De acordo
com o Candomblé, estamos sob a proteção de Yemanjar, neste período do Zodíaco.
Em
homenagem a esta entidade, transcrevo a bela carta de Dorival Cayme para Jorge
Amado, publicado no Facebook pelo jornalista de Brasilia Cesar Fonseca (foto ao lado).
“Jorge,
meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção
para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na
Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha
mãe, dela nasci.
Talvez
Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu
fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro
de saudade de vocês.
Quando
vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar
irresistível.
Ontem saí
com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando
pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores,
só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem
te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja
a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de
elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e
acarajés e gente em volta.
Se eu
tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para
pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com
pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal
chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau,
me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e
nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar,
não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê
tempo pra pintar?
Quero te
dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de
viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia
mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar
nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração,
ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver
sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois
ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a
te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se
aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa
antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que
foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom
filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que
vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em
cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então
fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho
de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que
irresponsabilidade a minha.
Mas hoje,
antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento,
em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras
coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como
vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com
quem um dia me casei te tendo de padrinho.
A bênção,
meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não
esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu
irmão Caymmi”.
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