos com carinho, e com o coração aberto.

               Pra servir esse povo todo, tínhamos que fazer papel de garçon para ajudar os que foram contratados. E, como já éramos oito irmãos, o atendimento era impecável e ninguém reclamava do serviço, pois os garçons eram os donos da festa.

               Eram panelas e mais panelas de comidas, cozinheiras assistentes vindas de Salvador, capital do estado, vizinhas, amigos e até parentes ajudando na preparação da festa. A casa passava por uma faxina geral, com pintura, aplicação de sinteko nos pisos de tacos, óleo de peroba nos móveis e enceradeira em alguns cômodos, deixando a casa pronta para receber os convidados, que muitas vezes tínhamos que colocar a vassoura atrás da porta e apagar e acender a luz, lá pelas tantas horas da madrugada, pra tentar mandá-los embora. Nos divertíamos com isso, e também íamos ao desespero, pois quando a festa se realizava durante a semana, tínhamos que acordar cedo para ir para a escola. Muitas vezes nem íamos,  já que algumas professoras e até mesmo diretoras de onde estudávamos, estavam na festa disputando o famoso caruru de Galêgo dos Freios, que era o apelido do meu pai, que tinha loja de peças de freios para veículos, e era muito conhecido na cidade e na região.

               Todos queriam comer o caruru. Parecia promessa. E parecia que alcançavam a graça, pois se fazia fila para conseguir um prato deliciosamente preparado pela equipe da cozinha, comandada por seu Dionísio, com apoio da minha mãe e das outras colaboradoras. Todos participavam de alguma forma, ninguém ficava parado.

               Em alguns momentos se formavam filas na porta da cozinha improvisada na garagem, que precisava de reforço para organizar e atender a todos, e ficar de olho em alguns espertinhos que voltavam para a fila para comer de novo. Era incrível, parecia que tinha alguma receita mágica nos ingredientes, que deixavam todos esfomeados, eufóricos e felizes.

               Era um evento muito interessante que a minha familia realizava todo o ano. A gente se sentia uma celebridade na véspera da festa. Todos nos cumprimentavam nas ruas, nos Clubes e na escola, e ficavam amáveis e sorridentes esperando o convite. Era uma maravilha. Era uma festa de amigos, e dos amigos dos amigos. Muitas vezes, recebíamos até a terceira geração de amigos dos amigos com muito carinho e atenção, e fazíamos novas amizades em cada festa. E, nos divertíamos ainda mais, quando ouvíamos um perguntar para o outro: e aí, já comeu, já comeu? Era muito engraçado. Tinha também os "caras-de-pau", que iam sem ser convidados, que chegavam discretamente pelos cantos, olhando para um lado e para o outro, desconfiado e com medo de ser descoberto, que a gente também recebia de braços abertos, tornando-se nossos amigos e participando da festa como se fosse da família. E o mais divertido, é que no ano seguinte todos estavam na festa já como convidados.

               Por vinte e um anos meus pais realizaram essa festa. E por vários anos, as pessoas continuaram indo para ela, mesmo não sendo mais realizada. Era muito interessante. Gostavam tanto e se acostumaram com a data da realização, que chegavam a ir em minha casa para perguntar se ainda teria a festa, onde nos desculpávamos educamente, justificando que não teria mais. A gente percebia a tristeza e a decepção de todos, os quais se lamentavam e nos agradeciam amigavelmente. Na verdade, a comemoração virou um ponto de encontro de amigos e amigas que começou com a gratidão de um pai, em reconhecer uma graça alcançada na recuperação de um filho, onde cumpriu publicamente a sua promessa, demonstrando para todos a força da fé e da esperança.

 

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