João Batista Cerqueira |
3. A SANTA CASA DA VILA DE
FEIRA DE SANT’ANNA
As fontes creditam ao Juiz de
Direito Dr. Luiz Antônio Pereira Franco transferido da Vila de Nossa Senhora de
Nazaré para a nova Comarca de Feira de Santana, em 1855, a liderança do
movimento em prol da fundação de uma Santa Casa na Vila de Feira de Sanf Anna.
O magistrado, em 1851, quando residente em Nazaré, foi Provedor da Santa Casa
de Misericórdia da vila, portanto, conhecia os propósitos de uma instituição assistencial que, fundamentada nos princípios da caridade
cristã e da filantropia, administrada por uma irmandade de leigos, desde os
primórdios foi colocada sob proteção régia.
Um evento marcante para a
história política e social da Vila de Feira de Sant’Anna viria a acontecer no
final do ano de 1859. Na viagem em direção às províncias do Norte do Brasil, o
Imperador D. Pedro II, acompanhado da Imperatriz Tereza Cristina e uma grande
comitiva visitaram a Província da Bahia, onde, num primeiro momento,
permaneceram entre 6 de outubro a 19 de novembro.
Recebida em Feira, com pompa e
festas, a Corte imperial que permaneceu na vila nos dias 5 e 6 de novembro de
1859, após instalação do Paço Imperial na residência do Coronel Joaquim
Pedreira de Cerqueira, situada na Rua Direita, atual Rua Conselheiro Franco, se
dirigiu ao Te Deum na Igreja Matriz de Senhora Santana. No
tumo da tarde, o diário do Imperador D. Pedro II, registra outro compromisso:
Nesse dia à tarde S. M.
admitiu a sua presença uma comissão composta pelos Srs: Dr. Pereira Franco
(relator), Dr. Comandante superior Sinfrônio Bacelar, Tenente-coronel M. J.
Pedreira Sampaio, Presidente da Câmara Borges, Coronel Pedreira de Cerqueira,
Dr. Juiz Municipal Japiassu, Dr. Promotor Antero Assis, Padre José Cupertino,
Cidadão Vitorino Gouveia. Esta comissão suplicou a S. M. a graça de tomar sob
sua Imperial Proteção, um asilo de Enfermos, que se pretendia criar na vila,
dignando-se S. M. permitir que fosse dado a esse o nome de - D. Pedro II. (D.
PEDRO, 1959, p. 276).
O pleito, apresentado pela
comissão, foi bem recebido pelo soberano que, além de permitir que o
estabelecimento fosse designado com o seu nome e para demonstrar o seu efetivo
apoio à iniciativa, fez doação de um óbolo, no valor de 2:OOOSOOO (dois contos
de réis). Demonstrando interesse, o Imperador D. Pedro II visitou um terreno e
determinou ao Dr. Bonifácio de Abreu, médico que acompanhava e assistia a Corte
na viagem, que ele, além de vistoriar a área, designasse nessa, o exato local
onde se deveria construir o nosocômio da Villa de Feira de Sant’Anna, a ser
denominado de Imperial Asilo de Enfermos D. Pedro II.
Um fato relevante é que,
anteriormente à visita do imperador brasileiro, desde 25 de março daquele ano,
esse mesmo grupo de cidadãos havia fundado a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
da Villa de Feira de Sant’Anna. Conforme destacado no Compromisso da
fraternidade, o objetivo da instituição era exercer a caridade:
Fazendo curar em seu hospital os enfermos pobres e desvalidos, e
prestando-lhes os soccorros espirituaes de que precisarem como também dando
sepultura no Cemitterio, que tratará de estabelecer, quando não possa obter o
que já existe nesta Villa, a cargo da Câmara Municipal, os cadáveres, não só
dos enfermos de que trata o $ antecedente, mas também de quaesquer indivíduos
absolutamente miseráveis e desamparados. (FEIRA DE SANTANA, 1860, p. 2).
Após a aprovação do Compromisso
da Santa Casa pelo Arcebispo D. Romualdo Seixas Dórea, em 19 de abril de 1860 e
pelo Presidente da Província, Desembargador Dr. Antônio da Costa Pinto, em 13
de maio de 1860, foi dada a largada em prol da construção do hospital.
Inicialmente, o provedor Dr. Luiz Antônio Pereira Franco solicitou ao Governo
Imperial, em conformidade com a Lei n°. 1099 de 1º de setembro de 1860, a
concessão de quatro loterias destinadas a arrecadar fundos objetivando a
construção do edifício cuja planta foi elaborada pelo engenheiro Trajano da
Silva Rego. De acordo com a proposta apresentada, os custos estimados com a
construção eram da ordem de 26:905$780 (vinte e seis contos, novecentos e cinco
mil e setecentos e oitenta de réis).
O pedido ao Governo Provincial,
entretanto, não obteve o resultado esperado, uma vez que na lei n°. 844 de 3 de
agosto de 1860 que aprovou o orçamento da província, destinou apenas a quantia
de 2:000$000 (dois contos de réis) para a construção do hospital da Villa de
Feira de Sant’Anna. Em vista do fato, preocupados coma saúde da comunidade, os
dirigentes da entidade insistiram em encontrar alternativa. Finalmente,
concluíram que o mais viável era fazer adaptações em uma casa em ruínas,
situada na área da antiga Fazenda Cerca de Pedras, já pertencente à Irmandade,
por doação do Governo Imperial.
