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FOTO OFICIAL DO ENCONTRO

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quarta-feira, 22 de julho de 2020

HISTÓRIA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA - I

João Batista Cerqueira

A SANTA CASA DA VILA DE FEIRA DE SANT’ANNA NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE UMA REDE ASSISTENCIAL, NO RECÔNCAVO BAIANO, DURANTE O PERÍODO IMPERIAL.

1. INTRODUÇÃO


As terras do Recôncavo baiano, nas quais correm as águas dos rios Subaé, Guaí, Paraguaçu e Jaguaripe, na agricultura, com base no trabalho de povos escravizados de origem indígena e/ou africana, foram utilizadas, principalmente, para o cultivo de cana-de-açúcar, fumo e mandioca. Nessa região em que se propagou a linha sul do povoamento, foram instaladas as primeiras vilas da Capitania da Bahia: Jaguaripe (1697), Cachoeira (1698), São Francisco da Barra de Sergipe do Conde (1698), Maragogipe (1724), Purificação e Santo Amaro (1727) e Valença, em 1799. Ademais, no período imperial, em 1831, foi criada a Vila de Nossa Senhora de Nazaré, territorialmente desmembrada de Jaguaripe e Feira de SanfAnna, em 1832, separada que foi do território da Vila da Cachoeira.

No campo econômico, em função da variedade de solos que permitia diferentes cultivares, foram instaladas manufaturas para processamento de produtos agrícolas destinados à exportação e abastecimento do mercado interno: Engenhos para a moagem de cana e produção de açúcar, “casas de farinha” para processamento de mandioca e “armazéns” para estocagemde fumo que era manufaturado, inicialmente, no ambiente doméstico. A cana-de-açúcar (Saccharum offlcinarum) era cultivada, principalmente, nos terrenos de solos mais pesados, com maior teor de argila, conhecidos por massapês, presentes nas vilas de São Francisco do Conde, Santo Amaro e no Iguape, território da Vila da Cachoeira. (MILTON, 1979, p. 16; BARICKMAN, 2003, p. 36).

A cultura de mandioca (Manihot esculenta) se desenvolveu nos solos leves e arenosos das vilas de Maragogipe, Jaguaripe, Nazaré e também em parte do território de Cachoeira. De forma diferente do sistemaplantation, o cultivo e processamento de mandioca nas “casas de farinha”, quase sempre realizado por rendeiros ou pequenos proprietários rurais, prioritariamente, destinava-se ao abastecimento interno, uma vez que a farinha era um produto básico na alimentação regional. Segundo Barickman (2003), firmou-se no Recôncavo baiano um mercado urbano e rural bem desenvolvido para víveres básicos: “O aumento da oferta de farinha, por sua vez, possibilitou uma expansão maior e mais rápida da produção de açúcar nos engenhos da região na primeira metade do oitocentos”. (BARICKMAN, 2003, p. 30).

Por sua vez, a cultura do fumo (Nicoiiana tabacum), usado pelos indígenas brasílicos, exportado e popularizado na Europa como remédio, e utilizado como moeda de troca por africanos escravizados, no Recôncavo baiano, também se desenvolveu nas “areias” das vilas de Maragogipe, Jaguaripe, Nazaré e na parte arenosa de Cachoeira. A produção e o processamento inicial do fumo eram basicamente domésticos e envolviam os membros da família e os poucos escravos, alugados ou de propriedade, do quase sempre pequeno produtor. Tal qual o cultivo de mandioca, a lavoura da “erva santa” foi também uma alternativa econômica ao sistema de plantation:

Na estrutura fundiária, no uso da terra, no recrutamento da mão de obra, no abastecimento e nas técnicas agrícolas, o açúcar e o fumo exibem diferenças significativas e fundamentais. Assim, a lavoura de fumageira não representava um mero exemplo a mais na monocultura de exportação... O que a produção de tabaco no Recôncavo demostra é que no âmbito da agricultura escravista de exportação havia alternativas viáveis à plantation. (BARICKMAN, 2003, p. 31).

