Hugo Navarro da Silva |
João Ribeiro, em sua “Filologia”, advertiu o país para o que
estava acontecendo com os professores brasileiros, “uma pobre classe ferida
pelo mais entranhado desdém da República”. Chega a dizer que aos professores,
perdendo regalias, honras e vantagens, bem assentava a designação retórica de
sacerdotes, reduziada, a classe, à “situação franciscana e honrosa de Ordem
mendicante”. Tinha razão ao dizer que já no seu tempo ser professor era bico ou
biscate, arranjo, achego, o verdadeiro “ofício da miséria”. Nem sempre foi
assim. Em tempos anteriores, dizia-se, apenas quatro pessoas, na comunidade,
podiam ter relógio: o padre, o intendente, o juiz e o professor. Assim foi, provavelmente, até a época do
profº. Geminiano Costa, mestre de primeiras letras do poeta e jornalista
Aloísio Rezende, cuja memória é honrada com o nome de rua desta cidade. E não era
apenas o lado financeiro. O professor desfrutava de prestígio social e político, ouvido em todos os assuntos do
interesse da comunidade. Agora, para pleitear aumento de salário e pobres avanços
em sua condição de trabalho, tem que se aventurar em perigosas passeatas
noturnas, enfrentar a polícia e tolerar a infiltração de grupos radicais, acobertados de máscaras, cujos verdadeiros
propósitos, chefia, planejamento e financiamento para causar incêndios, pânico e destruição ainda são misteriosos.
As homenagens esta semana prestadas ao professor, em todos
os níveis, mostraram-se pálidas diante dos verdadeiros merecimentos da classe
na formação da sociedade brasileira hoje um tanto ofuscados pelos rumos que a
sociedade vai tomando em que o mestre, principalmente o de primeiras letras como antigamente era
conhecido, enfrenta dificuldades jamais imaginadas, frutos dos novos tempos, da
correria, dos perigos da vida moderna e do crescente e desordenado aumento da
população.
Ainda estão na lembrança de muitos, nesta terra, figuras
notáveis de professoras que escarafunchavam desde cabelos e orelhas mal lavadas
de alunos por acaso relapsos em matéria de higiene até a vida íntima de
famílias para corrigir embaraços que pudessem influir no rendimento escolar.
Ninguém pode calcular o que a sociedade deve a mestras como Bertholina
Carneiro, irmã do padre Tertuliano Carneiro, um dos mais importantes sacerdotes
com que contou esta cidade em toda a sua História.
A profª. Bertholina, alta, forte, com sua régua de metro e
meio de jequitibá envernizado, com que não poucas vezes teve que impor a sua
autoridade, era da família de Cosme e Cícero Carneiro, gente trabalhadora e
honrada, de pele escura e originária provavelmente do Recôncavo, com destaque
para Ernestina Carneiro (D. Pomba), fundadora do Bairro da Rua Nova, hoje um dos
mais populosos da cidade e origem de incontáveis manifestações folclóricas e
artísticas. Cosme, exaltado partidário da “Sociedade Filarmônica Vitória”,
mandou colocar na fachada de sua casa, na Rua Mal Deodoro, escultura de águia
de cujo bico pendiam lâmpadas. A águia era símbolo da “Vitória” e as lâmpadas ficavam
acesas todas as vezes que naquela rua a banda ia passar.
A influência da profª. Bertholina e de muitas outras sobre a
formação intelectual e moral do povo desta cidade é inestimável e grandiosa. O
Brasil, crescendo de modo desigual como está, somente encontrará caminho para o
completo desenvolvimento de sua gente quando aprender a valorizar o
professorado de primeiras letras, devolvendo-lhe o prestígio e a importância
que no decorrer do tempo vem perdendo com resultados desastrosos, porque o
ensino fundamental eficiente e valorizado é o que aponta os caminhos para uma
vida melhor e mais digna.
Hugo Navarro da
Silva - Santanopolitano, foi aluno e professor do Colégio Santanópolis.
Advogado, jornalista escreve para o "Jornal Folha do Norte".
Gentilmente, a nosso pedido, envia semanalmente a matéria produzida
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