Hugo Navarro da Silva |
O Forum local ainda funcionava, heroicamente, no andar
superior da Prefeitura, prédio que recebeu, recentemente, o nome de Paço
Municipal Maria Quitéria mas ninguém acreditou como tem ocorrido com tantas
outras designações de equipamentos urbanos desta cidade. Ali pontificava o
advogado Vicente dos Reis com seu naco de mascar e seu pó de tabaco. A política
havia voltado à moda. Vicente, que chegou a se candidatar à vereança, se
autodenominava de “advogado dos pobres” influenciado, talvez, pela ação trabalhista
do getulismo a que se filiara, e se entregava à azafama forense, a incursões
partidárias e a artigos que publicava na “Folha do Norte”, sempre em defesa dos
pobres, antecipando-se, talvez, ao que o futuro reservaria à política do nosso
país e participando de interessante
fenômeno que a História reservaria ao povo brasileiro.
Getúlio governou o Brasil durante quinze anos, em regime
ditatorial que talvez tenha feito mais vítimas do que o regime militar de 1964, mas até hoje sofre
poucas críticas, que se contrapõem a rasgados elogios sem a ajuda de comissões
da verdade, talvez porque aos supostos injustiçados e perseguidos daquela época
não foram oferecidos prêmios, aposentadorias e pensões, como agora, vantagens que estão a atrair e a criar um sem
número de vítimas a disputar carreira com o programa do “Bolsa Família” em cujo
rol de beneficiários descobriram até a presença de um felino, o fofo gato “Billy”.
Vicente dos Reis viveu em época de dificuldades e pobreza do
povo feirense. Faltava luz constantemente e a água consumida era a de
cisternas, vendida nas ruas em barriletes transportados no lombo de jegues,
dando nascimento a enorme classe de trabalhadores, a dos aguadeiros, que se
apresentava nas festas populares com seus animais ajaezados de papel de seda de
cores variadas.
Em certo fim de ano Vicente preparou cuidadosa e
apressadamente um inventário. Era o seu peru de Natal (dizia ele). Deixou tudo
pronto para a homologação do juiz, o Dr. Oscar Mesquita, professor de Latim do
Colégio Santanópolis, (grifo do Blog) homem de índole calma e bondosa, e aguardou ansiosamente
a sentença. Quase não dormia. Avisado,
pelo escrivão, correu ao cartório para ver o resultado. Lá estava a esperada
sentença mais ou menos nos seguintes termos: É fim do ano. Já ouço o bimbalhar
dos sinos do Natal. A humanidade renova esperanças de paz, harmonia e prosperidade
ao comemorar o nascimento do Redentor. Desejo, a todos, Boas Festas e Feliz Ano
Novo. Voltem (os autos) depois das férias. Naquele tempo as férias forenses
incluíam parte de dezembro e os meses de janeiro e fevereiro. Atualmente, em
alguns casos, são perpétuas como certas tumbas. Vicente quase teve um ataque. As
esperanças do peru voaram para longe.
O Natal, entretanto, significa tempo de encantamentos e
sortilégios. É como se grande parte das pessoas, no mundo cristão, ingressasse,
subitamente, na humanidade, despertando o desejo de confraternização e as mais
doces lembranças da vida, misturadas com sentimentos fraternais de amizade e
solidariedade.
Mas, nem sempre é assim, infelizmente. O fim de ano
significa, também, gastos nem sempre moderados, correrias e ansiedades, o
crescimento de apetites imoderados não apenas pelo peru natalino, mas pelo
resultado de certas práticas que se
tornaram comuns no Brasil moderno, pondo
as coisas de cabeça para baixo. Daí que vemos carros à frente dos bois,
excessos sem explicações razoáveis e exagerada dedicação à defesa da lei como
jamais existiu nos arraiais caboclos, despertando dúvidas e razoáveis desconfianças
semelhantes às que Hamlet manifestou a
respeito do antigo reino da Dinamarca.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
Nenhum comentário:
Postar um comentário