O atual município de Feira de Santana, cuja sede foi elevada à cidade em 16 de junho de 1873, atualmente, de um conjunto de regiões, abrangendo parte do Nordeste da Bahia, de Irecê, do Piemonte da Chapada Diamantina, do Litoral Norte, do Paraguaçu e do Recôncavo baiano. Anteriormente, quando a Província da Bahia era presidida por Joaquim Pinheiro de Vasconcelos, Visconde de Montserrat, através do Decreto de 13 de novembro de 1832, o atual município ganhou autonomia político-administrativa e com nome de Vila de Feira de Sant’Anna foi, geográfica e politicamente, separado do Termo da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira.
Empossada a primeira Câmara Municipal em sessão realizada na Igreja Matriz de Santana, em 18 de setembro de 1833, territorialmente, passaram a fazer parte do Termo da Vila de Feira de Sant'Anna, as freguesias de S. José das Itapororocas, Santa Anna do Camizão e Santíssimo Coração de Jesus de Pedrão. Entretanto, quanto à assistência hospitalar da população, muito embora no início dos anos cinquenta do século XIX, o Juiz Antônio Luiz Affonso de Carvalho, tenha se mobilizado para solucionar a carência local, a alternativa mais próxima para todo e qualquer atendimento nosocomial era o Hospital São João de Deus, situado em Cachoeira.

2. O SISTEMA DE APOIO SOCIAL: AS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA
No campo da assistência social, a partir do modelo implantado em Portugal no final do século XV, desde o Brasil colonial, passou a ser da responsabilidade das Santas Casas de Misericórdia a assistência aos necessitados. Laurinda Abreu (2003), ao abordar as estratégias de intervenção social, no período entre os séculos XVI e XVIII, apresenta uma visão do conjunto das confrarias lusitanas, bem como da importância das Misericórdias para a assistência médica c hospitalar portuguesa:
Fundadas no contexto de um processo de reforma da assistência desencadeada pela Coroa num momento em que o Ocidente atravessava profundas mudanças, estas confrarias apresentavam-se como parte integrante de um conjunto maior de ações que lançam os alicerces de um sistema de apoio social, relativamente uniformizado, assente numa explícita lógica de divisão de funções, que ambicionava abranger os presos, as crianças, desprotegidas, os pobres e os doentes. (ABREU, 2004, p. 12).
Além disso, o estudo aborda as especificidades da assistência em Portugal e amplia suas análises sobre a política de expansão das Misericórdias lusitanas para o além-mar, ou seja, para os domínios ultramarinos do império português. Ademais, Charles Boxer (1969), ao abordar o tema e objetivando compreender de que forma os portugueses expandiram sua cultura nos domínios do reino, concluiu que as Misericórdias, juntamente com os Conselhos ou Senado da Câmara das vilas ou cidades, cada um no seu espaço, eram elementos de coesão política e social no vasto império lusitano e um dos sustentáculos da monarquia portuguesa. (ABREU, 2001, p.591; BOXER, 1969, p.263).
(gráfico elaborado pelo autor)
Portanto, implantado no Brasil desde o período colonial, época na qual somente na Capitania da Bahia foram instaladas três únicas Santas Casas, após a independência, o modelo lusitano continuaria a servir de referência para o governo Imperial brasileiro, responsável pela autorização e ajuda para funcionamento de oito novas Misericórdias na Província da Bahia, seis das quais na região do Recôncavo.
Por conseguinte, uma análise preliminar do processo de expansão das Santas Casas no Recôncavo da Bahia, em desacordo com a historiografia referente à postura dos Governos imperiais quanto à assistência social das populações necessitadas, demonstra a expressiva participação de agentes governamentais nos movimentos em prol da fundação dessas irmandades. Em vista do fato, conforme registrado no Quadro 1, constata-se que das seis novas Santas Casas do Recôncavo baiano, apenas uma delas teve um comerciante como o principal responsável pela fundação da confraria, muito embora apoiado pela Corte. As demais, em número de cinco, que representa 83% (oitenta e três por cento) do total, foram instituídas sob a liderança de agentes públicos que atuavam tanto no campo laico quanto no religioso.