A velha casa, em mau estado de
conservação, era uma construção de adobes, coberta de telha, subdividida,
intemamente, em duas salas e cinco quartos e com uma fachada de frente na qual
foram colocadas quatro janelas e uma porta. Para instalar o hospital, que foi festivamente
inaugurado no dia 25 de março de 1865, foram realizadas obras de ampliação e reforma
que, ao final, custaram 956$269 (novecentos e cinquenta e seis mil, duzentos e
sessenta e nove réis) a Santa Casa. O imóvel passou a ter uma fachada com 88
palmos, aproximadamente 20 (vinte) metros, na qual foram instaladas seis
espaçosas janelas e duas portas simetricamente colocadas. Intemamente, a casa
passou a dispor de uma sala para as reuniões da Mesa Administrativa, um
Oratório e duas enfermarias, uma masculina e outra feminina, cada uma com três
leitos.
Externamente, a primeira sede
da Santa Casa e do Hospital D. Pedro também recebeu melhorias para propiciar
bem-estar e “um lugar de recreio aos pacientes em estado de convalescência”.
Para tal, por um custo de 77$100 (setenta e sete mil e cem réis) foi anexado ao
edifício um amplo quintal com cerca de 850 m2. Esse espaço foi
incorporado ao hospital por um cercado de madeira, que, por sua vez, foram
retiradas, sem custos, das matas da Fazenda São João mediante autorização e
apoio do Prior do Convento do Carmo de Cachoeira. Das cercas construídas para
formar o quintal as que eram paralelas às paredes laterais do prédio tinham “93
palmos de frente afundo e as que eram paralelas à frente do prédio, em direção
ao oeste, alcançava uma largura de 170 palmos”.
Dr. Esvão Vaz Ferreira (acervo Cerqueira, J.B. Memorial Histórico) |
Inaugurada a primeira sede da
Santa Casa e do Hospital D. Pedro, o grupo envolvido com o projeto não
arrefeceu os ânimos para atender as necessidades sociais da população. Há
época, em decorrência da estratégica posição geográfica, a Vila de Feira de Santa’Anna
já despontava na condição de polo regional. Assim, após uma frustrada tentativa
de construir uma sede definitiva, em quatro de maio de 1879. na provedoria do
Dr. Estevão Vaz Ferreira, deu-se início as negociações para compra de um
Casarão de propriedade do Coronel João Pedreira de Cerqueira. Entretanto, a
compra do prédio que se tornou a segunda sede da confraria e do nosocômio,
somente ocorreu em 10 de agosto de 1884, na provedoria do Dr. José Lustosa de
Souza, mesmo provedor responsável pela inauguração, festivamente realizada no
dia 29 de fevereiro de 1886. (CERQUEIRA, 2009. p. 125, 2009).
Por cerca de três décadas,
conforme demostrado no quadro 3, foram os? agentes públicos que implantaram e
se revesaram à frente da Santa Casa de Feira de Santana. Além disto, após
receberem do Governo da Província a Fazenda Cerca de Pedras, estes
representantes governamental com as ajudas económico-financeira do orçamento
provincial, através de uma irmandade devocional, foram os responsáveis por
reformar e inaugurar o prédio que passou a ser a primeira sede da Santa Casa de
Misericórdia e do Hospital D. Pedro, bem como comprar o transferir a confraria
e o nosocômio para a segunda e definitiva sede própria.
Fonte CERQUEIRA (20090 |
Até o ano de 1957, data em que
foi inaugurada a sede atual da Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana e
do Hospital d. Pedro de Alcântara, a comunidade loco-regional foi amparada
pelas obras assistenciais destes pioneiros.
Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana em 1929 (Acervo do autor) |
5. CONCLUSÃO
A Santa Casa de Misericórdia de
Feira de Santana, que em 25 de março de 2019 comemorou 160 anos de fundação,
fez parte do contexto da política de assistência social do Estado Imperial
brasileiro. Por conseguinte, desde a fundação até a proclamação da República,
em 15 de novembro de 1889, a exceção da Provedoria de Bernardo Martins
Catharino, todas as Mesas Diretivas foram presididas por agentes do governo
que, concomitantemente, ocupavam cargos públicos na Comarca local. Assim, o
Governo Imperial brasileiro iniciou a sua intervenção na assistência,
deslocando-a da perspectiva pessoal da caridade cristã para a beneficência do
Estado.
Por sua vez, o marco inicial
desta política assistencial, após a independência de Portugal, está assentado
na fundação da Santa Casa de Misericórdia da Vila da Cachoeira. A época,
atendendo os pleitos do Juiz de Direito da Comarca de Cachoeira, Dr. Antônio
Vaz de Carvalho, em 20 de abril de 1826, D. Pedro I determinou a publicação da
Resolução Imperial que transformou o Hospital São João de Deus na Santa Casa de
Misericórdia. Em vista do acontecido, a Misericórdia cachoeirana detém a
primazia de ser a primeira e única Santa Casa diretamente autorizada a
funcionar por D. Pedro I, além de marcar o início da política governamental de
assistência social, continuada no governo regencial e no período do Segundo
Reinado brasileiro.
Ao final, conclui-se que, no
período imperial, o movimento em prol da fundação das Santas Casas no Recôncavo
baiano, sinaliza em favor da importância da região no contexto político e econômico
da Província da Bahia. Ademais, diante do apoio político e econômico-financeiro
do governo e do envolvimento direto de agentes do Estado monárquico, na
fundação de cinco das seis Misericórdias do Recôncavo Baiano, inclusive a Santa
Casa de Misericórdia da Vila de Feira de Santa’Anna, é razoável admitir que o
atual sistema de proteção social do Estado brasileiro, tem os seus primórdios
assentados nos governos do período imperial.
Replicando: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana nº 16
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