É de Feira de Santana uma
das mais vibrantes e polêmicas feministas da história do Brasil. Foi uma das
pioneiras na luta em defesa dos direitos da mulher, nas primeiras décadas do
século XX. Conferencista de sucesso em todo o país, chegou a ser presa no Rio
de Janeiro porque tentou fazer um comício, vestida de homem, nas escadarias do
Theatro Municipal. Posou para fotografia vestida de "cow-boy", com um
rifle do lado. O nome dela: Eulina Thomé de Souza. A vida da grande feminista
feirense será contada nos próximos dias, no Memorial da Feira, portal mantido
na internet pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Comunicação.
Antes disso, aí vai o texto do vídeo, sem a edição de imagens:
Pouca gente sabe, mas
Maria Quitéria não foi a única mulher feirense que se vestiu de homem e partiu
pra guerra. Eulina Thomé de Souza também se vestiu de guerreira, posou para a
foto com um rifle do lado e partiu para outra batalha: a de defesa dos direitos
da mulher. Isso nas primeiras décadas do século XX. Ela se tornou conhecida em
várias partes do país como conferencista e uma das primeiras feministas do
Brasil. Em Feira de Santana, porém, existem poucos registros sobre Eulina
Miranda, o seu nome de solteira.
Em 1909, a Revista do
Brasil, de Salvador, traz essa foto, com a seguinte legenda:
“Grupo de distintas
senhoras e gentis senhoritas que compõem a diretoria do Grêmio das
Sócias-Protetoras da 25 de março, que tem sua sede na formosa cidade de Feira
de Santana (...) vendo-se de pé a oradora oficial, que é a inteligente
aluna-mestra senhorita Eulina Miranda.”
Em dissertação de
mestrado intitulada Timoneiras do Bem, a pesquisadora Cristiana Oliveira cita
Eulina, já usando o seu nome de casada, entre as mulheres que se destacaram na
vida intelectual de Feira na década de 1920:
“Nesses rincões, aparece
o nome de Dona Eulina Thomé de Souza como porta-voz da emancipação feminina,
trazendo a novidade civilizadora para a sua terra natal – Feira de Santana. A
eminente conferencista estava afastada do seu torrão desde sua partida após a
formatura na capital da Bahia, no Instituto Normal. Esteve em contato direto
com o mais importante centro polarizador dos preceitos modernizadores europeus,
a capital do Governo Federal, o Rio de Janeiro.”
Cristiana Oliveira se
refere às duas conferências realizadas por Eulina Tomé de Souza em Feira de
Santana em julho de 1926, e que foram noticiadas pelo jornal Folha do Norte.
Diz a reportagem:
“A senhora dona Eulina
Thomé de Souza, de quem a cidade conhece a infância estudiosa e risonha e o
albor du’a mocidade radiosa, é, sem contestação, um espírito empreendedor,
dotado de viva inteligência, vezes de grande lucidez, de imaginação ativíssima e
pronta. Muito jovem ainda alcançou a láurea de mestre. O anseio natural de vida
menos pacífica, mais agitada, gerado de seu próprio temperamento, levou-a para
as lides da imprensa e, empós, fez-se conferencista. É no desempenho dessas
funções que ela volve ao nosso meio social, como defensora destemerosa e
fecunda dos direitos da mulher”.
Na ocasião, também na
Folha do Norte, o poeta Honorato Bonfim Filho publicou esse poema, intitulado
Pró-Feminismo, com a seguinte dedicatória: “À fervorosa pioneira do feminismo,
dona Eulina Thomé de Souza”.
Eulina viria a ganhar
destaque nacional com suas conferências, como esta, em 1921, na cidade de
Manaus, dedicada à colônia portuguesa da capital do Amazonas, e essa outra, no
Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, sobre o feminismo, e anunciada pelo
jornal Diário da Manhã, em janeiro de 1927. Ainda em Manaus, em janeiro de
1922, Eulina fundou o jornal Almofadinha, definido por ela, em editorial, como
sendo “o produto vitorioso deste século; ele é tudo, porque representa a vida,
a poderosa razão da vida que freme, que se agita, que fala, que grita, que
gesticula e estuda poses e cultiva gestos dengosos”.
Mas ela se destacou
também pelas atitudes irreverentes e audaciosas. Em 1928, seu nome entra na
crônica policial de um jornal do Rio de Janeiro, nessa reportagem reproduzida
pelo jornal Folha do Norte. Intitulada “Uma feminista masculina foi presa”, diz
a reportagem:
“Eulina Thomé de Souza
veste-se de “cow-boy” e faz conferencias sobre o feminismo: é um contra senso,
mas é verdade. É feminismo que se masculiniza. Ora, ontem, à tarde, D. Eulina,
das escadarias do Theatro Municipal, em gestos largos e palavras vibrantes,
anunciava aos ouvintes que o feminismo há de vencer.
- Vencerá, dizia ela,
quer queiram, quer não os governos, quer a polícia deixe, quer não.
Ao falar na polícia,
surgiu um policial, que, incontinenti, disse-lhe:
- Esteje presa!...
- Protesto, diz a
feminista. Eu sou uma mulher que represento todas as minhas patrícias, encarno
a mulher brasileira!...
- Não tenho nada com
isso; eu a prendo porque, justamente, sendo mulher, veste-se como homem... foi
a resposta do policial.
E assim, sob protestos,
D. Eulina foi ao 5º distrito policial, onde aguarda umas saias para poder
sair.”
Não se sabe quando e onde
Eulina Thomé de Souza morreu, mas em 1971, ela ainda era notícia. Na edição 1034 da revista Manchete, foi
publicada essa crônica sobre Eulina, do jornalista e escritor Paulo Mendes
Campos. Nela são relatadas aventuras incríveis da feminista feirense nos
estados de Pernambuco e Alagoas. Entre outras coisas, diz que, no sertão de
Pernambuco, Eulina dormiu na fazenda de uma sobrinha de Lampião, assombrando a
moça com sua valentia.
Eulina Tomé de Souza, uma
das primeiras e mais polêmicas feministas do Brasil, é uma personalidade
fascinante de Feira de Santana, que merece ser melhor estudada.
Matéria publicada no MEMORIAL DA FEIRA.
Matéria publicada no MEMORIAL DA FEIRA.
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