Portanto, comprovado que, principalmente, foram agentes do governo imperial que estiveram à frente das fundações das Santas Casas, pode-se asseverar que esse movimento estava inserido no esforço da Corte brasileira em organizar um sistema de assistência social no Brasil Imperial. Para tal, a exemplo do Decreto assinado pelo Ministro da Regência Trina, o baiano Dr. José Lino dos Santos Coutinho, em favor da Santa Casa de Cachoeira, o Governo imperial manteve a tradição de conceder às Misericórdias brasileiras os privilégios régios anteriormente concedidos às Santas Casas lusitanas:

A Regência, em nome do Imperador, tomando em consideração a representação da Câmara Municipal da Villa da Cachoeira, sobre requerimento do Provedor e Mesários da Santa Casa da Misericórdia da. dita Villa, há por bem que sejam applicados em benefício do seu Hospital os Legados Pios não cumpridos, pertencentes ao seu Districto. E ordena que V Excelência faça por em execução acerca daquele Hospital o Artigo 2oda Lei de 6 de Novembro de 1827, ficando a incumbência de que, na data de hoje se officie à Repartição dos Negócios da Justiça para expedir as ordens necessárias, a fim de que se efective a entrega dos mencionados Legados (BNRJ, 1831, grifos nossos).

No caso em questão, a partir de então, na jurisdição do Distrito Eleitoral cuja sede era a Vila da Cachoeira, através desse privilégio concedido pela Corte brasileira, a Misericórdia cachoeirana passou a arrecadar recursos pleiteando os “Legados pios não cumpridos”. Instituídos por testadores para realização de celebrações religiosas objetivando a “salvação da alma”, os legados pios não cumpridos podiam ser destinados à organização de “cortejo fúnebre” ou para celebração de missas de “corpo presente”, “sétimo dia de falecimento” ou de forma seriada, quando então eram denominadas “Capelas de missas”.
Corroborando ainda com a tese do esforço da Coroa na formação de um aparato assistencial no Recôncavo baiano, as fontes registram que, mesmo nos momentos de dificuldades financeiras, foram destinados recursos no orçamento da Província da Bahia, cm apoio a tais iniciativas:

Em consequência da falta de rendimentos dos Cofres Provinciais para satisfazer as despesas decretadas, entendi de conveniência pública, e até de necessidade, reduzir à metade as consignações que decretastes, no parágrafo 8o do art. Ioda Lei de 5 de agosto de 1848, para as obras das Casas de Misericórdia de Nazareth, de Cachoeira, de Maragogipe, e de Santo Amaro, nenhuma diminuição mandando fazer nas ordinárias para taes estabelecimentos votados, declarando-lhes que serão pagas estas consignações no seu total se afinal se reconhecesse sobrarem os fundos Provinciais (BAHIA, 1849. p. 11).

Ademais, na Província da Bahia, a ajuda financeira para a fundação, construção e manutenção de abrigos, cemitérios e hospitais vinculados às Santas Casas de Misericórdia, não se limitou aos valores disponibilizados no orçamento anual. As fontes registram que, nas duas etapas da visita à província baiana, a Corte ofereceu “Óbolos” em apoio às iniciativas assistenciais. Por conseguinte, conforme demostrado no Quadro 2, ao longo da estada de D. Pedro II na Bahia, oportunidade na qual, além de Salvador, foram também visitadas vilas do Recôncavo baiano, em todas as urbes que dispunham de uma Santa Casa, o imperador fez doação de recursos financeiros para a irmandade local. (D. PEDRO II, 1959, p. 264).


Dessa forma, apoiadas pelos governos da Província e pela Corte, as Misericórdias do Recôncavo baiano escreveram a sua trajetória em confluência com o poder local, uma vez que, de forma similar ao que, ao longo da história, acontecerá em Portugal, sem atritos, as Câmaras das vilas, além das responsabilidades assistenciais, transferiam para as Misericórdias instituídas “rendas, terrenos, casas, hospitais e capelas”. Assim, essas irmandades, oportunizaram a participação das elites locais que, mantendo o poder econômico e político, ao mesmo tempo, abraçaram causas sociais e ajudaram a estruturar o Estado brasileiro. (SÁ, 2002, p.35).

Continua no dia: 24/07/2020

Replicando: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana nº 16 


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