RONALDO SENNA
– Mestre, Doutor, Antropólogo, escritor, professor aposentado: Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e
Universidade Católica de Salvador (UCSAL).
Jamais conseguiremos escrever
As histórias dos futuros
E nem mesmo esconder
Os passados entre os muros.
Tendo suas próprias existências,
Seus fracassos e vitórias,
Suas razões e preferências
Tecem inconstantes memórias
Sendo a trajetória humana
Uma sucessão de erros insana
Apoiada na fé e na certeza,
Por mais segura que seja a gesta
A história sempre se manifesta
Pelos caminhos da surpresa
AS CONVICÇÕES OSCILANTES
As convicções estarão sempre oscilando ao
sabor das circunstâncias, assim como as crenças só podem se estabelecer no bojo
das heranças culturais. Por essas constatações apreendemos que as verdades se
realizaram e sempre se realizarão no cerne das modificações contínuas e
multidirecionadas. Instalar-se nessa panorâmica é a única forma objetiva e
lógica de vermos o contínuo sociedade e cultura.
Essa herança em mutação, acionando a vida
como é possível ser vivida, permite-nos ver que "eu sou eu e minhas
circunstâncias" e que "o homem não tem natureza e sim história".
Podemos dizer ainda, completando, que "não é a consciência que determina a
existência, mas a existência que determina a consciência". Os dois
primeiros pensamentos são de Ortega, o terceiro veio de Marx. Uma simples e
atenta observação será o bastante para que uma identificação clara entre eles
se torne patente e provoque, ainda mais, a nossa reflexão.
Sim, tanto a estrutura social (de onde
nascem e vicejam as mais variadas conjunturas), como os contextos históricos
(de onde saem os atos e eventualidades), são responsáveis pelos desfechos que
direcionam o tempo e o espaço vivenciados.
Se as circunstâncias que envolvem um
homem - ser histórico - são, por esta mesma história, construídas e - por esta construção
- a sua consciência é trabalhada, este homem tem consciência, portanto, de que
o ato de entender a sua vida tende sempre a ser o seu passado reorientado.
Inicia-se, por esta causa, o seu próprio
projeto de vida. Ele nada mais é que uma das formas da sua consciência sendo determinada
pela compreensão do mundo que recebe como herança das suas circunstâncias
étnicas, económicas e socioculturais.
A partir da observação de tudo isso, o
seu mundo se constrói. Este ser gerundial, esta realidade cinemática, ordena a consciência
e arquiteta a determinação. O espaço no qual se estende o domínio do imaginário
é o seu próprio projeto que se finaliza, em cada demarcação, instalando-se
entre a Cosmologia e Cosmogonia.
Os conceitos de cosmologia e cosmogonia
têm campos semânticos de tamanho desigual, tendendo o primeiro desses termos a
englobar o segundo. Com efeito, o antropólogo pode definir a cosmologia como um
conjunto de crenças e de conhecimentos, como um saber compósito, que abrange o
universo natural e humano; a cosmogonia (parte da cosmologia centrada na
criação do mundo), por seu lado, expõe, sob a forma de mitos as origens do
cosmos e o processo de constituição da sociedade. Assim, a cosmologia - pela
qual nos interessamos de maneira prioritária - apresenta-se como uma exigência
de síntese, como a pesquisa duma visão totalizante do mundo. Além duma função
redutora, uma vez que isola e dá importância a certos elementos considerados
como constitutivos do universo, tem também uma função explicativa, pois ordena
e põe em relação o meio natural e os traços culturais do grupo que a produziu.
(Lallemand, 1974:27)
A cosmologia, portanto, procura logicizar
o tempo e o espaço a partir de uma reflexão científica, no sentido objetivo e sistemático,
dentro de um cálculo abrangente de possibilidades. Já a cosmogonia vê o
universo, indubitavelmente como criatura, logo, tem que haver o criador.
Produz, dessa forma, um painel rico em símbolos e metáforas. Para as mentes que
se pretendem lógicas e coerentes, o espaço é sempre uma manifestação de área,
lugar, distância, local, fronteira, delimitação (total ou parcial). "Já
para o homem religiosos, o espaço não é homogêneo: apresenta roturas, quebras;
há porções de espaço qualitativamente diferente dos outros" (Eliade,
1967:35).
Acompanhado a espacialização social,
notamos que as ambientações se diferenciam, inclusive hierarquicamente, porque
impregnadas de sagrado. Assim, vemos que em uma das nossas praças brasileiras
em que exista uma igreja, aquele logradouro é mais sagrado que outros, a igreja
mais sagrada que o restante da área, dentro da igreja, as naves mais sagradas
do que o portal, o altar mais sagrado do que as naves e o sacrário mais sagrado
do que o altar.
Tal como o espaço, o tempo também não é,
para o homem religiosos, nem homogêneo nem contínuo. Há, por um lado, os
intervalos de tempo sagrado, o tempo das festas (na sua grande maioria, festas periódicas);
por outro lado, há o tempo profano, a duração temporal ordinária na qual se
inscrevem os actos privados de significação religiosa. Entre estas duas
espécies de tempo existem, bem entendido, solução de
continuidade mas, por meio dos ritos, o homem religiosos pode “passar” sem perigo,
da duração temporal ordinária para o
tempo sagrado. (Eliade, 1967:81).
A socialização do tempo constrói anos
santos, meses santos, semanas santas, dias santos e, até horas santas. Mesmo
quando as sacralizações não se manifestam como santificações, existem atos e
eventos que possuem o poder de marcar o momento sagrado, como, por exemplo: o
momento da escolha, a consciência da vocação, o desígnio da missão ou da sina,
a romaria, a viagem à Meca, a sétima volta em torno da Caaba.
A cosmogonia é o modelo exemplar de toda
espécie de fazer. Não só por ser o Cosmo o arquétipo ideal ao mesmo tempo de
toda a criação, mas por ser uma obra divina. O Cosmo é, então, santificado na
sua própria estrutura. Por extensão, tudo o que é perfeito, pleno, harmonioso,
fértil, em uma palavra, tudo o que é concebido como um cosmo, tudo o que se
parece a um cosmo, é sagrado. Fazer bem feita qualquer coisa, obrar, construir,
estruturar, dar forma, informar, formar, tudo isso se resume em dizer que se
faz com que alguma coisa comece a existir, que se dá vida a alguma coisa e, em
última instância, que se faz com que alguma coisa se assemelhe ao organismo por
excelência, o Cosmo. Ora, o Cosmo, não custa repetir, é a obra exemplar dos
deuses, é a sua obra-prima (Eliane, 1967: 68).
O ser humano para se sentir semente, raiz
e árvore da existência e não fruto da história, além de pôr os deuses a seu serviço,
posiciona-se como centro do universo e, em consequência, coloca o cosmo como
uma existência para o homem. Ora, se a vida (qualquer uma - não apenas a
humana) desaparecesse não faria falta alguma ao universo. Não ver isso é apenas
instalar-se em um tempo e espaço religiosos.
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